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Dilma precisa de coragem para colocar em prática o que fala, diz Carlos Lessa

Ela tem boas ideias, porém "não tem coragem de pô-las em prática", afirma o ex-professor da presidente


Publicado em: 15/01/2013 às 15:20hs

Dilma precisa de coragem para colocar em prática o que fala, diz Carlos Lessa

A presidente Dilma Rousseff é desenvolvimentista, mas continua fazendo uma política de estabilização. Ela tem boas ideias, porém "não tem coragem de pô-las em prática". O diagnóstico é de Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa, ex-professor de Dilma na Unicamp na disciplina de economia brasileira.

Ex-presidente do BNDES (governo Lula), Lessa, 76, afirma que a desnacionalização explica em parte o baixo crescimento brasileiro. Defende medidas de longo prazo e a ampliação do investimento público.

Ex-reitor da UFRJ, ele dá nota 9 para o discurso da presidente e 6 ou 5 para a sua prática. Eleitor de Serra, de quem foi padrinho de casamento, Lessa ataca a privatização no setor de energia e o modelo adotado a partir dos anos 1990. A seguir, os principais pontos da entrevista.

MODELO BRASILEIRO


A grande pergunta que não é colocada é: para onde nós vamos? Se tivermos mobilização nacional, um entendimento claro de qual é o projeto nacional e coerência dos diversos personagens em relação a isso, a possibilidade de construí-lo aumenta enormemente. Na minha visão, o Brasil continua apostando na ideia da globalização, apesar da crise mundial dessa globalização. Isso significa fazer um tipo de política que está a serviço das diretivas gerais e não das especificidades de cada país.

DESNACIONALIZAÇÃO


A desnacionalização trouxe uma porção de defeitos. O mais elementar é que ela confirma cada vez mais a dependência de suprimentos do exterior e a necessidade de investir voltado para fora. Se se depende de suprimentos do exterior, se depende de exportar frango, açúcar, café, minério de ferro etc. O país fica cada vez mais amarrado à opção de globalização, amarrado para ser um componente da periferia mundial. Os países do centro desenvolvem atividades voltadas para o mercado interno, com tecnologia própria e tecnologia de ponta. Quando há desnacionalização, o país passa a ser apenas um comprador de tecnologia, na melhor das hipóteses.

BAIXO CRESCIMENTO

A desnacionalização explica muitas coisas. E o setor público não investe com clareza para apontar para onde o Brasil irá. Na verdade, o setor público continua prisioneiro do acordo de Washington. Continua usando o modelo de metas da inflação, apesar de os europeus já estarem abandonando esse modelo. O Brasil continua fazendo uma política que prioritariamente é de estabilização, não de desenvolvimento. Mas faz um discurso a favor do desenvolvimento.

DESENVOLVIMENTISTA

Foi minha aluna, é inteligente, gosto como pessoa. Tem ideias, em princípio, boas. Ela não tem coragem de pô-las em prática. Faz o enunciado, mas não o coloca em prática. Não gosto de dar nota. Mas, em relação às coisas que ela sugere, daria nota 9. Para o que ela faz dou nota 6 ou 5.

Ela diz que é necessário abaixar a taxa de juros. Concordo integralmente. Então é preciso fazer uma política consistente para baixar para valer. Teria que mexer na taxa de juros do BC, na dívida púbica, tornar cada vez mais difícil haver essa corrida em cima dos títulos de divida pública. Tinha que lançar a proposta de imposto de exportação para poder voltar a desvalorizar o câmbio para valer. Elevar o dólar de R$ 2 para R$ 3. É muito? Note que, no Planalto, a borrachinha de apagar e o lápis ambos são chineses.

INVESTIMENTO PÚBLICO

O investimento público sofre limitações terríveis. Eu apostava que a economia do petróleo ia ajudar o Brasil encontrar uma frente de expansão. Não encontrou. Ao contrário, o que vejo é um discurso cada vez mais duvidoso em relação à Petrobras.

PETROBRAS

Vejo a Petrobras vendendo refinarias no exterior, dizendo que está perdendo dinheiro com gasolina, que está perdendo dinheiro com gás de cozinha. Isso faz os empresários brasileiros duvidarem de que a Petrobras toque para frente o seu programa. Aí, se a Petrobras não vai, sou eu, dono da lanchonete da esquina, que vai apostar no crescimento brasileiro? Quem está apostando para valer no crescimento brasileiro? Hoje eu diria: ninguém. Há um ano eu diria que era o pessoal do petróleo com o Pré-Sal. Essa senhora que preside a Petrobras está mostrando uma vulnerabilidade terrível.

ENERGIA

O Brasil há 25 ou 30 anos atrás vinha construindo uma estrutura energética que era a melhor do planeta, que quase não dependia de petróleo, carvão, gás. Era basicamente elétrica e mais de 80% gerada por hidroeletricidade. Veio uma coisa surrealista: foi reduzido espetacularmente o peso da energia elétrica dentro da matriz. Começa com Collor, avança com Fernando Henrique e é absolutamente confirmada nos governos Lula e Dilma. Para mim, é ininteligível. Tínhamos um dos melhores sistemas de eletricidade do planeta e o domínio completo da construção de usinas hidrelétricas e redes. Foi tudo desmantelado.

 PRIVATIZAÇÃO 

No caso da energia elétrica, [a privatização] é um desastre de proporções colossais. O Brasil tinha um dos mais baixos custos de energia elétrica do planeta. Adotou-se o preço de energia pela energia mais cara que está sendo produzida. No Brasil há uma quantidade enorme de usinas que estão praticamente amortizadas. Seria possível ter uma tarifa elétrica espetacularmente baixa. Fizeram no Brasil uma coisa surrealista. O governo está exaltando que construiu as térmicas e que elas eliminam a vulnerabilidade. Mas as térmicas empurraram para cima de uma maneira espetacular o preço da energia elétrica.

 COMPETITIVIDADE 

Diversos setores exportadores tradicionais que são eletrointensivos e que tinham vantagem de ter suprimento de energia elétrica baratíssimo perderam vantagem. O Brasil fez com que a indústria perdesse competitividade. Hoje o Brasil depende da termoeletricidade e perdeu a vantagem estratégica de uma matriz energética que era espetacular e não refez nada. Colocou no lugar um consumo crescente de energia elétrica não renovável. Foi um erro do ponto de vista de balanço energético brutal. Um erro estratégico que afeta o futuro brasileiro.

Fonte: Folha de São Paulo

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