Publicado em: 27/07/2021 às 08:20hs
Passados mais de ano e meio em que temos a oportunidade e o privilégio de nos dirigir aos leitores deste veículo, abordando o tema das plantas daninhas em pastagens, sua importância, impactos econômicos, aspectos biológicos e de manejo, os métodos de controle, produtos e equipamentos utilizados, entre outros, começam a surgir retornos de leitores que retratam suas experiências, motivados pelo despertar trazido por algum tópico que discorremos nesse período. Esse é um fato extremamente gratificante para quem escreve, confirmando a pertinência dos temas envolvidos, bem como provando que a informação está atingindo seu objetivo, de agente transformador para quem a acessa e passa a utilizá-la.
Reforço aqui essa necessidade de retorno dos leitores, seja com críticas e dúvidas sobre os textos editados, bem como sugerindo temas para maior aprofundamento, ou temas inéditos, que os leitores gostariam que fossem abordados. Todos são muito bem-vindos.
Em vista disso, tivemos um questionamento a respeito das expectativas de controle de pragas duras em aplicação foliar, bem como o compartilhamento de experiências vividas nesse sentido, o que discutiremos no presente artigo.
Relembremos que para a aplicação foliar de herbicidas, seja em aplicação localizada: planta a planta, ou em área total, é necessária a observação de uma série de fatores, tanto ambientais (temperatura, umidade relativa do ar, regime hídrico); como biológicos, relativos à planta, que deve estar em plena atividade metabólica e, consequentemente, mais susceptível aos tratamentos herbicidas.
As chamadas pragas duras de pastagens representam um segmento de plantas daninhas com elevada dificuldade de controle, por se tratar de plantas que desenvolveram naturalmente mecanismos de defesa às condições adversas do ambiente e, consequentemente, as tornaram mais tolerantes à ação dos herbicidas. Muitas das espécies que compõe esse grupo de plantas só podem ser controladas por métodos radicais de combate, como a aplicação de produtos à base de Picloram no toco, após o corte do tronco rente ao solo, ou pela aplicação basal de produtos à base de Triclopir, utilizando óleo diesel como veículo. Contudo, o foco maior nesse artigo é mais relativo à aplicação foliar de herbicidas.
Os mecanismos de defesa desenvolvidos por essas plantas compreendem cascas grossas dos troncos, que evoluíram para sobreviver a frequentes queimadas naturais em seu ambiente nativo; folhas coriáceas e ásperas, para não serem atrativas aos herbívoros da fauna. Ainda com esse mesmo objetivo, há a frequente ocorrência de espinhos e acúleos em suas partes aéreas: troncos, ramos e folhas. Por vezes, a vascularização dessas plantas apresenta pontos de estrangulamento que impedem a movimentação da seiva e, consequentemente, dos herbicidas dentro da planta. Esse é um mecanismo de defesa pelo qual o vegetal perde menos água contida no sistema radicular, regulando a hidratação da planta. Bom exemplo disso: o enovelamento presente na região do colo e raiz da ciganinha (Memora peregrina), que a torna tão difícil de controle químico. Além de outras transformações ocorridas sempre em direção à sobrevivência num ambiente adverso.
Assim, essas plantas apresentam baixos níveis de controle em aplicação em área total, mas conhecer essa limitação não impede que uma ação nesse sentido seja tomada, unicamente que se deve baixar a expectativa de controle desse grupo de plantas diante de uma aplicação foliar, e considerar que investimentos com esse objetivo dão o retorno esperado em produtividade das pastagens, levando a ganhos zootécnicos da atividade pecuária.
Aplicações foliares em pastagens que apresentam pragas duras em sua composição florística, normalmente são enquadradas no segmento que denominamos “recuperação”, ou seja, um quadro de alta infestação, não raramente com 100% de cobertura vegetal representada por plantas daninhas, mas que, necessariamente, devem possuir população de plantas forrageiras com potencial de repovoar o solo, uma vez eliminada a pressão exercida pelas invasoras.
O segmento de recuperação muitas vezes não é identificado pelo pecuarista, que não vê outra alternativa que não a renovação ou reforma da pastagem, dado seu elevado grau de degradação. Um olhar mais atento à presença de capim com potencial de regeneração, e o conhecimento preciso do resultado esperado de um tratamento herbicida, podem fazer a diferença com uma solução econômica da ordem de 20 a 30% do custo que seria necessário para a operação radical da reforma da pastagem.
Vamos lembrar que a reversão de um processo de degradação da pastagem não pode considerar uma única ação. Recuperar pastagens degradadas é um processo composto por diversas etapas, implementadas em diferentes momentos e que não compreendem exclusivamente a aplicação de herbicidas para o controle das plantas daninhas, mas também a correção da fertilidade do solo, com calcário e fertilizantes, eventualmente também gesso; e não menos importante o manejo da pastagem, traduzido pela entrada e saída dos animais nos momentos adequados.
Também em diferentes momentos desse processo ocorrem as ações de controle de plantas daninhas com os herbicidas, não exclusivamente por uma aplicação foliar em área total, principalmente na época das chuvas e, como citado anteriormente, da dificuldade de controle das pragas duras, não se controlará 100% das plantas num primeiro momento, e novas estratégias serão implementadas com o decorrer do tempo, como um repasse no toco ou basal na estação seca subsequente, ou na catação foliar de plantas na primavera/verão seguintes.
Mas enfim, quanto podemos esperar de controle de pragas duras numa aplicação foliar em área total em pastagens? Infelizmente não há um valor cabalístico para trazer, dependendo principalmente das espécies presentes e da potência do tratamento herbicida empregado, que está diretamente relacionado ao seu custo. Mas podemos arriscar que não raro se obtém acima de 50% de controle dessas plantas, podendo chegar a 70%, ou mais, novamente, dependendo dos fatores mencionados anteriormente. Há espécies consideradas extremamente duras, nas quais pode-se esperar que nenhum controle ocorra. Espécies como ipê-tabaco, ciganinha, lixeira, cipó-roncador, são algum dos exemplos.
Seria aceitável controles dessa ordem de grandeza, 50 a 70%? Pode parecer baixo, principalmente considerando a performance de muitos defensivos agrícolas em determinadas situações. Por exemplo, não se admite menos de 98-99% na ação de um fungicida para controle da ferrugem na soja; não se espera menos de 90 a 95% de controle de insetos com o uso de inseticidas em lavouras de soja, milho, entre outras. Também no controle de plantas daninhas anuais, ou vindas de sementeira, é frustrante observar menos de 90% de controle. Para se ter uma ideia, para se registrar um produto agrícola junto ao órgão regulador no Brasil, o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), que avalia o desempenho técnico dos defensivos agrícolas, não se aceitam performances inferiores a 80% para atestar a eficiência de um produto. Em tempo, a ANVISA avalia do ponto de vista toxicológico e o IBAMA quanto ao impacto ambiental. Esses três órgãos: MAPA, ANVISA e IBAMA chancelam um produto apto à comercialização e uso na agricultura brasileira.
E por que o pecuarista deve aceitar performances supostamente tão baixas? De modo bem objetivo, lembrando dos fatores aqui já mencionados, por três motivos: pela dificuldade de controle de algumas plantas, no qual o pecuarista não tem outra alternativa; pelo custo diferenciado que a proposta de aplicação em área total representa diante da única outra alternativa, que é e reforma da pastagem; e finalmente, por entender que essa primeira aplicação compõe uma etapa dentro do complexo processo de recuperação da pastagem. Isso posto, parece razoável falarmos em 50 a 70% de controle de algumas plantas.
Considerando todo o processo de recuperação da pastagem, devemos ter o conceito de manejo de controle das plantas daninhas, que se inicia com a aplicação em área total de herbicidas na época de primavera/verão, com as plantas em alta atividade metabólica, preferencialmente antes do florescimento, ou seja, em estádio vegetativo. Nessa operação seremos felizes se obtivermos 60% de controle das pragas mais duras, e pelo tratamento herbicida ser potente, pode-se esperar próximos de 100% de controle das plantas de fácil controle, eventualmente também de plantas de dureza intermediária, como assa-peixe, guanxumas mais duras, entre outras, todas exercendo uma pressão de competição fortíssima com a forrageira.
Nesse primeiro momento observaremos uma clara recuperação da pastagem, uma vez eliminada grande parte da matocompetição, se poderá contar com maior capacidade de lotação da área, principalmente se a aplicação for realizada o mais cedo possível, no início da estação chuvosa, quando o pasto terá ainda meses de condições favoráveis da insolação, umidade e temperatura que proporcionem o crescimento da forrageira. Nesse ponto, as plantas de mais difícil controle em grande parte sentirão o efeito do herbicida, reduzindo sua atividade, desfolhando e muitas secando, ajudando na recuperação do capim, porém muitas delas rebrotarão, algumas já no final do verão e outono, e aí tem início a segunda etapa do processo de recuperação da pastagem, que é o controle no toco e/ou basal das plantas lenhosas na estação seca de outono e inverno. Eventualmente, em função da espécie invasora predominante, pode-se pular esse controle na época seca para entrar com um novo controle foliar na próxima estação chuvosa. Esse segundo momento de controle foliar, na estação seguinte, normalmente é feito com catação em aplicação localizada, barrando isso apenas extensões muito grandes, que inviabilizem essa prática, pela alta demanda de mão de obra.
Sempre falamos que a aplicação foliar localizada é mais eficiente no controle das plantas daninhas que a aplicação em área total. A aplicação localizada possui o inconveniente do menor rendimento, maior custo, e necessidade de mão de obra com os aplicadores, mas ganha-se em performance. Porém, o raciocínio é que teremos uma população de plantas muito menor a ser tratada, decorrente do primeiro controle exercido pela aplicação em área total da estação chuvosa anterior, tornando o processo viável.
Excelente, então faço uma aplicação em área total na estação chuvosa, controlo as pragas duras com tratamento basal ou no toco na estação seca, e faço um repasse em catação nas próximas águas e tenho minha pastagem limpa para sempre?
Infelizmente sabemos que não. O controle de plantas daninhas em pastagens é um processo contínuo, mas sabidamente com esforços decrescentes com o passar dos anos. Sempre é mais fácil manter uma pastagem limpa, com pequenos cuidados anuais, que enfrentar os desafios de recuperar uma área com alta degradação.
E fica aqui um forte alerta ao pecuarista: que tudo, TUDO, vai depender do adequado manejo do capim, respeitando a altura ideal de entrada e saída do gado recomendada para cada espécie forrageira, dando o poder para que a pastagem possa vencer a competição com as plantas forrageiras. Infelizmente um único erro de manejo pode pôr todo um trabalho de anos a perder, principalmente em casos de superpastejo, que produz manchas sem cobertura vegetal. Esses serão os pontos por onde a reinfestação ocorrerá.
Referente a esse último ponto, do erro de manejo, temos um exemplo que classificaria como inevitável. Nem todo conhecimento e profissionalismo pode evitar o imponderável.
Ocorreu no Paraná, uma empresa agropecuária de alto profissionalismo e competência técnica, que vinha fazendo um trabalho fantástico de recuperação das pastagens, que do dia para noite se viu impossibilitada de comercializar os animais pelo surgimento de focos de febre aftosa no estado. Isso quebrou todo o planejamento de venda, entrada e saída de animais dos pastos, e houve o superpastejo. O que resultou na perda de todo trabalho realizado de controle das plantas daninhas da fazenda. Passado o problema da aftosa, retornou-se praticamente à estaca zero nesse processo. Um consolo que as coisas aconteceram com conhecimento de causa, dentro de algo que não se tinha controle, e de certo modo já se sabia o caminho da retomada.
Como exemplos positivos, foram inúmeros os casos que vivenciei por todo o Brasil durante minha vida como pesquisador desenvolvendo herbicidas para pastagens. Nossos campos experimentais eram verdadeiras vitrines de tecnologia onde, tanto equipes comerciais como de pecuaristas, vivenciavam a experiência do correto manejo das invasoras, e podiam ter a dimensão visual da resposta, e pesar na balança o capim das áreas recuperadas, nunca dando menos de 150 a 200% a mais que nas áreas testemunhas. Muitos pecuaristas têm essas oportunidades ainda hoje com as empresas que comercializam herbicidas, sendo extremamente gratificante poder demonstrar a possibilidade de elevação do nível tecnológico que a pecuária pode obter.
Atualmente, a pandemia tem impedido ações de maior presença física, mesmo no campo, mas os veículos de divulgação de tecnologia como este, nunca foram tão ativos para compensar essa perda momentânea da não realização de dias de campo, feiras, exposições e reuniões técnicas. E estamos nós aqui fazendo a nossa parte.
Neivaldo Tunes Cáceres - Engenheiro agrônomo e mestre em solos e nutrição de plantas pela ESALQ-USP. Com atuação profissional desde 1985 em pesquisa e desenvolvimento em sistemas de produção agrícola em empresas nacionais e multinacionais, trabalhou por 24 anos na geração dos principais herbicidas para pastagens hoje no mercado. Atualmente, é consultor independente, fundador da NTC ConsultAgro, focado no manejo da vegetação em pastagens, reflorestamentos e áreas não agrícolas.
Fonte: Scot Consultoria
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