Publicado em: 08/03/2024 às 08:00hs
Em relatório do Ministério da Educação e Pesquisa da Alemanha, de 2013, foi cunhado o termo Indústria 4.0, visando a estabelecer direcionamentos para a indústria alemã em um mundo inteligente e conectado (Kagermann et al., 2013; Albiero et al., 2020). A principal característica da Indústria 4.0 é a integração entre os mundos físico, digital e biológico, com base em tecnologias como a Internet das Coisas (IoT), biologia sintética, sistemas cyber-físicos, engenharia end-to-end e Inteligência Artificial (AI). Tais tecnologias foram adotadas de forma extensiva a partir dos anos 2000 e passaram a servir de base para as tomadas de decisão em diversos setores, dentre os quais o da agricultura. De forma análoga à Indústria 4.0, portanto, originou-se o termo Agricultura 4.0, também conhecida como Agricultura Digital ou Smart Farms (Albiero et al., 2020).
Desde a Revolução Agrícola, por volta de 10.000 a.C., a agricultura tem passado por uma série de mudanças significativas, culminando na Agricultura 4.0 (Albiero et al., 2020; Huang et al., 2017; Ragazou et al., 2022). As tecnologias digitais têm revolucionado essa atividade e são, portanto, o propulsor da Agricultura 4.0, sobretudo por meio de elementos como a Internet das Coisas, Big Data, Conectividade ubíqua e Inteligência Artificial, capazes de otimizar as formas de produção no meio rural (Albiero et al., 2020). Entretanto, mesmo a inovadora Agricultura 4.0 é um fenômeno que está em transição.
Na Agricultura 4.0, as tecnologias e práticas são orientadas à melhoria de resultados produtivos e econômicos, distribuídos entre os atores envolvidos na cadeia (Ragazou et al., 2022). A agricultura de precisão, os sistemas de gerenciamento de informação e a robótica e automação agrícola, por exemplo, têm entre seus objetivos a minimização do uso de recursos aos níveis estritamente necessários, o mapeamento e gerenciamento de áreas de produção e dos cultivos e a parametrização de rotas de máquinas para redução do tempo de colheita e consumo de combustíveis. Essas medidas fazem parte de uma estratégia de redução de custos ao produtor e, sobretudo, de aumento da produtividade (Ragazou et al., 2022; Horlings e Marsden, 2011).
Entretanto, os desafios e demandas globais para a agricultura têm se intensificado e ganhado complexidade, não se restringindo apenas aos aspectos produtivos e econômicos. A agricultura será responsável por alimentar uma população que alcançará 9 bilhões de pessoas até 2050 (Horlings e Marsden, 2011) e deve cumprir essa tarefa de forma socialmente responsável e ambientalmente sustentável. Entretanto, a atividade é responsável por cerca de 20% a 30% das emissões de gases do efeito estufa e pela maior parte do consumo de água no mundo (Fraser e Campbell, 2019; Godfray et al., 2010). Antibióticos e defensivos usados em larga escala podem ter como consequência o surgimento de bactérias e pragas mais resistentes, bem como a poluição de rios e lençóis freáticos, prejudicando a biodiversidade. Além disso, o desperdício ao longo do sistema alimentar, que gira em torno de 30% do total produzido (Fraser e Campbell, 2019; Godfray et al., 2010), é um problema importante a ser resolvido.
Portanto, a agricultura precisará aumentar expressivamente sua produção e produtividade, bem como reduzir os níveis de desperdício (Fraser & Campbell, 2019; Horlings e Marsden, 2011), minimizando os efeitos antrópicos na natureza, a degradação do meio ambiente e dos ecossistemas e garantindo condições dignas de trabalho e subsistência aos produtores rurais (Horlings e Marsden, 2011). Esses devem ser os direcionadores da agricultura moderna.
É nesse contexto que tem se desenvolvido uma nova fase da revolução agrícola, denominada Agricultura 5.0. Por se tratar de um fenômeno em construção, o conceito de Agricultura 5.0 ainda não possui uma definição precisa, mas também deriva do conceito de Indústria 5.0, estabelecido pela Comissão Europeia em 2021 em resposta às tendências como o rápido crescimento populacional, mudanças climáticas, redução da área destinada à agropecuária e esgotamento de recursos naturais. Esse novo paradigma é caracterizado pelo desenvolvimento, difusão e direcionamento da tecnologia para o alcance dos objetivos produtivos e econômicos, mas contribuindo para a melhoria dos cenários climático, ambiental e social, de forma integrada. Logo, trata-se de um conceito que abrange novas questões, como a mudança nos hábitos de consumo alimentar, sequestro de carbono, biodiversidade, acesso às tecnologias e o uso de energias limpas e renováveis. O Quadro 1 apresenta uma comparação entre as principais características da agricultura ao longo de sua evolução.
Quadro 1 – Evolução da Agricultura e suas características
São muitas as transformações na agricultura e elas tendem a se intensificar com o passar dos anos para superar novos desafios. Particularmente no Brasil, por conta de sua dimensão continental, diversidade de climas, solos e relevos, disparidades sociais e heterogeneidade produtiva, coexistem agricultores nas diversas fases da evolução da agricultura, desde aqueles utilizando máquinas autônomas, sensoriamento remoto, agricultura de precisão e práticas sustentáveis de produção, até aqueles que permanecem adotando o uso de força e trabalho animal, técnicas produtivas rudimentares e sem acesso às tecnologias. Dessa forma, a redução dessas disparidades e a adaptação de tecnologias eficientes e eficazes aos mais diversos contextos de produção e perfis de produtor constituem o principal desafio a ser superado, mas representa também um grande potencial de avanço para a agricultura brasileira. A Figura 1 apresenta o Índice de Modernização Agropecuária para as microrregiões brasileiras em 2006 e 2017, demonstrando as disparidades regionais e a evolução temporal.
Figura 1 – Índice de Modernização Agropecuária das microrregiões brasileiras (2006 e 2017)
Fonte: elaborado pelo autor com base em Silva e Lisbisnki (2023)
As regiões de agricultura mais moderna continuam sendo representadas pelo Centro-Sul brasileiro, embora tenham ocorrido avanços em regiões que fazem parte das novas fronteiras agropecuárias entre 2006 e 2017. Ainda assim, partes expressivas do Norte e Nordeste carecem das mesmas estruturas e oportunidades presentes nas demais regiões para que possam atingir seu pleno potencial. Para isso, algumas tendências precisam fazer parte da vida de produtores, consumidores e governos ao longo dos próximos anos no Brasil e no mundo:
Na Agricultura 5.0, as tecnologias são o meio e não a finalidade, e os objetivos centrais abrangem os aspectos econômicos de forma integrada aos sociais, ambientais e climáticos. Assim, a tecnologia desenvolvida e orientada a esses objetivos pode ajudar a superar vários dos desafios previstos para a agricultura e a humanidade no futuro próximo. No Brasil, em particular, o avanço tecnológico deve vir acompanhado de difusão e acesso democrático aos produtores, de forma a reduzir as disparidades econômicas e produtivas, tanto regionais quanto sociais.
Rodrigo Peixoto da Silva - Pesquisador da área de Macroeconomia do Cepea
Fonte: CEPEA
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