Publicado em: 30/11/2020 às 14:10hs
A otimização reprodutiva é um requisito óbvio e claro visando uma mantença da viabilidade econômica das operações leiteiras. No entanto, a perda de gestação em bovinos é substancial, prejudicando a eficiência reprodutiva (Santos et al., 2004). Embora a taxa de fertilização em bovinos seja estimada em mais de 80%, até metade desses potenciais zigotos deixam de sobreviver ao final da 4ͣ semana de desenvolvimento, demonstrando que a sobrevivência embrionária no primeiro mês pós fertilização é um ponto crítico do sistema. Embora menos frequente, a mortalidade fetal após o 42º dia de gestação também reduz significativamente a lucratividade das operações leiteiras. Por isso, estratégias de manejo, nutricionais e reprodutivas são necessárias para otimizar o desempenho reprodutivo de vacas leiteiras. Mas, onde será que os meus problemas começam? No início do protocolo reprodutivo?
Com o objetivo de responder tais perguntas, é importante contextualizar que as vacas durante o período de transição passam por diversos desafios, também chamados de estressores, que as deixam mais susceptíveis a nível imunológico, nutricional e de saúde. Dentre esses desafios podemos destacar a entrada no lote pré-parto, a queda no consumo de matéria seca (CMS) no pré-parto, o parto em si, entrada no lote pós-parto e o novo ambiente/dieta que a vaca deve lidar. Mais especificamente na CMS, os animais acabam entrando em balanço energético negativo (BEN), situação em que o requerimento nutricional dos animais é maior do que o consumo, levando a mobilização de tecidos corporais que fornecem energia para o animal manter o seu metabolismo e produção ativos. Isso, invariavelmente, predispõe os animais a doenças no período pós-parto que, como veremos a seguir, prejudicam a saúde, desempenho produtivo e reprodutivo do rebanho.
No entanto, as doenças inflamatórias no período pós-parto são as principais causas de falhas reprodutivas do rebanho leiteiro. Recentemente, Ribeiro e Carvalho (2017) relataram que, no período pós-parto, cerca de um terço das vacas leiteiras tem pelo menos uma ocorrência de doença clínica durante as primeiras três semanas de lactação, tais como metrite, mastite, problemas digestivos, respiratórios ou de casco. Os custos associados com o diagnóstico, tratamento, mão de obra, infraestrutura e logística necessária para manejar os animais que adoeceram fazem parte do custo direto, influenciando negativamente a receita do produtor. Esses dados deixam cada vez mais evidente que a saúde animal é fundamental e necessária para o alcance de um desempenho reprodutivo ideal no rebanho leiteiro. Vacas com doenças clínicas apresentam um atraso na retomada da ciclicidade estral pós-parto (Santos et al., 2010), prolongando, assim, o intervalo entre o parto e a primeira inseminação artificial (IA) pós-parto. Em geral, o atraso na primeira IA resulta em uma ineficiência reprodutiva e perdas econômicas para a operação.
Atualmente, dispomos de tecnologias que podem nos auxiliar no programa reprodutivo do rebanho, como os protocolos de sincronização e/ou ovulação com IA em tempo fixo (IATF). Entretanto, animais detectados com algum tipo de doença no período pós-parto (primeiros 21 dias) apresentaram 30% menos chance de se tornarem prenhas aos 45 dias pós-parto em relação a animais não detectados com alguma doença (Figura 1). Além disso, as chances de perda de prenhez após o dia 45 de gestação são duas vezes maiores, e as chances de parto da primeira criação pós-parto são 42% menores para vacas que tiveram doenças pós-parto com relação àquelas que não tiveram doença.
Figura 1. Eficiência reprodutiva em vacas sadias e doentes*
*Observações:Todos os resultados foram significantes (P < 0,01) quando afetados pela incidência de doenças; Vacas que não apresentaram doenças antes da inseminação foram usadas como referências para comparação (probabilidade ajustada = 1); Barra de erro representa 95% de confiança; Prenhez no dia 45 se refere aos dados de 6.525 vacas na primeira inseminação pós-parto (Adaptado de Ribeiro, 2015);
Parição por inseminação e perda de prenhez após 45 dias se referem aos dados de 4.476 vacas que foram acompanhadas desde a primeira inseminação até o final da gestação (Adaptado de Ribeiro, 2015). Quando vacas previamente doentes (membranas fetais retidas, metrite, mastite, claudicação e problemas respiratórios e digestivos) são usadas como receptoras de embriões, a sobrevivência embrionária é reduzida e a perda de prenhez é aumentada em relação a vacas previamente saudáveis. O efeito da inflamação na reprodução se estende muito, além da resolução da doença, sendo perceptível em até quatro meses depois.
Além disso, não podemos nos esquecer que o que acaba por pagar a conta da operação leiteira é a produção de leite. Por isso, um parâmetro a ser observado e correlacionado com a ocorrência das doenças no período pós-parto é a produção de leite durante toda a lactação. Recentemente, Carvalho et al. (2019) demonstraram o efeito da ocorrência de doenças no pós-parto com a produção de leite até a semana 14 pós-parto. De maneira geral, animais que não apresentaram nenhuma doença clínica nos primeiros 21 dias pós-parto produziram 357 e 703 kg a mais de leite vs. animais que apresentaram 1 ou 2 casos de doenças nesse período, respectivamente (Figura 2). Trazendo para uma realidade do produtor, se estimarmos um preço de R﹩ 2,00/litro, estamos falando que a ocorrência de doenças nos primeiros 21 dias pós-parto nos penaliza em R﹩ 714 e 1.406/vaca, respectivamente, até a semana 14 pós-parto.
Figura 2. Efeito do número da ocorrência de doença nos primeiros 21 dias pós-parto na produção leiteira de vacas Holandesas (Adaptado de Carvalho et al., 2019).
Um pouco mais adiante no período produtivo e reprodutivo do rebanho, além da tecnologia IATF anteriormente citada, um manejo sanitário olhando para vacinas também beneficia o aspecto reprodutivo do rebanho. De acordo com esse racional, Pereira et al. (2013) demonstraram que a vacinação de vacas leiteiras contra patógenos reprodutivos (herpesvírus bovino-1, vírus da diarreia viral bovina e leptospirose) durante o protocolo de IATF otimizou o desempenho reprodutivo do rebanho de animais que nunca tinha sido vacinados contra esses patógenos (Tabela 1).
Tabela 1. Efeito da vacinação contra doenças reprodutivas sob o desempenho reprodutivo do rebanho leiteiro (Adaptado de Pereira et al., 2013).
1CON = controle não vacinado; VAC = vacinação durante o experimento.
Devido à alta incidência, as doenças inflamatórias (metrite, mastite, hipocalcemia, retenção de placenta) que ocorrem no período de transição (até 21 dias pós-parto) representam um problema importante no manejo produtivo e reprodutivo de bovinos, afetando diretamente a rentabilidade da operação leiteira. Fica cada vez mais evidente que a saúde da vaca leiteira durante o período inicial pós-parto tem implicações importantes para a produção da lactação inteira, reprodução e permanência no rebanho. Sendo assim, a implementação de estratégias de manejo e nutricionais durante o período de transição que reduzam as incidências de doenças clínicas são primordiais para o sucesso da operação leiteira. Dentre as estratégias podemos ressaltar o fornecimento de dietas aniônicas, conforto a nível de ambiência e de camas no composto/free-stall, manejo nutricional que garanta uma dieta de qualidade e que atenda os requerimentos de energia, proteína, macros e microminerais, assim como de vitaminas. Além disso, é importante salientar que animais que apresentam problemas no período de transição terão problemas na qualidade do colostro a ser oferecido ao bezerro que, invariavelmente pode impactar a saúde e desempenho dessa progênie.
Vitor Marcassa - Zootecnista e Coordenador Comercial - Nutricorp
Fonte: Nutricorp
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