Assuntos Jurídicos

Opinião: Retrocesso sobre aquisição e arrendamento de terras por estrangeiros

O Estado é soberano e não perde o controle da ocupação do território


Publicado em: 25/06/2012 às 14:31hs

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O aumento dos preços agrícolas atingiu níveis alarmantes a partir de 2007, o que caracterizou o fenômeno da “agroinflação”. Embora tenha se registrado um arrefecimento na crise financeira internacional de 2008, os preços dos alimentos voltaram a crescer em 2009. A elevação generalizada dos preços agrícolas interfere, de um lado, na segurança alimentar e causa, de outro, impacto no crescimento da pobreza, já que reduz o nível de renda relativa das famílias. O risco inflacionário pode comprometer, principalmente, o crescimento de longo prazo dos países importadores de alimentos.

A “agroinflação” pode ser explicada por um conjunto de fatores surgidos ao longo da última década. O forte crescimento econômico experimentado pelos mercados emergentes, a elevação dos preços internacionais do petróleo, o avanço da produção de biocombustíveis, os efeitos climáticos adversos à produção e os baixos estoques de alimentos no mundo foram fatores que contribuíram para a elevação dos preços. Aliado a tudo isso, o crescimento da população mundial, que atingiu um contingente de 7 bilhões de habitantes no final de 2011, foi significativo.

Com os preços dos alimentos em expansão e a expectativa de forte crescimento populacional para os próximos anos, a questão da aquisição de terras por estrangeiros no mundo vem chamando a atenção, em especial em regiões africanas e latino-americanas. A compra de terras por estrangeiros é uma maneira de minimizar os efeitos negativos do processo inflacionário no mercado, garantindo acesso privilegiado aos alimentos e, ao mesmo tempo, mantendo a redução da pobreza e o crescimento econômico.

No Brasil, a aquisição de terras por estrangeiros cresceu desde 2008. O aumento do fluxo da compra de propriedades rurais por estrangeiros levou a Advocacia Geral da União (AGU) a definir, em 2010, nova interpretação da legislação vigente, no intuito de limitar o acesso de estrangeiros à propriedade fundiária nacional. O parecer (nº LA-01, de 2010) retrocedeu à legislação da década de 1970, assegurando a compatibilidade entre o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, e a ordem constitucional de 1988 (especialmente em face da garantia constitucional do desenvolvimento nacional e dos princípios constitucionais da soberania, da independência nacional e da isonomia entre brasileiros e estrangeiros). Estendeu às pessoas jurídicas brasileiras com a maioria do capital social detida por estrangeiros, pessoas físicas, residentes no exterior, ou jurídicas, com sede no exterior as mesmas limitações impostas às pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil. O parecer foi aprovado e publicado no DOU, criando restrições a vários outros setores de atividade econômica (como saúde, comunicações, mineral etc.).

Os investimentos estrangeiros na agricultura brasileira cresceram de forma expressiva desde a implantação do Real em 1994, quando a legislação era favorável ao ingresso dos investimentos. Desde 2000, o capital externo já vem participando intensamente no processo de expansão dos setores sucroalcooleiro e de florestas (papel e celulose). Houve grandes investimentos estrangeiros nas regiões de fronteiras agrícolas produtoras de grãos e algodão, tais como Mato Grosso, Bahia, Piauí, Maranhão e Tocantins. Além de contribuir para a rápida expansão da oferta brasileira desses produtos, o capital externo tem contribuído para acelerar o processo de construção de um novo padrão de governança nesses setores.

Estima-se que as restrições do governo decorrentes do parecer da AGU, desde 2010, sobre aquisição e arrendamento de terras agrícolas por empresas estrangeiras devem gerar prejuízos de cerca de US$ 15 bilhões ao agronegócio, por inibir investimentos estrangeiros na forma de capital de risco (Private Equity ou Venture Capital). São inúmeras as razões que levam os Estados a adotarem políticas de restrição ao acesso de estrangeiros à terra. Dentre os principais motivos, além do nacionalismo e xenofobismo, destacam-se a segurança nacional, o domínio da infraestrutura, a prevenção contra a especulação estrangeira, a preservação do “tecido” social da nação, o controle dos investimentos diretos estrangeiros, a regulação da imigração, bem como a garantia do controle da produção de alimentos.

O debate acerca da aquisição de terras por estrangeiros é controverso e varia na legislação de diferentes países. Todavia, é preciso ressaltar que o Estado é soberano e não perde o controle da ocupação do território nacional, mesmo diante da existência de uma legislação mais flexível ao investimento externo estrangeiro na produção agrícola. No que tange à segurança alimentar, caso haja desabastecimento do mercado interno, o País pode adotar quotas e impostos de exportação, bem como criar estoques reguladores. Quanto à soberania nacional, os estrangeiros estão sujeitos às mesmas regras jurídicas e ambientais que o produtor brasileiro. Havendo qualquer discordância com a legislação ou mesmo uso indevido da terra, pode-se adotar a desapropriação como medida corretiva. Não há dúvida de que é preciso monitorar a aquisição de terras por estrangeiros, o que pode ser feito por meio de registro e atualização dos dados de propriedades rurais. A restrição imposta pela legislação à aquisição de terras por estrangeiros pode reduzir ou mesmo inviabilizar parte dos investimentos produtivos no setor agropecuário brasileiro, em especial nos estados cuja economia depende desse segmento.

Fábio Augusto Santana Hage  é consultor legislativo do Senado na área de Direito Civil e Agrário (hage@senado.gov.br).
 Marcus Peixoto  é consultor legislativo do Senado na área de Política Agrícola e Agrária (marcus.peixoto@senado.gov.br).
 José Eustáquio Vieira Filho  é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor da Universidade de Brasília (UnB) (jose.vieira@ipea.gov.br).

Fonte: Sou Agro

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