Bovinos de Corte

Pecuária começa a mudar paradigmas

Apesar de ainda pequena, é crescente a adoção de medidas para neutralizar emissão de GEE, indicando mudanças no comportamento do criador brasileiro


Publicado em: 11/06/2012 às 17:30hs

Pecuária começa a mudar paradigmas

Há luz no final do túnel. Menos de dois anos após a instituição do Programa ABC – Agricultura de Baixo Carbono - os processos que exigem o envolvimento da pecuária brasileira apresentam gradual crescimento, mesmo ainda de forma lenta. O programa incentiva a adoção de mecanismos tecnológicos e práticas que neutralizem ou pelo menos reduzam as consequências da emissão de gases de efeito estufa (GEE).

A pecuária tradicional – ainda considerada uma das vilãs na emissão – deve adotar, segundo o “ABC”, vários procedimentos sustentáveis como a integração lavoura-pecuária (ILP), integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), recuperação de pastagens degradadas e fixação biológica de nitrogênio em solos de pastagem.

De acordo com o superintendente do Banco do Brasil no Mato Grosso do Sul, Fábio Euzébio, dos 3,15 bilhões disponibilizados pelo ABC para a safra 2011/2012 em todo o País, perto de R$ 1,7 bilhão havia sido aplicado até o mês de março deste ano, com a expectativa de fechar o mês de abril em R$ 2 bilhões. “Só de recursos do BB são R$ 850 milhões”, salientou em apresentação do tema a pecuaristas durante a Expogrande 2012, em Campo Grande, MS.

Deste montante do BB, foram liberados R$ 502 milhões entre junho de 2011 e 16 de abril de 2012. Já dos R$ 2 bilhões disponibilizados pelo DBNES para o mesmo fim, apenas R$ 170 milhões haviam sido contratados até o início da segunda quinzena de abril.

Euzébio usou o exemplo do próprio Mato Grosso do Sul – que detém um rebanho bovino de 22 milhões de cabeças, um dos três maiores do País –para demonstrar que o envolvimento da pecuária no Programa ABC ainda é pequeno. Segundo ele, até outubro de 2011, o Banco do Brasil havia desembolsado apenas R$ 1,8 milhão de crédito no estado. Em março de 2012, fechou com um desembolso total de R$ 34,1 milhões. Até o final deste mesmo mês, as propostas internalizadas chegavam a R$ 84 milhões.

“Vamos fazer um cálculo somando estas duas frentes e supondo que podemos liberar até agora R$ 120 milhões, sendo aproximadamente R$ 90 milhões para recuperação de pastagens, que é a maior demanda no MS”, diz. Neste cálculo foi estabelecido um custo médio de R$ 1 mil por hectare para o trabalho de reforma. “Este dinheiro, portanto, garantiria a recuperação de 90 mil hectares de pastagens, o que representa 1% dos nove milhões de hectares degradados ou em processo de degradação no Mato Grosso do Sul. É ainda muito pouco”, afirma o superintendente.

De acordo com Euzébio, o Banco do Brasil detém 82,3% de todo o crédito agrícola do Mato Grosso do Sul (sua média brasileira é de 64,9%), conta com 6,5 mil clientes agropecuaristas no estado (quase 10% dos 70,2 mil em todo o Brasil) onde ainda soma mais 18 mil clientes da agricultura familiar (de um total de 1,44 milhão no País).

Apesar de considerar ainda pequena a liberação de crédito do programa ABC para a pecuária, Euzébio é otimista quanto ao aumento da demanda diante das necessidades inevitáveis de maior produtividade sem aumento de área e adoção de processos sustentáveis de criação. “Agora é que o trem começou a sair da estação”, ressalta.

Nesta avaliação, o Banco do Brasil diagnosticou as dificuldades que impediram, até agora, maior adesão da pecuária brasileira aos recursos do Programa ABC. Dente elas, Euzébio menciona o desconhecimento do crédito e das tecnologias, ausência de capacitação, dificuldades de ordem legal em algumas regiões brasileiras, o fato do Código Florestal ainda estar em revisão e a mudança de paradigma. “O ABC não financia um item específico, mas sim a finalidade; como exemplo, podemos citar a aquisição de uma máquina, não por ela mesma, mas pela função que exercerá em procedimentos de plantio direto”,explica.

Evolução

Mesmo ainda a passos lentos, a gradual recuperação de pastagens no Brasil já acontece. Quem afirma é o engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Gado de Corte, Manuel Cláudio Motta Macedo. “A coisa já melhorou bem; entre 1983 e 1990 quem falasse sobre adubação de pastagem era enforcado”, salienta.

Segundo ele, é necessário esclarecer que “o pasto não é o vilão de tudo” e salientar que o manejo adequado e a utilização correta fazem com que ele seja instrumento para o sequestro de carbono. “Isso neutraliza todas essas conversas de pessoas e organismos que culpam a pecuária em excesso e que chegam aos nossos ouvidos carregadas de fortes componentes econômicos”, afirma.

Macedo – que também é doutor em ciências do solo e especialista em ILP e recuperação de pastagens degradadas – alerta para o fato de que apenas reformar ou recuperar a pastagem não garante resultados perenes:“é preciso, sobretudo, manter a boa qualidade para evitar que a área venha a se degradar novamente, e isso exige mudanças de hábitos”.

O pesquisador da Embrapa cita os dois fatores principais que, em sua opinião, mais afetam a qualidade do pasto para bovinos no Brasil:“excesso de lotação e falta de reposição de nutrientes”. Apesar de avanços nos últimos anos, Macedo entende que é necessária uma aceleração do processo de melhoramento da pastagem brasileira sob pena de sérios riscos à pecuária nacional. “Não havendo evolução perderemos mais ainda em produtividade e em qualidade ambiental”, avisa.

Indagado sobre o cumprimento das metas do programa ABC (veja box), o pesquisador prefere não arriscar palpites, pelo menos por enquanto. “Vai depender de muita coisa, inclusive da nossa economia se manter próspera como agora; por isso é bom esperar mais alguns anos até os primeiros resultados efetivos aparecerem”, observa.

Sobre os financiamentos para a recuperação das condições das pastagens brasileiras, Macedo acredita que sejam bem acessíveis, mas faz uma observação ao contextualizar o atual quadro econômico e de rebanho nas fazendas de gado de corte: “nos últimos anos o pecuarista se descapitalizou e aconteceram muitos abates de matrizes; o risco é o criador não resistir e usar o dinheiro financiado destinado às pastagens para a compra de rebanho. É como o cachorro correndo atrás de seu próprio rabo!”.

Observação interessante faz o superintendente de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Agrário da Secretaria de Produção do Mato Grosso do Sul, Jerônimo Alves Chaves: “Quem está avançando são os filhos, genros e arrendatários dos pecuaristas tradicionais; boa parte está apostando em sistemas de integração lavoura-pecuária”.

Programa tem metas até 2020

Instituído pelo decreto federal 7.390 de 09.12.2010 que regulamentou a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), o Programa ABC é um compromisso assumido pelo Brasil diante da comunidade internacional em promover a redução das emissões de gases de efeito estufa em percentuais entre 36% e 39% até o ano de 2020.

Dentre as metas está a redução do desmatamento na Amazônia em 80% (em relação à média entre os anos de 1996 e 2005) e de 40% no Cerrado (como referência a média entre 1999 e 2008). No setor agropecuário prevê a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e a implantação de ILPF em mais quatro milhões de hectares.

Outras metas ainda podem envolver procedimentos de pecuaristas. São elas: expansão do plantio de florestas em três milhões de hectares, prática do plantio direto em mais oito milhões de hectares, tratamento de mais 4,4 milhões de m3 de dejetos animais e expansão da fixação biológica de nitrogênio em 5,5 milhões de hectares de áreas de cultivo, em substituição ao uso de fertilizantes nitrogenados.

Os financiamentos estão abertos tanto para pessoas físicas quanto para jurídicas e cooperativas. Em todas as situações exige-se o projeto técnico. Recursos do Banco do Brasil (poupança rural) e do BNDES podem ser tomados até um limite de R$ 1 milhão por cliente em cada ano/safra a uma taxa de 5,5% de juros ao ano.

Para a região onde estão concentrados os grandes rebanhos de corte do Brasil, o Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO) faculta a liberação de até R$ 20 milhões por cliente, grupo empresarial ou grupo agropecuário. Neste caso, os juros dependem do porte e da receita do negócio. Variam entre 4,25% (mini produtor com até R$ 360 mil/ano de faturamento) e 7,22% (grande produtor, com receita acima de R$ 90 milhões/ano).

Fonte: Ariosto Mesquita

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