Publicado em: 02/02/2021 às 15:20hs
Pequenos reservatórios de água ou barragens desempenham um papel fundamental no desenvolvimento agrícola da região do Cerrado brasileiro, contribuindo para garantir a disponibilidade hídrica durante períodos de escassez. No entanto, o impacto causado por essas estruturas no sistema hídrico precisa ser mais bem quantificado e considerado nos planos de recursos hídricos.
As implicações de mudanças climáticas no ciclo hidrológico podem tornar necessárias alterações nas atuais políticas de gerenciamento de recursos hídricos. Nesse contexto, merecem atenção especial os pequenos reservatórios de armazenamento de água, que são estruturas importantes para adaptação às mudanças climáticas.
Nas últimas décadas, centenas de pequenos reservatórios foram construídos no Cerrado com a finalidade de armazenar água nos períodos de chuva e disponibilizá-la localmente para usos domésticos e agropecuários no período de estiagem. Para regiões como a bacia do Rio Preto, responsável por cerca de 80% de toda a produção agrícola do Distrito Federal, os reservatórios apresentam papel fundamental no fornecimento seguro e contínuo de água, principalmente para fins de irrigação.
As alterações esperadas em variáveis climáticas como precipitação (chuvas) e temperatura poderão resultar em mudanças no regime hidrológico e, consequentemente, na forma como os reservatórios devem ser manejados. Embora diversos trabalhos científicos relatem os potenciais impactos das mudanças climáticas na operação de grandes reservatórios, estudos em pequenos reservatórios ainda são escassos e praticamente inexistentes para a região do Cerrado.
Apesar da relevância estratégica dessas estruturas, os impactos ambientais causados principalmente por reservatórios mal dimensionados têm dificultado a construção de novas barragens na região. Os problemas de dimensionamento se devem, em sua maior parte, à falta de informação. Portanto, é cada vez mais importante gerar informações que subsidiem a alocação e a construção de novos reservatórios no Cerrado. Para isso, é crucial compreender melhor o comportamento das diferentes variáveis que interferem na dinâmica de água de um pequeno reservatório, especialmente a evaporação.
O levantamento de estimativas de perdas por evaporação é primordial para o desenvolvimento de estratégias e políticas eficientes de gestão de recursos hídricos. Além disso, essas estimativas para áreas rurais remotas, ainda predominantes na região do Cerrado e que contam com poucas informações, são de especial interesse para hidrólogos e meteorologistas.
A evaporação representa uma perda efetiva de água do sistema hidrológico que não deve ser negligenciada, já que é um dos principais constituintes do balanço hídrico de reservatórios sob diferentes regimes climáticos. As perdas afetam diretamente a eficiência de armazenamento do reservatório, o uso produtivo de água, a economia e a qualidade de vida das pessoas. O processo de evaporação se torna ainda mais importante quando se consideram os efeitos de mudanças climáticas, com o aumento da temperatura ameaçando reduzir a disponibilidade hídrica, levando-se em conta especialmente o armazenamento superficial de reservatórios.
Obter estimativas de perdas por evaporação mais precisas é, portanto, essencial. Contudo, a quantificação mais representativa dessa variável para pequenos reservatórios é um grande desafio, uma vez que a variabilidade da temperatura e da pressão de vapor do ar próximo às margens pode diferir consideravelmente das condições internas do reservatório e influenciar a magnitude da evaporação real.
Os efeitos da evaporação são geralmente considerados durante o projeto e gerenciamento de reservatórios, porém há uma grande incerteza associada aos valores atualmente adotados pelos gestores, uma vez que poucos estudos foram conduzidos na região para determinar a magnitude da evaporação. Daí a relevância da obtenção de estimativas mais precisas dessa variável, uma vez que isso afeta o dimensionamento e a operação dos reservatórios.
Diversas pesquisas em diferentes regiões do mundo foram realizadas visando obter estimativas ou aprimorar métodos de estimativas de evaporação de água em reservatórios. No entanto, apesar da importância para o planejamento e a gestão de recursos hídricos, não se tem conhecimento de estudos buscando estimar a evaporação de água em pequenos reservatórios para as condições de Cerrado brasileiro.
Apesar da existência de uma grande diversidade de modelos para estimativa de evaporação, a carência de dados requeridos por alguns desses modelos tem dificultado a utilização em diferentes regiões do Cerrado brasileiro, sendo conveniente avaliar outras técnicas conhecidas pelos profissionais da área de recursos hídricos, como as de aprendizagem de máquina, tais como redes neurais artificiais, máquinas de vetores suporte e árvores de regressão, usadas com sucesso na modelagem de evaporação, mesmo a partir de um número limitado de variáveis.
Em decorrência de questões ambientais e de segurança hídrica e considerando a importância das pequenas barragens para o desenvolvimento econômico da região do Cerrado brasileiro, é crucial que os novos reservatórios sejam alocados, construídos e gerenciados de forma adequada. Assim, é fundamental gerar informações mais representativas da evaporação, o que implica, entre outras ações, avaliar o desempenho de métodos de simulação.
Uma das iniciativas nesse sentido é o estudo desenvolvido pela Embrapa em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV) com os objetivos de avaliar o desempenho de métodos de estimativa da evaporação em pequenos reservatórios na região do Cerrado brasileiro; aprimorar métodos para estimativa da evaporação em pequenos reservatórios de armazenamento de água localizados na região do cerrado brasileiro; e avaliar o impacto das mudanças climáticas na evaporação de água em pequenas reservatórios localizados no Cerrado brasileiro.
Os resultados obtidos indicaram que no início do período seco, logo após um período chuvoso com chuvas acima da média, os pequenos reservatórios da bacia do Rio Preto encontram-se na capacidade máxima de armazenamento, equivalendo a aproximadamente 16,1 milhões de m3. Desprezando-se todas as entradas e saídas de água nos reservatórios, com exceção da evaporação, observou-se que no fim do período seco (30/09), para o período de 1961 a 2005 (período histórico), a disponibilidade de água armazenada nos reservatórios representava 65,2% da capacidade total de armazenamento. Fazendo-se a mesma análise para o período de 2007 a 2040, considerando um cenário de emissão de gases otimista, a disponibilidade nesses reservatórios foi estimada em 63,3%, e em 62,7% num cenário pessimista.
Com base nesse resultado e considerando um reservatório com volume igual a 60.000 m3 e área de espelho de água igual a 6 hectares, se levarmos em conta a situação no período de 2007 a 2040, em um cenário otimista, a evaporação provável a 60% de probabilidade, para o mês de maio, seria igual a 3,44 mm/dia, o que representaria um volume evaporado de 206,4 m3. Caso o espelho de água desse reservatório fosse igual a 4 hectares, o volume evaporado seria 137,6 m3, ou seja, 33% menor.
Ainda considerando um reservatório de 6 hectares de espelho de água e o mesmo mês, período e probabilidade, mas agora num cenário pessimista, espera-se uma evaporação de 3,55 mm/dia, equivalente a um volume de 213,0 m3. Já para o período de 2071 a 2100, a evaporação provável a 60% de probabilidade equivalerá a 208,8 m3, para o cenário otimista, e 228,6 m3, no pessimista.
Esses resultados reforçam a importância da correta escolha do local para a construção de novos reservatórios. Essa decisão terá impacto diretamente na viabilidade do reservatório em armazenar água, sendo decisivo na gestão dessas estruturas. O local onde o reservatório é instalado tem influência direta na relação entre o tamanho do espelho de água e a capacidade total de armazenamento de água do reservatório, que influenciam na quantidade de água evaporada.
Mais informações sobre o estudo da Embrapa e da UFV podem ser obtidas nos seguintes artigos científicos:
Lineu Neiva Rodrigues, pesquisador da Embrapa Cerrados
Daniel Althoff, bolsista de pós-graduação da Universidade Federal de Viçosa
Link para o artigo original: https://bit.ly/3cp5uRQ
Fonte: Embrapa Cerrados
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