Publicado em: 09/01/2012 às 11:00hs
Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em 2009, foram coletadas 109.299 toneladas de amêndoas de babaçu, sendo que o principal produtor, o Estado do Maranhão, concentrou 102.777 (95%) do total nacional. Sem tecnologias avançadas ou mesmo infraestrutura, o método de beneficiamento maranhense ainda é rudimentar e essencialmente dependente do trabalho manual de mulheres que enfrentam todas as intempéries do ambiente rural.
Para melhorar essa situação, desde 2000, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa – vem colaborando para melhorar o perfil da produção agrícola no Estado, principalmente em relação ao coco babaçu, riqueza natural maranhense.
Em 2009, a Empresa instalou a unidade Embrapa Cocais em São Luís, com a missão de viabilizar, por meio da pesquisa, desenvolvimento e inovação, soluções para a sustentabilidade da agricultura dos ambientes Cocais e Planícies Inundáveis, com ênfase no segmento da agricultura familiar, e adotando como uma de suas prioridades a palmeira do coco babaçu.
“O objetivo da Embrapa Cocais é trabalhar em alternativas de aproveitamento integral do coco, pois as comunidades extrativistas, hoje, só aproveitam a amêndoa. Queremos fazer esse trabalho render mais para as famílias maranhenses, pois as potencialidades do babaçu são inúmeras”, ressalat o chefe adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Cocais, José Mário Frazão, um dos pioneiros do trabalho de pesquisa com babaçu no Estado, lembrando que a palmeira babaçu pode ser transformada em mais de 70 produtos, como óleo, sabonetes, palha para cobrir casas, artesanato e carvão, entre outros.
Quebradeiras
Hoje, no Maranhão, a extração da amêndoa é feita de forma marginal. O trabalho de exploração da palmeira é realizado, principalmente, pelas mulheres, conhecidas como “quebradeiras de coco”. Entretanto, a maioria delas –o número total no Estado, pode chegar a 200 mil - ainda não aproveita todo o potencial econômico do babaçu.
A oportunidade trazida pela Embrapa, ao setor agrícola do Maranhão, levou as quebradeiras de coco a começarem a se organizar em associações e passarem a sonhar com um futuro melhor. No Vale do Itapecuru, o projeto de associativismo foi implantado em 2000, com o surgimento da Associação das Quebradeiras de Coco Babaçu de Itapecuru Mirim. Com apoio da Empresa, a associação tem melhorado a economia das famílias que trabalham no campo.
“Começamos praticamente do zero e já temos um grande avanço. Nós, as quebradeiras de coco, compramos esse terreno (em Itapecuru Mirim-MA) e, hoje, temos 32 clubes filiados, que são dos povoados aqui de perto”, conta a quebradeira Mariana Ferreira Silva Sousa, de 52 anos.
Na associação, o babaçu foi integrado a atividades da agricultura familiar, como criação de galinha caipira, porcos e produção de hortaliças. Isso porque o beneficiamento integral do coco babaçu gera produtos que são insumos para diversas atividades produtivas. O mesocarpo, por exemplo, serve para compor a ração de galinhas e porcos, enquanto o epicarpo pode ser usado para a queima direta e o endocarpo pode ser transformado em carvão.
“A Embrapa é de suma importância para nós e vem acompanhando nosso movimento. Nós não temos noção da parte tecnológica, temos pouca experiência e a Embrapa está nos dando todo o suporte. A gente agradece do fundo do coração essa parceria”, disse a presidente da Associação de Quebradeiras de Itapecuru Mirim, Maria Domingas Marques Pinto.
Luta
Trabalhando nos babaçuais desde que tinha 8 anos, Mariana Sousa lembra do quanto a vida no campo era mais difícil antes que as quebradeiras da associação, com apoio da Embrapa, passassem a trabalhar em conjunto para o aproveitamento total do babaçu.
“Muita mulher vivia naquela luta financeira no interior, vendendo coco por quase nada. Agora, nossa renda aumentou. Não é um aumento grande, mas, para o que era, a gente já teve um grande avanço”, afirma Mariana, contando que, antes, todo o trabalho que as quebradeiras tinham não era recompensado com dinheiro. “A gente trocava o quilo da amêndoa por um quilo de alimento. Só de modificar esse sistema de troca, já melhorou. Antes, a gente quebrava um quilo de coco e trocava num quilo de farinha, num quilo de arroz, num quilo de feijão”, diz a quebradeira, lembrando que não era possível nem escolher direito o alimento que elas queriam levar. “Como não tinha dinheiro, o comerciante só deixava a gente levar o alimento em troca da amêndoa. Era uma humilhação. Hoje, a gente pode escolher o que quer. Tenho meu dinheiro para pagar meu quilo de carne, para comprar o alimento que eu quero para o meu filho”, diz Mariana.
Se antes da associação as amêndoas eram a moeda de troca para os alimentos, para a estrutura das casas das quebradeiras o babaçu de pouco adiantava. Questionadas sobre como as quebradeiras compravam os móveis de suas casas, já que a amêndoa do babaçu era o “dinheiro” da família, a quebradeira Raimunda Silva de Sousa, 52 anos, responde, espantada:
- Mas a gente não tinha móveis, não. Na minha casa eu não tinha nem a cama pra dormir. Comecei a comprar depois que a gente entrou nesse movimento (a associação).
Fora do projeto de associativismo, muitas quebradeiras ainda sofrem trocando o suor de seu trabalho por quilos de alimentos e enfrentam uma vida sem expectativas de melhora.
“Ainda tem muita companheira sofrendo. Passando por tudo igual ao que eu passei, ao que nós passamos”, lamenta Mariana, afirmando que, com o trabalho desenvolvido pela Associação das Quebradeiras, viu sua renda aumentar de R$ 60 ou R$ 80 para mais de R$ 500 ao mês.
Sofrimento
Os anos de sofrimento não são facilmente esquecidos pelas quebradeiras que hoje progridem com o fruto de seu trabalho.
“Sou quebradeira desde que nasci. Criei nove filhos assim, quebrando coco, fazendo carvão para vender e sustentar os filhos. Hoje, já não estou mais quebrando o coco porque trabalho aqui na associação e tenho minha rendazinha, que dá para ir comprando meu movelzinho e uma comida melhor”, afirma Raimunda, lembrando que a mesa hoje mais farta é novidade para a família. “Na quebra do coco, só se come o quilo de carne dia de domingo. A gente quebra o coco a semana todinha e vai juntando, juntando... Às vezes nem dá (para a carne), pois tem que vender logo (a amêndoa) para comprar aquela coisinha pra comer de noite. Na minha casa foi assim. E eu vi a minha mãe com o mesmo sofrimento”, recorda Raimunda.
Mariana, com os olhos ao longe, também parece voltar no tempo e se entristece. “Às vezes, muitas quebradeiras chegavam à tarde com o cofo (cesto) de coco, morta de cansada, com fome, e pedia para o marido vender a amêndoa na mercearia enquanto ela fazia a comida das crianças. O marido, quando vendia o coco, ainda bebia, chegava em casa e, muitas vezes, ainda botava a mulher pra correr”, conta, com a aprovação da amiga.
“A vida de uma é a vida de outra. O que acontecia com ela, acontecia comigo e acontece com as outras”, comenta Raimunda.
Antes de voltar ao trabalho na associação, Mariana ainda resume a história de tantas mulheres maranhenses:
- É um sofrimento. Muitas vezes eu chorava nos matos e pedia para que Deus desse um jeito para que um dia eu modificasse o meu trabalho. Quantas vezes eu chorei com um cofo de coco nas costas, com o 'buchão' (grávida) caindo aqui, levantando acolá. A gente observa que até as crianças nasciam prejudicadas, por tanta 'saculeja'. Aquela batalha era muito forte, muito dura.
Fonte: Embrapa Cocais
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