Publicado em: 29/05/2015 às 00:00hs
Kátia Abreu: Ministra da Agricultura
Por: Márcia Bizzotto - BBC Brasil
A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, negou nesta quarta-feira que o setor esteja contribuindo para a crise hídrica no Brasil e voltou a defender a duplicação das áreas irrigadas, uma medida que vê como alternativa ao desmatamento.
Ela conversou com a BBC Brasil em Bruxelas, segunda parada de um giro de uma semana pela Europa que inclui ainda Genebra, na Suíça, e Londres.
A viagem começou na segunda-feira em Paris, onde participou da 83º Sessão Geral da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), que reconheceu os Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul como livres de peste suína clássica.
Em Bruxelas, a ministra se reuniu com os comissários europeus de Agricultura, Phil Hogan, e de Saúde, Vytenis Andriukaitis, para conversar sobre um possível acordo sanitário que o Brasil pretende assinar com a União Europeia, nos moldes do que já tem com a China e a Rússia.
Outro objetivo do encontro foi pressionar a UE a concluir o processo de certificação que autoriza os Estados de Tocantins e Rondônia e o Distrito Federal a exportarem carne de gado ao bloco.
Veja os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Alguns analistas e organizações ambientais apontam a responsabilidade do setor agrícola, o que mais consome água no Brasil, na atual crise hídrica. A senhora acredita que a agricultura também deve participar do esforço de economia para evitar o racionamento nas grandes cidades?
Kátia Abreu - Quando falamos que a agricultura usa maior quantidade de água para executar sua tarefa, estamos falando principalmente de água da chuva. Nossa agricultura é executada em 65 milhões de hectares e só irrigamos no Brasil 5 milhões de hectares vindo dos nossos rios. O restante da grande água que nós usamos é da chuva, quem quiser pode usar. Nós procuramos fazer economia do uso de água através da pesquisa e da inovação. Através de sementes que necessitam cada vez menos água porque são mais resistentes à seca.
A senhora disse no começo do mandato que um de seus objetivos é ampliar a área irrigada no Brasil...
O Brasil é o único país do mundo que, de fato, abre mão de terras agricultáveis de alto poder produtivo, em prol da sustentação ambiental, de manter suas florestas, seus biomas. Então, se nós não podemos e não queremos mais desmatar, temos que criar formas, além da inovação e da tecnologia em sementes e insumos, para otimizar o território, para que o mesmo solo tenha pelo menos dois ou três períodos de produção durante o ano. E a irrigação é uma dessas formas. Acreditamos que dobrar essa área irrigada de 5 milhões para 10 milhões de hectares em dez anos podemos fazer com muita tranquilidade.
Quais seriam as áreas beneficiadas por essa ampliação?
Estamos fazendo um estudo elegendo alguns critérios para classificar essas áreas. A viabilidade física, a viabilidade da terra. Essa terra é produtiva? Isso quase não é empecilho. Onde tem água se produz quase tudo. A segunda coisa é: temos logística? Temos estrada nesse lugar, armazém, energia? Estamos qualificando esse lugares a partir da infraestrutura. Esse mapeamento deve ficar pronto até o final de julho e o disponibilizaremos para os bancos, para os produtores, mostrando uma radiografia de onde estão as áreas com maior viabilidade para irrigar e começar a produzir na hora, para aproveitar melhor os recursos públicos.
Quanto isso poderia custar?
Podemos irrigar hoje por em torno de R$ 900 a R$ 2 mil por hectare, dependendo da distância (com relação à fonte de água). A agricultura irrigada, no Brasil, 90% dela é custo privado. Para o governo brasileiro é um custo muito barato e um ganho muito grande, porque você deixa de desmatar e tira maior aproveitamento do mesmo espaço de chão.
Mas a senhora disse há pouco que o Brasil não pode mais desmatar...
A lei brasileira permite que haja desmatamento legal. Em áreas rigorosamente fiscalizadas ainda existe espaço. O que nós combatemos definitivamente é o desmatamento na Amazônia, especialmente na floresta, e o desmatamento ilegal, que não é feito pelos produtores rurais, mas por madeireiros ilegais.
Que ritmo de desmatamento legal a senhora acredita que é necessário no Brasil para expandir a produção agrícola?
O que nós temos hoje. Nós nos comprometemos em Copenhague (na COP 15, da ONU, em 2009) a reduzir o desmatamento em 80% até 2020. Praticamente dez anos antes já reduzimos quase isso. Quanto mais, melhor.
O ministério da Agricultura acaba de perder quase R$ 1,4 bilhão com o reajuste fiscal. A senhora acha isso justo com um setor responsável por quase um quarto do PIB brasileiro?
Não é questão de justiça, nem de ser vítima. Nós, produtores rurais, não somos excluídos, nem vivemos num mundo à parte. Se o Brasil passa por um ajuste e precisa disso para reiniciar seu crescimento, nós, produtores rurais, não nos recusaremos a participar desse ajuste. O importante é saber que o custeio agrícola não vai faltar. Teremos aumento no plano Safra.
De quanto será esse aumento?
Não posso adiantar a presidente da República. Ela vai fazer esse anúncio dia 2 de junho. Temos que aguardar.
BBC Brasil - E como a senhora pretende assimilar o corte no orçamento?
Kátia Abreu - Com tranquilidade. Como toda dona de casa faz quando o marido perde o emprego, ou ela própria. Economizando onde é supérfluo: diárias, passagens aéreas, contratos que possamos prorrogar ou suspender. Temos toda condição de cortar onde precisa ser cortado, que não vá prejudicar a produção agrícola brasileira.
As exportações agrícolas brasileiras para a União Europeia começaram a cair a partir de 2012. O que a senhora pretende fazer para ajudar essas exportações a voltarem a crescer?
A expectativa máxima seria o acordo de livre comércio Mercosul-UE. Nós não desistimos desse acordo. Acredito que a vinda da presidente Dilma (Rousseff) à cúpula UE-Celac (América Latina e Caribe), nos dias 10 e 11 de junho, vai ser muito importante para definir a data da abertura das ofertas. Gostaríamos até que fossem abertas nessa ocasião.
Antes disso, gostaríamos muito que a Europa assinasse com o Brasil um acordo sanitário. Do ponto de vista de oportunidades, ele não vai diminuir tarifas, mas os processos (de inspeção e certificação) são harmonizados, então seremos mais ágeis na apresentação de documentos.
Mas, muito mais forte que isso, é uma sinalização que daríamos, tanto para o Brasil quanto para os europeus, de que um passo importante foi dado. Desse acordo sanitário, o próximo passo é um prelisting (que autoriza uma lista de empresas a exportar sem ter que submeter-se a inspeções sanitárias prévias), antes de um acordo de livre comércio. E para isso não temos necessidade de estar presos ao Mercosul.
A UE tem valorizado cada vez mais a agricultura orgânica e endurecido as legislações relativas a agrotóxicos e OGMs. A senhora teme que sua posição a favor das OGMs e do uso de agrotóxicos possa ser um freio às exportações brasileiras?
Não se trata de ser a favor ou contra. Eu não condeno esse dois produtos. Sou a favor do que o mercado queira. Se o mercado está com vontade de ter agricultura orgânica, precisamos perguntar se ele está preparado para conceber os preços da agricultura orgânica. Sim? Ótimo. É um nicho de mercado extraordinário, inclusive para a agricultura familiar.
Então nós não temos nenhum preconceito a qualquer tipo de produto que o consumidor queira. Mas se um país quer preço (baixo), aí temos que falar em agroquímicos, em transgênicos.
A senhora tem algum plano para incentivar a produção de produtos orgânicos no Brasil?
Não existe plano, porque isso é muito da procura do mercado. Se houver a demanda, o ministério vai fazer seu papel, liberar rapidamente para que as exportações de orgânicos possam acontecer. Se nós tivermos um mercado sustentável e que consiga pagar os preços que custa a agricultura orgânica, temos condições de fazê-lo com muita rapidez.
Temos já muitas associações organizadas no Brasil, produtores fazendo agricultura orgânica com muita sustentabilidade. Encontrar essas pessoas é muito fácil. Se tivermos o mercado, encontraremos. Hoje essa demanda não existe.
Fonte: BBC Brasil
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