Publicado em: 05/03/2018 às 00:00hs
O estresse térmico é bastante estudado nos animais de produção, especialmente nas vacas leiteiras, que possuem perdas produtivas significativas quando submetidas a esse estresse. Os animais possuem uma zona termoneutra, ou seja, uma faixa de temperatura ambiente em que o mínimo esforço é requerido pelo animal para regular sua temperatura corporal, compreendendo conforto máximo para o mesmo. Além da temperatura, qualquer fator que dificulte a troca de calor do animal com o ambiente irá alterar essa zona. Um exemplo disso é a umidade relativa do ar. Em locais em que a umidade é alta, os animais entram em estresse térmico em temperaturas mais baixas, já que, nesta situação, o animal reduz a sua efetividade em resfriar por evaporação.
À medida em que o animal sai da sua zona termoneutra, maior energia é gasta para dissipar o calor, o que causa redução da produtividade. A seleção genética resultou em animais mais produtivos e com metabolismo mais alto, o que gera maior produção de calor, tornando-os susceptíveis ao estresse térmico.
Existem muitos trabalhos na literatura científica estudando os prejuízos causados pelo estresse térmico agudo nos animais em lactação. Essa categoria possui metabolismo elevado, sendo muito susceptível à elevação da temperatura ambiente, podendo ser observado grande queda de produção de leite em condições de estresse agudo. Porém, outras categorias animais também sofrem com os efeitos do estresse térmico, e os efeitos, nesses animais, têm sido negligenciados. Alguns trabalhos mais antigos na literatura científica já relatavam que animais alojados em condição de resfriamento no pré-parto produziam mais leite na próxima lactação do que animais que não eram resfriados. Mais recentemente, pesquisadores perceberam que efeitos do estresse nessa fase persistem por um tempo e estudos estão sendo realizados com o foco de entender quais são os mecanismos que desencadeiam essas respostas.
Ao avaliarem um gráfico de produção de leite versus temperatura média mensal, pesquisadores da Universidade da Flórida perceberam que o mês de pico de temperatura ambiente não coincide com o mês de maior queda de produção de leite e, por isso, hipotetizaram que o estresse térmico no pré-parto gera perdas de produção, que são carreadas por toda a lactação do animal, sendo comprovado em diversos trabalhos subsequentes.
Produção de leite mensal e temperatura mensal anual na Flórida (Adaptado de Tao e Dahl, 2013)
Podemos observar que bezerras filhas de vacas que não foram resfriadas nasceram mais leves do que bezerras filhas de vacas que foram resfriadas. O final da gestação é um período importante para o desenvolvimento do feto, pois compreende a maior taxa de crescimento, sendo que aproximadamente 60% do peso ao nascimento é acumulado durante os últimos dois meses de gestação. Vacas estressadas termicamente durante esse período podem apresentar placenta com menor desenvolvimento, o que prejudica a nutrição e, consequentemente, o desenvolvimento do feto, justificando o menor peso ao nascimento. Além disso, esses animais tendem a adiantar o parto, o que também contribui para o menor peso ao nascimento.
Peso ao nascimento de bezerros nascidos de vacas em estresse térmico ou resfriadas artificialmente (Adaptado de Tao et al., 2012). Diferenças foram consideradas significativas a p<0,05.
A avaliação das bezerras filhas de mães sob condição de estresse térmico versus filhas de vacas que foram resfriadas no pré-parto mostram que essas condições de má nutrição alteram o metabolismo das bezerras trazendo prejuízos por toda a vida produtiva desses animais. Esses prejuízos já se iniciam na colostragem dos animais, uma vez que bezerras filhas de mães estressadas termicamente apresentam menor absorção de imunoglobulinas durante a colostragem, estando em maior risco de sofrer falha na transferência de imunidade passiva. Um animal com falha na colostragem tem maior chance de adoecer durante a vida produtiva e de ser descartado do rebanho. Além disso, o sistema imune das bezerras filhas de mães resfriadas é mais ativo do que as bezerras filhas de mães estressadas termicamente durante o pré-parto, aumentando ainda mais a chance de adoecerem.
Animais filhos de vacas que sofreram estresse térmico durante o pré-parto não recuperam o déficit de peso ao nascimento, ficando mais leves do que os animais filhos de mães resfriadas durante toda a fase de crescimento. Porém, ao parto, filhas de vacas resfriadas ou filhas de vacas que tiveram estresse térmico no pré-parto apresentaram o mesmo peso corporal, embora com uma menor estatura para aquelas filhas de vacas que não foram resfriadas. Isso parece estar relacionado ao metabolismo alterado das bezerras que sofreram estresse térmico no útero, que favorece a obesidade nesses animais.
Peso corporal de novilhas filhas de vacas resfriadas (38 animais) ou não (34 animais) no pré-parto (Adaptado de Monteiro et al., 2013).
Dados analisados de 72 novilhas nascidas de vacas em estresse térmico ou resfriadas, na Universidade da Flórida, durante cinco anos, demonstraram que novilhas nascidas de mãe que passaram por estresse térmico tiveram maior descarte involuntário (geralmente por doença, má formação ou crescimento retardado), menor probabilidade de completar a primeira lactação, maior número de serviços para concepção e produziram 5,1 kg a menos de leite por dia na primeira lactação, quando comparadas com filhas de mães resfriadas no pré-parto.
Produção de leite na primeira lactação de filhas de vacas resfriadas ou não durante o pré-parto (Adaptado de Monteiro et al., 2016).
Como todas as condições de manejo dos animais foram controladas e o peso e a idade das 72 novilhas foram iguais, as diferenças na produção de leite foram atribuídas ao estresse térmico em útero, sofrido pelos animais durante o período de gestação das suas respectivas mães. Sugere-se a hipótese de efeitos epigenéticos: mudanças nas funções dos genes, sem alteração da sequência no DNA dos animais.
Chegou-se à conclusão de que o estresse térmico materno no final da gestação causa menor desenvolvimento fetal, menor peso ao nascimento, menor absorção de IgG colostral e alterações no metabolismo e na imunidade dos bezerros após o nascimento. Essas mudanças metabólicas causam menor desempenho produtivo, reprodutivo e maior chance de descarte até o final da primeira lactação.
O resfriamento de vacas no pré-parto não é uma prática adotada frequentemente em fazendas leiteiras, mesmo havendo muitos animais em estresse térmico durante essa fase. Os danos causados pelo estresse térmico nessa fase, tanto para vaca quanto para a bezerra, no início da vida e durante toda a vida produtiva, sugerem que o gasto com o resfriamento dos animais no pré-parto pode trazer bom retorno financeiro para a propriedade leiteira.
Camila Flávia de Assis Lage - Médica Veterinária formada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em produção animais pelo departamente de Zootecnia da UFMG. Atualmente é Doutoranda em produção animal da UFMG.
Rafael Alves de Azevedo - Zootecnista, mestrando em Ciência Agrárias pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com doutorado em zootecnia pela Universidade Federal de Minas e pós-doutorado em Zootecnia pela UFMG.
Fonte: Alfapress Comunicação
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