Publicado em: 08/12/2009 às 16:10hs
Quem entra na planície de Gize, da de cara com um dos monumentos mais enigmáticos do antigo Egito, a Esfinge de Gizé. Segundo a lenda, a Esfinge desafiava a todos os viajantes dizendo: decifra-me ou te devoro! Assim, ela ameaçava aos que dela se aproximavam informando que somente aqueles capazes de decifrar seus mistérios sobreviveriam.
A imagem e a mensagem da Esfinge muito se adequam a situação que vivemos hoje no Brasil no que diz respeito a transferência de tecnologia e inovação. Alguns países, não por coincidência os mais desenvolvidos, já conseguiram construir a “ponte” que leva o conhecimento científico ao desenvolvimento econômico e social. No Brasil, estamos na fase de construção dessa estrada.
Recentemente, tive a oportunidade de fazer um treinamento de seis meses na Universidade do Porto (Portugal) na área de transferência de tecnologia e gestão da inovação.
Até chegar a Universidade portuguesa, observei pela internet algumas instituições européias que atuavam em transferência de tecnologia e gestão da inovação. Os países escolhidos foram a França, a Itália, a Espanha e Portugal devido ao forte apelo cultural com o Brasil e por serem países aonde as pequenas empresas são fortes e atuantes, especialmente as do setor em que atuo, o agropecuário. E também, por acreditar que os procedimentos de transferência de tecnologia e gestão de inovação adotados por esses países seriam mais fáceis de serem adequados à realidade brasileira.
Na França encontrei os Centros Regionais de Inovação e Transferência de Tecnologia - CRITTs. Esses Centros atuam no tema agroalimentar e praticamente não fazem pesquisa como as Universidades e Centros Científicos. Esses institutos concentram seus esforços na transferência de tecnologia. Eles se articulam nacionalmente com Universidades, centros de pesquisas e centros técnicos e com especialistas, mas atuam somente nas regiões onde estão sediados. Assim, eles são como “rubs” que concentram toda a articulação de conhecimento nacional na busca de soluções para problemas regionais. Esse tipo de estrutura, existe também na Sicília (Itália), porém, diferentemente dos da França, o CRITT italiano estende suas atividades de transferência de tecnologia e apoio tecnológico até a Tunísia.
A Espanha possui uma dinâmica intensa em transferência de tecnologia e gestão de inovação. São várias as instituições voltadas para esta atividade. Uma que me chamou a atenção foi a rede dos escritórios de transferência de tecnologia dos resultados de pesquisa gerados nas universidades espanholas – RedOTRI.
A RedOTRI foi criada em 1997 para promover a imagem das universidades espanholas como um dos principais instâncias de desenvolvimento socioeconômico e modernização empresarial. É uma rede que agrega os escritórios de transferência das universidades às OTRIS. As OTRIS são como os Núcleos de Transferência de Tecnologias - NITs das universidades brasileiras, e a RedOTRI a confederação deles.
Um dos grandes méritos desse organização e a busca da profissionalização do pessoal lotado nas OTRIs e a organização em rede para a resolução de problemas e incentivo a inovação nas indústrias espanholas.
Em Portugal, a Universidade do Porto, maior Universidade daquele país, está construindo um sistema voltado para transferir os conhecimentos disponíveis na Universidade e para promover o empreendedorismo inovador no norte de Portugal. Esta estrutura se apóia em três pilares: na Universidade que gera novos conhecimentos através de suas pesquisas e forma pessoal; no Mestrado em Inovação Empreendedorismo Tecnológico (MIETE) e no Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto – UPTEC.
Até 2004, as atividades de transferência de tecnologia eram realizadas de forma dispersa pelas faculdades e institutos que compõem o complexo da Universidade. Desde então, foi criado um escritório exclusivo para fazer a gestão da inovação e articular a transferência de tecnologia na Universidade, chamado Universidade do Porto Inovação (UPIN).
O UPIN passou a ser a principal instância da Universidade destacando-se neste conjunto com um articulador eficaz entre os interesses da Universidade e a iniciativa privada.
O interessante desse sistema é a maneira que essas instituições se articulam para promover o empreendedorismo e o desenvolvimento econômico da região: a Universidade forma pessoal e desenvolve pesquisa e conhecimentos. O curso de mestrado em empreendedorismo treina e seleciona os alunos graduados que possuem maior potencial para tornarem-se empreendedores.
Durante o curso são utilizadas como estudo de caso as tecnologias ou projetos desenvolvidos e disponíveis na Universidade. Os alunos que decidirem iniciar seus próprios negócios terão o apoio do UPIN nas articulações com parceiros externos, na orientação da busca de financiamento, nas questões relacionadas a propriedade intelectual e serão abrigados pela incubadora de empresas do parque tecnológico (UPTEC).
O UPETC atua em três segmentos: engenharia e biotecnologia; indústrias criativas (multimídia e design gráfico) e o Pólo do Mar, voltado para as atividades de pesca e processamento de pescado. Os dois últimos segmentos ainda estão em fase de estruturação mas já possuem sede física e pessoal.
Por ser uma estrutura criada recentemente, esse sistema ainda tem muito que amadurecer, especialmente nas relações entre si e com o setor privado, mas não há como negar que esse conjunto de instituições, atividades, objetivos e pessoas constituem um importante e diferenciado conceito de promoção de transferência de tecnologia, empreendedorismo e inovação.
No Brasil, hoje estamos muito melhor do que antes, a cada momento presenciamos mudanças e ações para estimular a conjunção entre a academia e a iniciativa privada para que o país aproveite melhor a criatividade de seus pesquisadores transformando-a em inovações.
Sou capaz arriscar a dizer que a questão da transferência de tecnologia e inovação é também afetada pelas diferentes realidades e contrastes que existem no nosso país, situação que não é tão presente nos países citados acima, mas isso é parte da discussão para nos ajudar a decifrar o enigma da esfinge da transferência de tecnologia no Brasil.
Marcos Luiz Leal Maia (mmaia@ctaa.embrapa.br), Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos
Fonte: Embrapa Agroindústria de Alimentos
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