Publicado em: 16/04/2024 às 13:30hs
Arroz que pode ser cultivado em solo salino. Sorgo que utiliza a água de forma mais eficiente em climas mais quentes. Variedades de plantas com resistência a fungos. Estas são apenas algumas das culturas que os cientistas estão sendo melhoradas com o auxílio da edição genética, uma técnica demonstrada pela primeira vez há apenas 12 anos (bit.ly/3NRKAwq).
Embora esta tecnologia já tenha feito progressos notáveis na medicina, a sua capacidade de revolucionar a alimentação e a agricultura não é menos profunda. Particularmente, os cientistas apostam nela para encontrar soluções para convivência com as profundas mudanças climáticas em curso. Condições climáticas extremas ameaçam colheitas em todo o mundo. À medida que o planeta aquece, a edição genética é uma das nossas maiores esperanças para o desenvolvimento de culturas resilientes que permitam a adaptação.
O primeiro alimento resultante de edição gênica a ingressar no mercado foi o tomate Sicilian Rouge, produzido no Japão (bit.ly/3H4pWpl). Os EUA estão entre os países de mente mais aberta às novas técnicas genômicas. Em 2023 foi lançado um produto denominado Conscious Greene, editado por CRISPR (bit.ly/3vpeTEw). É uma mistura para salada com a densidade nutricional das folhas verdes escuras, editada para ter o sabor suave da alface romana.
Há outros exemplos. Uma grande multinacional está desenvolvendo um ambicioso programa chamado CoverCress (bit.ly/41L2TsV), que consiste em oleaginosas de inverno com baixo consumo de insumos, com alto potencial para armazenar carbono no solo, aumentando o conteúdo de matéria orgânica e contribuindo para microbiomas benéficos. Delas pode ser extraído óleo para produção de bicombustíveis, incluindo SAF. Também está a investindo no desenvolvimento de genótipos com resistência à ferrugem asiática da soja, reduzindo o uso de fungicidas (bit.ly/3S9AiKY).
Com a expectativa de que a população atinja os 10 bilhões até 2050, a segurança alimentar foi um dos destaques da COP28, e os benefícios da edição genética foram parte dessa conversa. A edição genética reduz - de décadas para meses - o tempo necessário para obter novas variedades com características desejáveis. Isso porque permite que os cientistas façam alterações precisas numa área específica do genoma da cultura, para que a mesma possa expressar uma característica desejada.
Para que a Humanidade possa obter o máximo benefício da edição gênica, são necessários regulamentos e respaldo social. Por exemplo, na Europa, OGMs ainda geram algumas restrições de parte da sociedade civil, refletida na legislação do bloco, embora os estudos demonstrem consistentemente a segurança dos alimentos já existentes no mercado, alguns há mais de três décadas. Ainda há um debate em curso sobre considerar ou não uma variedade obtida por edição gênica como OGM, embora a esmagadora maioria dos especialistas não a considere como tal, visto que não houve introdução de material genético exótico – apenas edição do próprio material genético da planta.
As alterações climáticas estão atingindo duramente a Europa. Em 2023, a UE anunciou uma proposta para permitir a edição genética nas culturas, reconhecendo a importância do método para a adaptação às alterações climáticas o mais rapidamente possível. O mesmo ocorre em diversos países da África. Se aprovadas, a Europa e os países africanos igualar-se-iam aos EUA, Canadá, China, Argentina e Brasil, que possuem regulamentos específicos para a edição gênica.
Tal como os sistemas regulamentares muitas vezes ficam atrás da Ciência, as atitudes dos consumidores também não acompanham totalmente o desenvolvimento científico acelerado, característico do século XXI.
A hesitação que ainda persiste em relação aos OGMs – os organismos geneticamente modificados - é parcialmente fundada no desconhecimento científico da população: 36% dos consumidores dos EUA dizem que sabem nada ou muito pouco sobre OGM e, apesar do seu baixo nível de conhecimento, 47% dizem que evitam os alimentos OGM.
Na verdade, não há qualquer prova cientificamente fundamentada de que a ingestão de alimentos geneticamente modificados provoque efeitos adversos à saúde. No entanto, o estigma persiste: algumas pessoas temem que os alimentos geneticamente modificados não sejam naturais e, portanto, não sejam saudáveis, o que é uma falácia. Muitas coisas que são naturais são perigosas, como a radiação ou o arsênico, enquanto as culturas OGM são 99,99% idênticas em composição aos originais e passam por rigorosos testes de segurança antes de serem aprovados para comercialização.
Globalmente, a edição genética é uma ferramenta crítica para o futuro mediato. Junto com outras tecnologias modernas, faz parte do arsenal de que disporá a Humanidade para, por um lado, reduzir as emissões de gases de efeito estufa e, por outro, mitigar os efeitos das mudanças climáticas sobre a oferta de produtos agrícolas, mormente alimentos. Para que isto ocorra, há necessidade de maior conhecimento da segurança das inovações científicas por parte da população, e de regulamentos consentâneos em todos os países e blocos do mundo.
Por Décio Luiz Gazzoni, Por Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa e membro do Conselho Científico Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciências
Fonte: CCAS
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