Bovinos de Corte

Proibir exportação de animais vivos não resolve violações à dignidade animal

O tema da exportação de animais vivos tem despertado crescente preocupação no contexto do agronegócio, alimentando tanto debates judiciais quanto legislativos


Publicado em: 12/06/2024 às 09:10hs

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O aumento da presença e relacionamento de animais com os homens nas últimas décadas trouxe consigo uma também crescente — e justa — preocupação com a saúde e bem-estar de outras espécies. No agronegócio, que acompanha e sente de perto essas preocupações, há um tema que é tão controverso quanto delicado: a exportação de animais vivos. Para o bem do debate, portanto, o assunto deve ser tratado com a seriedade e responsabilidade que ele merece. 

A tentativa de se proibir a prática é objeto de investidas em duas frentes, uma judicial e outra legislativa. Ambas sustentam que só a proibição é capaz de dar fim ao sofrimento animal no transporte. Não parece o melhor caminho. É preciso que haja uma discussão aberta e responsável sobre o tema, que, seguramente, não se resolverá com uma canetada. 

Na via judicial, o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal apresentou uma Ação Civil Pública contra a União com o objetivo de se vetar a prática. Em primeira instância, a 25ª Vara Cível Federal de São Paulo decidiu pela procedência do pedido e determinou a proibição da exportação de animais vivos sob o fundamento de que não estariam sendo adotadas medidas necessárias para a garantia da saúde e bem-estar dos animais. A proibição, se confirmada pelas instâncias superiores, terá eficácia para todo o território nacional. Atualmente o processo aguarda julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Esta ação, porém, não merece prosperar na forma como foi proposta (e acolhida em primeiro grau). A discussão revela questões estruturais, uma vez que envolve algo enraizado na sociedade, que atinge a todos e possui efeitos permanentes. Não se trata, portanto, de algo pontual. A solução passa pelo debate entre todos os atores envolvidos e que não pode ser conduzido com a simplificação de um dualismo “autor x réu”, tampouco se limitar a resolver uma situação passada. A análise dos efeitos práticos da decisão deve contemplar todas as partes. 

Apesar de vários pedidos de ingresso de terceiros ligados ao setor agropecuário no âmbito da Ação Civil Pública, todos foram sumariamente rejeitados pelo juízo, que só admitiu o ingresso da entidade “Mercy for Animals” e do Conselho Federal de Medicina Veterinária. Interditar este debate e a participação de todos os atores envolvidos, incluindo do setor produtivo, não parece ser o melhor caminho. É preciso permitir o debate plural para decidir questões estruturais. Afinal, a prática foi responsável por movimentar cerca de 474 milhões de dólares em 2023 só com a exportação de bovinos.

Não basta o Judiciário proibir determinada prática comercial e fechar os olhos para os problemas imediatos que isso causará. Não só à indústria que se beneficia economicamente da exportação, mas, também, às centenas de milhares de empregos diretos e indiretos que são gerados. Ainda, ao proibir as exportações de animais vivos, a sentença limita o exercício da livre iniciativa, afetando não apenas aqueles que já desempenham essa atividade pecuária, mas também todos os que têm a pretensão de exercê-la.

As falhas estruturais apontadas na Ação Civil Pública sugerem que violações aos direitos dos animais podem acontecer também em outros ramos da atividade de criação de animais para consumo humano. Não só em relação à exportação. Assim, a mera proibição de exportação não será capaz de atingir a solução pretendida ao mesmo tempo que causará uma série de outros problemas de ordem social e econômica na cadeia produtiva.     

Vale dizer que a atividade já é fortemente regulamentada e está sujeita à fiscalização pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em todas as suas várias etapas, além da vigilância sanitária dos países que recebem as cargas vivas. Um debate franco e sério deve passar pela discussão de eventuais incrementos regulatórios, mas não a proibição em si. Nesse sentido, o foro adequado para essa discussão é o Poder Legislativo, onde tramitam dois projetos de lei (PL 3.093/2021 e PL 521/2024). Embora as propostas busquem o mesmo resultado, o Congresso Nacional é um ambiente mais propício para a discussão de soluções para questões complexas, com representantes de diferentes setores da sociedade.

Para questões estruturais há de se dar um tratamento estrutural: com amplo e firme diálogo entre todos que estão e serão envolvidos direta ou indiretamente com o provimento jurisdicional que se pede. Só assim se dará uma solução democrática e justa ao problema, com a necessidade de uma decisão que promova, de forma escalonada, a transição desse estado de desconformidade para um estado ideal, compatibilizando o exercício da atividade econômica com a garantia da dignidade animal.

Eduardo Diamantino é sócio do escritório Diamantino Advogados Associados.

Matheus Cannizza é coordenador da área de contencioso cível estratégico do escritório Diamantino Advogados Associados.

Fonte: Original 123 Comunicação

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