Publicado em: 24/09/2020 às 08:00hs
Muito vem sendo discutindo sobre a necessidade de sombra para animais confinados no Brasil. O racional é simples: o custo para instalação, seja uma cobertura de alvenaria ou sombrite, é compensado com melhor performance do gado? Alguns dados de pesquisa sugerem que o investimento não compensa, como os trechos retirados das publicações abaixo:
“Uma vez que os animais são aclimatados ao calor, não há nenhuma vantagem com a utilização de sombra” Mader et al., 1999.
“O uso de sombra não melhora o ganho de peso e a conversão alimentar de bovinos em confinamento”. Boyd et al., 2015
No entanto, sabemos que ao se trabalhar com animais e sistemas biológicos, alcançar respostas definitivas para questões multifatoriais não é tarefa simples. As pesquisas citadas acima foram desenvolvidas nos EUA, com outras raças (predominantemente britânicas), em outras condições climáticas e de dieta. Será que na prática, no Brasil, as hipóteses americanas são verdadeiras?
Resolvemos avaliar isso no Brasil na forma de um estudo controlado no confinamento da Agropecuária Brunozzi*, de Campina Verde/MG (Figuras 1 e 2). O estudo passou por crivo estatístico da equipe de análise de dados da Nutron/Cargill e seguiu um protocolo experimental validado pela academia. Ao todo foram avaliados 2.497 animais, distribuídos em 22 currais. A área média de sombra por curral foi de 650 m2 resultando em 4.64 m2 por cabeça, em média.
Para o estudo levamos em consideração a natureza multifatorial do problema, incluindo as perguntas que o produtor deve considerar antes de seguir com a instalação de sombra, por exemplo:
Figura 1 – Confinamento com cobertura de alvenaria da Agropecuária Brunozzi, de Campina Verde – MG, evidenciando a procura por sombra dos animais nelore nos momentos mais quentes do dia.
Figura 2 – Vista aérea do confinamento da Agropecuária Brunozzi, Campina Verde, MG, evidenciando a linha com cobertura parcial de alvenaria.
Sabe-se que animais da raça zebu são mais adaptados aos trópicos, mas isso não quer dizer que os animais não sejam afetados com o excesso de umidade e calor, e percam produtividade em situações comumente encontras no Brasil. A métrica mais utilizada para avaliar as condições ambientais e seu efeito sobre o bem estar animal é o THI, o índice de temperatura e umidade, em tradução livre do inglês. Esse índice correlaciona variações de temperatura e umidade e pode ser avaliado conforme a fórmula abaixo (Mader et al., 2006):
THI = (0.8 × TA) + [(RH × 0.01) × (TA -14.4)] + 46.4, onde:
TA = Temperatura ambiental;
RH = Umidade relativa do ar.
O THI é uma função das duas variáveis mencionadas na equação acima, ou seja, quanto maior for a umidade e/ou temperatura, maior o índice, e maior o estresse sobre os animais. Veja um resumo na Figura 3 abaixo:
Figura 3 – Relação entre temperatura e humidade relativa na composição do THI.
Dias de cocho é outro fator determinante do desafio sobre os animais. Isso porque quanto maior o tempo no cocho, maior a porcentagem de gordura na composição de carcaça, e maior o desafio para troca de calor. Um estudo demonstrou que novilhas com maior escore de acabamento apresentaram mais sinais de estresse por calor quando comparado a novilhas com menor escore (Brown-Brandl et al. 2006).
A dieta também é fator de extrema relevância. Isso porque animais ruminantes possuem uma câmera fermentativa, o rúmen, que fermenta substratos energéticos com consequente geração de calor. Em resumo, ingredientes de mais fácil fermentação ruminal tendem a gerar mais calor e podem aumentar o desafio sobre os animais, enquanto ingredientes que passam intactos a degradação ruminal e são absorvidos no intestino, ou que tem uma taxa de fermentação mais lenta, podem ser uma opção para redução do estresse calórico.
O local de instalação da sombra, assim como a altura da estrutura, também merece atenção especial. Não é desejável acúmulo de animais ou de fezes próximo ao cocho, para que não haja limitação de acesso ao alimento e perda de desempenho do lote. Por isso, uma área mínima por animal deve ser respeitada. A altura da estrutura também influencia na área de sombra total gerada, que deve ser avaliada em m3. Isso determina o total de sombra por cabeça (m3) e o horário em que os animais terão acesso a sombra. É desejável que os animais tenham sombra nos períodos mais quentes do dia, ou seja, entre 11:00 e 16:00, por exemplo. Além disso, a altura da estrutura é importante para evitar o acúmulo de gases que podem interferir com o desempenho e saúde animal.
A alta temperatura e umidade do local onde o trabalho foi realizado é evidenciada pelo uso da câmera de infravermelho que permite uma avaliação mais detalhada do efeito do THI sobre os animais (figura 4 abaixo).
Figura 4 – Imagem com infravermelho de dois animais em diferentes situações de estresse calórico.
A tabela 1 mostra a variação de temperatura, umidade e do THI ao longo do estudo, evidenciando situações extremas, com valores altos de THI (acima de 79, valor considerado perigoso pelo Livestock Weather Safety Index, índice utilizado para determinar o nível de estresse por calor). Esses valores se refletiram no escore de frequência respiratória, principalmente para animais sem sombra. Animais submetidos a sombra apresentaram 99% dos animais com respiração normal, enquanto para os animais sem sombra, 16% apresentou respiração ofegante durante as avaliações visuais. O índice de animais ofegantes é comumente utilizado para avaliação visual de estresse por calor em bovinos de corte.
• A conversão alimentar e biológica para animais com sombra foi 11 e 15% melhor, respectivamente (Tabela 2);
• O consumo de matéria seca foi 8% menor para os animais submetidos ao tratamento com sombra, sem efeito sobre o ganho de peso. De maneira geral, o consumo de matéria seca em animais submetidos a temperaturas extremas é reduzido (< -15° ou >25°; NRC, 1981), com aumentos de consumo quando sombra é oferecida nessas condições (Brown-Brandl et al., 2005). Portanto, nossas observações podem estar relacionadas com as características genéticas e comportamento de consumo de animais nelore e suas interações com a dieta oferecida no estudo (54% amido; 1.36 Mcal ELg) e as condições climáticas do local.
• Durante todo o período de estudo, o consumo de água foi em média 4 litros menor, por dia, para os animais submetidos a sombra (Veja relação entre consumo de água e THI na figura 5 abaixo). Para um confinamento de 10 mil cabeças isso representa uma economia potencial de 4 milhões de litros, em média, por giro.
Figura 5 – Relação do THI e dos tratamentos com e sem sombra sobre o consumo de água (L/cab/dia) nos primeiros 23 dias do estudo.
Para a situação do estudo em discussão, o custo do metro quadrado de cobertura foi de R$ 120. Em resumo, consideramos 2,5 giros por ano, um investimento de R$ 360 por cabeça, um valor médio de depreciação de R$ 14,4/cab e um retorno adicional com os benefícios produtivos de R$ 50 por cabeça. Assim, na situação do estudo, chega-se a 2,8 anos para pagar o investimento.
O uso de sombra em confinamentos pode sim trazer benefícios para animais da raça nelore em situações tropicais. A decisão de uso depende de algumas variáveis e exige uma avaliação específica para cada situação e objetivo produtivo. Portanto, o uso de sombra para animais confinados deixa de ser um paradigma e merece mais estudos aplicados a realidade Brasileira.
*A Nutron agradece a Agropecuária Brunozzi pela confiança e parceria duradoura. A inovação e o compartilhamento de boas práticas tem sido fundamentais para a evolução do setor pecuário Brasileiro.
Fonte: Cargill Nutrição Animal
◄ Leia outros artigos