Publicado em: 05/10/2022 às 16:40hs
A utilização de insumos regionais na produção de alimentos e bebidas é uma rota para a valorização gastronômica, cultural e econômica de diversas cadeias produtivas. A cajucultura, por exemplo, vem ganhando destaque em espaços até então pouco explorados, como opção no cardápio de bebidas alcoólicas para bares e restaurantes. O exemplo mais recente vem da Cervejaria Turatti, com sede em Fortaleza (CE), que lançou a Cajunela, uma cerveja estilo weiss que se vale do pedúnculo do caju como matéria-prima.
Alfredo Aghina, mestre cervejeiro da Turatti, está à frente do desenvolvimento de uma Weissbier de caju. Trata-se de um processo de fabricação de cervejas surgido na Alemanha, em que são utilizados malte de trigo, malte de cevada, lúpulo e levedura. Embora sejam de trigo, as cervejas Weiss têm um sabor que se sobressai a esse ingrediente, pois podem ser adicionadas de sabores de maçã, banana, cravos e florais. Além disso, uma característica marcante do produto é o tom claro e opaco, obtido por filtragem.
Alfredo relembra que a ideia de produzir a Weiss de caju surgiu de uma degustação de um coquetel de cachaça e especiarias realizada em um restaurante, em Fortaleza: “Um dia provei um drinque que levava xarope de especiarias, como canela, cravo, e cachaça aqui do Ceará. Eu falei que esse xarope de especiarias cairia muito bem numa Weissbier. Então nós focamos numa fermentação para deixá-la com sabor de cravo e adicionamos canela e uma quantidade absurda de polpa de caju, para ficar como sabor principal, como protagonista”.
O cervejeiro enfatiza outro ponto que o levou a formular a Weiss de caju: a boa qualidade do caju cearense. “Eu já tinha vontade de usar caju numa cerveja há muito tempo, desde que cheguei em Fortaleza. Porque o caju daqui é completamente diferente do que chega no Rio de Janeiro. O caju do Rio não é nada parecido em comparação com o daqui, que é excelente, uma fruta completamente diferente. Foi exatamente essa junção de ter um caju mais fresco, mais gostoso, um fornecedor de polpa excelente e ter tomado esse drinque que me fizeram ter a ideia dessa cerveja”, comenta o mestre-cervejeiro.
É nesse ponto da história que os clones da Embrapa Agroindústria Tropical fazem sua aparição. Disponibilizar insumos de qualidade é um fator importante na agregação de valor ao cultivo do caju. Pensando nisso, a Unidade trabalha no desenvolvimento de clones de cajueiro que oferecem ao mercado consumidor frutos mais resistentes às pragas e doenças, além de características sensoriais e visuais como tamanho, acidez, doçura e suculência do pedúnculo. O CCP 76, principal referência de clone quando o assunto é caju de mesa, é resultado direto dessa demanda do mercado por produtos de alta qualidade.
Segundo Francisco Moura, CEO da empresa Polpa Coração de Mãe, parte da matéria-prima utilizada em sua produção é advinda de produtores locais do município de Horizonte, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). O empresário conta que a localidade é muito suscetível ao aparecimento de fungos e destaca as ações da Embrapa no fornecimento de mudas de cajueiro-anão mais resistentes a essas doenças: “Alguns dos produtores locais ainda têm cajueiros antigos, mas já partiram para a produção de cajueiro-anão. A nossa região dá muito fungo. Esses cajueiros mais novos são, também, mais resistentes, até pelo trabalho que a Embrapa faz de melhorar geneticamente as variedades, deixando-as mais resistentes às pragas e doenças”.
Francisco Moura explica que em sua plantação de 15 hectares, aproximadamente 95% é composta pelo clone CCP 76, desenvolvido pela Embrapa Agroindústria Tropical. O clone é uma das variedades mais cultivadas nas regiões produtoras do Nordeste. Também é o mais utilizado na fabricação de doces e cajuínas, oferecendo polpa de qualidade para o processamento de sucos.
De acordo com Genésio Vasconcelos, chefe de TT da Embrapa Agroindústria Tropical, o papel da Embrapa Agroindústria Tropical, nesse aspecto, é atuar sempre com o olhar para geração de resultados e benefícios em toda a cadeia da cajucultura, desde as tecnologias de produção de campo até as tecnologias de processamento. “A tecnologia de cajueiro-anão é um grande exemplo disso. Para o produtor rural, o cajueiro-anão permite a realização de tratos culturais mais eficientes, com redução do uso de insumos e do custo total de produção, aumento da produtividade, além de safra mais duradoura, quando comparada com o cajueiro comum”, comenta.
Porém, acrescenta Vasconcelos, os benefícios vão além e chegam até o consumidor que tem acesso a um produto mais versátil, com características de cor, aroma e sabor que potencializam o uso em diversos produtos que vão além do tradicional suco. Estas possibilidades agregam valor à matéria-prima e aos novos alimentos, numa relação de ganhos que impacta toda a cadeia produtiva, em graus diversos.
O leque de possibilidades para o uso do caju é amplo: doces, sucos de polpa congelada, cajuínas e proteínas vegetais, como o croquete e o hambúrguer com fibra de caju. Na área de produtos alcoólicos, o fruto ganha cada vez mais espaço. Maurício Flair, bartender e diretor do Instituto Caju Brasil, desenvolve desde 2009 bebidas que aproveitam o caju e seus derivados na formulação de drinques. “O mel de caju é um substituto extremamente eficiente do açúcar tradicional. Um coquetel que reproduzo muito nos meus treinamentos é a Melosca que é basicamente cachaça, suco de limão e mel de caju. Atualmente, estou desenvolvendo pesquisas para fazer vermutes a partir do vinho do caju”, explica.
Segundo Flair, o que despertou o seu interesse no caju foi a ausência de insumos regionais em produtos da coquetelaria. “Por causa de alguns projetos que desenvolvi viajando pelo Sebrae e instituições como a Associação dos Chefes de Cozinha no Ceará, eu comecei a ver que existia um vácuo na utilização de insumos locais como um todo, seja o caju, o café orgânico de Maciço de Baturité ou o reaproveitamento das algas marinhas de Icapuí e Flexeiras”, comenta.
O bartender destaca, ainda, o peso cultural dos insumos regionais, bem como as suas aplicações em bebidas criadas pelos povos indígenas locados no Ceará: “Do ponto de vista cultural, temos as tribos indígenas e grupos originários aqui no estado do Ceará que fazem, por exemplo, o Mocororó, fermentado de caju azedo muito presente em algumas comunidades”.
As bebidas alcoólicas com frutos regionais têm atraído positivamente o público. É o que afirma tanto Maurício Flair quanto Alfredo Aghina. Ao falar sobre a aceitação de produtos alcoólicos com caju, o bartender frisa a importância de educar os clientes ao longo do processo de introdução dessas bebidas, uma vez que esses apresentam um paladar muito específico ao qual o sabor do caju não é considerado peculiar.
O bartender pontua, ainda, o nível de aceitação dos drinques dentro e fora do estado: “Fora do estado, a aceitação é muito maior que dentro do Ceará. Apesar de termos a cultura do caju, não existem muitos insumos no dia a dia dos bares e restaurantes. Mas, fora, em São Paulo e em outras localidades, a aceitação das bebidas e derivados de caju é enorme. Eles conseguem uma aceitação bacana porque é visto como uma coisa diferente, exótica”, explica.
Alfredo Aghina trabalha, também, com outros frutos regionais, como a seriguela. O cervejeiro conta como o público reage aos produtos: “É sempre bem legal a experiência. Em muitas rodas de conversa chegam pra mim e falam ‘quando que vai sair de novo aquela de siriguela? E aquela de Tangerina?’”. Por fim, o mestre-cervejeiro ressalta a importância de trabalhar com cervejas frescas quando essas são de frutas frescas, estabelecendo assim uma sazonalidade do processo de fabricação desses produtos.
Fonte: Embrapa Agroindústria Tropical
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