Pesquisas

Mel de Açaí Revela Altos Teores de Compostos Antioxidantes e Potencial na Saúde Humana

Estudo revela propriedades bioativas do mel monofloral derivado da florada do açaizeiro, valorizando a sociobiodiversidade amazônica


Publicado em: 21/10/2024 às 10:00hs

Mel de Açaí Revela Altos Teores de Compostos Antioxidantes e Potencial na Saúde Humana
Foto: Para ser considerado um mel monofloral, o produto do trabalho das abelhas deve ter na sua origem a predominância de néctar da flor de uma determinada espécie vegetal. Foto: Ronaldo Rosa

O mel produzido a partir da florada do açaizeiro (Euterpe oleracea), pelas abelhas africanizadas (Apis mellifera L.), destaca-se por seus altos teores de compostos bioativos, oriundos da palmeira amazônica. Esses compostos são reconhecidos por suas contribuições significativas para a promoção e manutenção da saúde humana. Essa conclusão é fruto de uma análise comparativa entre diferentes tipos de mel de várias regiões do Brasil, o que abre novos caminhos para a valorização deste produto da sociobiodiversidade amazônica.

O artigo intitulado "Evaluation of the Bioactive Compounds of Apis mellifera Honey Obtained from the Açai (Euterpe oleracea) Floral Nectar" foi publicado na revista científica Molecules e é resultado de uma colaboração entre pesquisadores da Embrapa, da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Para que o mel seja classificado como monofloral, deve haver predominância do néctar de uma única espécie vegetal, com a legislação brasileira exigindo a presença de mais de 45% de pólen de uma única espécie em uma amostra. Essa concentração confere ao mel características singulares em sabor, aroma e cor, além de propriedades funcionais específicas. No caso do mel de açaí, amostras coletadas em Breu Branco (PA) e Santa Maria (PA) foram analisadas em comparação com mel monofloral de quatro outras origens: mel de aroeira, de Minas Gerais; mel de cipó-uva, do Distrito Federal; mel de Timbó, do Rio Grande do Sul; e mel do mangue, do Pará.

Segundo o pesquisador Daniel Santiago, da Embrapa Amazônia Oriental (PA) e um dos co-autores do estudo, a escolha desses méis para comparação se deve às suas conhecidas propriedades funcionais e à presença de compostos bioativos, especialmente o mel de aroeira, altamente valorizado no Brasil.

Benefícios à Saúde

As análises indicaram que o mel de açaí possui uma notável capacidade antioxidante. Em comparação com o mel de aroeira, o mel monofloral do açaizeiro apresentou uma atividade antioxidante quatro vezes superior. “Isso sugere que os méis predominantemente compostos pela florada do açaizeiro apresentam uma capacidade antioxidante mais intensa, provavelmente devido a maiores concentrações de polifenóis e outros compostos bioativos”, afirmam os autores.

O professor Nilton Muto, da UFPA e co-autor do artigo, explica que os compostos bioativos, como os polifenóis encontrados no mel de açaí, são substâncias que, embora não sejam consideradas nutrientes essenciais, podem oferecer benefícios à saúde. Essas substâncias estão presentes naturalmente em pequenas quantidades em plantas e animais e podem influenciar funções biológicas e processos metabólicos.

“Os polifenóis atuam como antioxidantes, neutralizando radicais livres, e podem apresentar propriedades anti-inflamatórias, anticancerígenas e cardioprotetoras”, afirma Muto. A literatura científica indica que a maior concentração de compostos bioativos está associada a uma coloração mais escura do mel, o que foi confirmado nas amostras de mel de açaí, que variaram de âmbar a âmbar escuro. Contudo, outros fatores, como processos de desumidificação e a maturação do produto, também podem influenciar essa coloração. “O mel de açaí, por sua tonalidade quase totalmente negra, acaba se tornando um atrativo”, observa.

Quanto ao sabor, o mel de açaí foi bem avaliado por grupos de voluntários e analistas sensoriais. Ele não é tão doce quanto outros méis e apresenta notas de café. “É um mel diferenciado, que acredito será bem aceito pelo público e facilmente incorporável à gastronomia”, acrescenta Muto.

A pesquisa também confirmou a presença de vários compostos bioativos no mel de açaí, associados a propriedades anti-inflamatórias, antibacterianas, antimicrobianas e antitumorais. Segundo Muto, a investigação dessas capacidades já está sendo aprofundada em pesquisas em andamento.

Atividade com Potencial de Expansão

Com o aumento do preço do fruto, o cultivo de açaizeiros tem se expandido no Pará, levando os produtores a buscar formas de incrementar a produtividade por meio da polinização dirigida. Esse processo envolve a introdução de abelhas nos cultivos para a visitação das flores e a realização da polinização.

No Pará, as abelhas nativas sem ferrão são as mais eficientes na polinização do açaizeiro. No entanto, a falta de um mercado estabelecido para fornecer colmeias de abelhas sem ferrão tem dificultado o acesso a muitos agricultores interessados na polinização dirigida. “Em algumas localidades, uma colmeia de abelha sem ferrão pode custar até 600 reais”, exemplifica Santiago.

Dessa maneira, muitos produtores de açaí têm optado por criar abelhas da espécie Apis mellifera, popularmente conhecidas como africanizadas, um híbrido resultante do cruzamento entre raças europeias e africanas. Embora sejam maiores que as nativas, o que pode ser uma desvantagem no contato com as flores menores do açaí, as abelhas africanizadas têm um raio de ação maior, alcançando até 1.500 metros, o que favorece sua colocação nas bordas dos cultivos.

Ainda não há dados científicos que comprovem a eficácia da polinização dirigida com abelhas africanizadas na cultura do açaí, sendo esta uma percepção ainda informal entre os produtores. “Os resultados da caracterização do mel de açaí demonstram que estudos adicionais são necessários para investigar o impacto das abelhas Apis mellifera nessa cultura. A identificação científica desse impacto proporcionará um conhecimento mais específico para o manejo dessas abelhas no trópico úmido”, afirma Santiago.

Em 2023, o Brasil produziu 64 mil toneladas de mel, das quais a região amazônica representou aproximadamente 2%, com o Pará contribuindo com 1,5%. Segundo o pesquisador, a apicultura no estado possui grande potencial de expansão e atualmente envolve cerca de 3 mil famílias. “Dado que o açaí se tornou um produto reconhecido internacionalmente, é possível que seus derivados contribuam para o fortalecimento da apicultura na região”, conclui.

Artigo Resulta de Pesquisa Integrada sobre a Biodiversidade da Região

O estudo das propriedades do mel de açaí é fruto da colaboração entre a Embrapa Amazônia Oriental, produtores locais e instituições acadêmicas. No Centro de Valorização de Compostos Bioativos da Amazônia, vinculado ao Parque de Ciência e Tecnologia Guamá e à UFPA, alunos e professores investigam novas possibilidades de produtos a partir da biodiversidade regional, enquanto os agricultores aprendem sobre o manejo de abelhas nativas e africanizadas e sua relação com a polinização dos cultivos.

“Nessa parceria, contribuímos para formar profissionais que desenvolvam novos produtos que fortaleçam a apicultura e a meliponicultura na região”, afirma Daniel Santiago. A primeira autora do artigo, a mestranda em Biotecnologia Sara Ferreira, integra o grupo de pesquisa desde sua graduação, quando começou a analisar o mel de açaí sob a orientação do professor Nilton Muto. “No campo, aprendi sobre a produção do mel pelas abelhas e a importância do néctar floral, o que mudou minha visão sobre o trabalho de análise em laboratório”, relata.

Para Ferreira, a descoberta de uma ampla variedade de compostos bioativos no mel de açaí abre possibilidades para a produção de ciência baseada na biodiversidade amazônica. “É um ponto de partida para futuras pesquisas sobre aplicações em novos produtos”, conclui.

O artigo conta ainda com a participação dos pesquisadores Jéssica Lyssa Araújo, Marly Souza Franco, Camilla Mariane Moura de Souza, Daniel Santiago Pereira, Cláudia Quintino da Rocha, Hervé Rogez e Nilton Akio Muto.

Fonte: Portal do Agronegócio

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