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Aos 40 anos, Embrapa busca manter relevância após transformar cerrado

Elogiada por seu papel na transformação do Brasil numa potência agropecuária nas últimas décadas, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) completa 40 anos em abril, com uma agenda muito mais abrangente do que em sua origem, e o desafio de se manter relevante num ambiente cada vez mais competitivo e sujeito a revoluções tecnológicas


Publicado em: 05/02/2013 às 12:40hs

Aos 40 anos, Embrapa busca manter relevância após transformar cerrado

Ao se tornar no governo Luiz Inácio Lula da Silva peça importante da busca do país por maior projeção global, a estatal ganhou atribuições diplomáticas e passou a ter como missão, além de gerar conhecimento, compartilhar sua expertise com nações subdesenvolvidas, principalmente na África.

Enquanto se lançava em novas frentes no exterior, a Embrapa viu seu orçamento crescer (em 2012, chegou a R$ 2,1 bilhões) e ampliou sua atuação também no Brasil. A empresa conta hoje com 9.812 funcionários, entre os quais 2.389 pesquisadores – desses, 81% têm doutorado ou pós-doutorado, dado que a torna uma das estatais com maior proporção de profissionais altamente qualificados.

A companhia também tem expandido seus campos de pesquisa: áreas em que atua há longa data – como melhoramento genético de grãos, hortaliças e gado – hoje convivem com estudos em nanotecnologia, pesca, tecnologia da informação e vinicultura.

A transformação em curso na empresa, no entanto, preocupa especialistas. Eles temem que, diante de tantas novas missões, a Embrapa negligencie questões prioritárias e não consiga acompanhar o ritmo das inovações tecnológicas no setor privado.

Transformação do cerrado – Pesquisadores ouvidos pela BBC Brasil unanimemente apontam como maior conquista da Embrapa a criação de tecnologias para corrigir a acidez do solo do cerrado brasileiro e a adaptação à região de plantas oriundas de outros biomas.

Antes das descobertas, até os anos 1970, o bioma era irrelevante para o agronegócio nacional. Hoje, segundo a estatal, responde hoje por 48,5% da produção do país.

Para o professor José Vicente Caixeta Filho, diretor da Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), desde então os feitos da empresa ficaram aquém das expectativas. “Esperava-se que as contribuições da Embrapa continuassem, no mínimo, no mesmo nível dos seus primórdios, o que de fato não ocorreu.”

Segundo o professor, a internacionalização da empresa pode afastá-la de tarefas mais urgentes. “Talvez esse passo tenha sido um pouco acelerado em alguns países, sem tempo para reflexão.”

Em outubro de 2012, críticas internas à forma como a internacionalização da Embrapa estava sendo conduzida foram apontadas como a principal razão para que o então presidente da companhia, Pedro Arraes, pedisse demissão.

Para Caixeta, os esforços da empresa no exterior deveriam se voltar à consolidação de centros remotos da companhia no Brasil. “Temos muita lição de casa doméstica: é importante incrementar a pesquisa em outros biomas.”

Ele cita, entre os campos de estudo que mereceriam mais atenção da empresa, as florestas tropicais. Pesquisas nessa área, segundo o professor, permitiriam viabilizar a produção sustentável, por exemplo, de frutas típicas da Amazônia, que poderiam ganhar mercados no Brasil e no exterior.

Revisão da estratégia – Segundo o presidente da Embrapa, Maurício Antônio Lopes, a internacionalização da Embrapa “não tira o foco da empresa às assimetrias no Brasil”. Ainda assim, ele diz que a estatal está revendo sua estratégia na África. “Não faz sentido a Embrapa dispersar sua ação num grande número de países, fragmentando recursos que são sempre escassos.”

Hoje, a empresa atua em 22 nações africanas, além de manter programas em países latino-americanos, caribenhos e em Timor Leste.

Para o ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Roberto Rodrigues, a atuação externa da Embrapa não será um problema “desde que os recursos para esse tema não sejam maiores do que para desenvolvimento tecnológico interno”.

Ele defende que a Embrapa priorize, em suas pesquisas, a busca por novos fertilizantes. Segundo Rodrigues, o Brasil hoje importa quase 80% de alguns tipos de fertilizantes, cruciais para o aumento da produtividade das lavouras. “É um dado dramático.”

O ex-ministro diz ainda que a Embrapa tem competido no mercado em condições desvantajosas: enquanto a estatal vende aos produtores nacionais apenas novas variedades de plantas ou vantagens tecnológicas, multinacionais oferecem, além desses itens, crédito, máquinas, assistência técnica, fertilizantes, pesticidas e, em alguns casos, até compram a produção.

Rodrigues defende que, para fazer frente ao cenário, a Embrapa se associe a cooperativas, que também oferecem o pacote tecnológico e compram a produção dos cooperados.

Transgênicos – O reitor da Universidade Federal de Goiás e presidente da Ridesa (Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroalcoleiro), Edward Madureira, também considera que a Embrapa não tem conseguido competir com companhias privadas em alguns setores. “Hoje o setor privado tomou conta e tem o protagonismo no desenvolvimento de transgênicos para as principais culturas.”

Maurício Antônio Lopes, presidente da Embrapa, reconhece que a empresa perdeu espaço no mercado de variedades de milho, soja e algodão, mas diz se tratar de processo natural. Segundo ele, “não faz nenhum sentido fazer investimento de recursos públicos para competir com empresas que são eficientes e estão provendo inovações para o mercado.”

Lopes afirma que a empresa está intensificando o trabalho de melhoramento genético em espécies em que o setor privado dificilmente investirá e que a Embrapa terá melhores condições de competir no mercado caso o Congresso aprove a criação de uma subsidiária da empresa voltada para negócios, proposta atualmente em tramitação.

Para Helena Nader, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), o maior desafio da Embrapa será renovar seu quadro, à medida que os pesquisadores que a moldaram se aposentam.

Ela lembra que, em seu início, a companhia enviou aos Estados Unidos e Europa grande número de pesquisadores, para que fizessem mestrado e doutorado nas melhores universidades do ramo. Após a volta, diz ela, e com o auxílio de outros institutos de pesquisa, esses profissionais “criaram a agricultura dos trópicos”.

“Espero que os novos pesquisadores entrem com o mesmo espírito daqueles primeiros.”