Publicado em: 25/05/2023 às 09:00hs
Luizinho Caron: Pesquisador Embrapa Suínos e Aves
Por: Monalisa Leal Pereira
A produção agropecuária do Brasil está mais uma vez em estado de alerta. Desta vez o foco são aves, que estão em risco com a proximidade da influenza aviária, doença causada por subtipos de vírus altamente patogênicos. O Ministério da Agricultura e Pecuária declarou estado de emergência zoossanitária em todo o território nacional em função da detecção da infecção pelo vírus da influenza aviária de alta patogenicidade (IAAP) - H5N1 - em aves silvestres no Brasil. A medida foi publicada na edição extra do Diário Oficial da União desta segunda-feira (22), na Portaria nº 587.
Trata-se de uma doença grave, causada por um vírus, e letal para o plantel. Por isso, é de notificação obrigatória e imediata aos órgãos oficiais nacionais e internacionais de controle de saúde animal. A doença já foi diagnosticada no Brasil no dia 15 de maio, em duas aves marinhas da espécie trinta-réis-de-bando e em uma ave migratória da espécie atobá-pardo, no litoral do Espírito Santo. No final de semana, outros casos foram registrados, incluindo um no Rio de Janeiro.
Especialistas reforçam que, mesmo com a presença do vírus nas aves marinhas, o Brasil não afeta a condição de país livre de Influenza Aviária de Alta Patogenicidade e o comércio internacional deve ser mantido. Porém, o estado de alerta deve ser mantido e as medidas devem ser reforçadas.
O alerta se deve especialmente ao impacto da doença na avicultura, tanto em termos econômicos para o País quanto, e especialmente, para pequenos avicultores. “Se a doença chegar aos plantéis comerciais do Brasil, pode impactar significativamente a produção e a vida de produtores. A influenza aviária não é um tema específico da avicultura industrial. É um tema de toda a avicultura, porque é uma doença letal para as aves”, alerta o chefe-geral da Embrapa Suínos e Aves, Everton Krabbe. “Quem produz frango, ovos ou aves de reprodução deve estar ciente da gravidade da situação. E os pequenos avicultores podem perder sua produção, o que muitas vezes significa perder sua subsistência”.
Atualmente, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o Brasil é o maior exportador de carne de frango para o mundo, atendendo 145 países. Só em 2022, o país exportou 4,822 milhões de toneladas de carne de frango. Em produção de carne de frango, o Brasil é o segundo maior no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, com 14,524 milhões de toneladas em 2022. “A avicultura é uma atividade que emprega muita gente. Então, a avicultura precisa de muita atenção neste momento e as barreiras contra o vírus devem ser de responsabilidade de todos”, enfatizou Krabbe.
Então, como evitar a entrada da doença no país e proteger nossa produção e nossos avicultores? Essa é uma das perguntas mais respondidas pelos especialistas da Embrapa Suínos e Aves nas últimas semanas. E a palavra-chave de tudo é biosseguridade, que prevê uma série de estruturas e ações que visam a proteção dos plantéis, diminuindo os riscos sanitários na granja. Regras que valem para todos os sistemas de produção: do comercial, industrial ao colonial. “São medidas e estruturas destinadas a prevenir ou controlar a disseminação de doenças em uma propriedade ou criatório, fundamental para garantir a saúde animal e a segurança alimentar do produtor”, falou Luizinho.
A primeira ação do produtor é a de proteção da granja, definindo os limites de acesso, que são considerados a área “suja”, a de interface e a “limpa”. A área suja é todo o espaço fora da granja, onde o produtor tem dificuldade de controle no fluxo de pessoas, veículos, aves e outros agentes transmissores. Já a área de interface é aquela que compreende a portaria da granja e todo o perímetro em volta. É nessa área que estão também os vestiários, escritório, portão de acesso e arco de desinfecção.
A área limpa é a parte interna da granja, protegida e que o produtor consegue aplicar as normas e regras de biosseguridade. Entre os itens de proteção estão o isolamento da área de produção, a instalação de telas antipássaro, uso de um único acesso às granjas e áreas de desinfecção e controle de visitantes, uso de água potável de qualidade livre do acesso direto ou indireto de aves e cloração da água com no mínimo 3ppm de cloro livre, manter os reservatórios bem vedados.
As orientações de biosseguridade não são apenas para as granjas comerciais. Elas valem também para produção de pequena escala ou de subsistência, pois protegem e evitam que doenças se proliferem. “O cuidado em pequena escala é tão ou mais importante. Pois, se uma doença afeta a produção, isso afeta o sustento e a qualidade de vida do produtor e sua família”, explica o pesquisador. “Neste momento, a criação de aves de pequena escala deve levar em consideração todas as regras de biosseguridade e ainda observar outras, como a compra de aves somente com Guia de Trânsito Animal (GTA) e Nota Fiscal. Isso garante a procedência e saúde das aves”, enfatiza.
Outro ponto crítico e que deve ser foco dos pequenos produtores é que em criações coloniais, ou com acesso das aves à área externa, esses os piquetes precisam ser mantidos protegidos com cercado. Esta cerca deve estar afastada pelo menos cinco metros do perímetro limite dos piquetes. Também não deve ser permitido que as aves se desloquem livremente pela propriedade e sim mantidas em um perímetro de controle e cercado.
Os pesquisadores orientam ainda que os produtores evitem a entrada de novos exemplares de galinhas e frangos no sistema de produção. Quando isso for necessário deixe estes animais em quarentena, isolados dos demais. “Outro item importante é que o acesso das galinhas e frangos de corte a locais de outras criações, como patos, marrecos ou aves exóticas e de vida livre deve ser evitado, uma vez que essas aves aquáticas são hospedeiras e transmissoras do vírus”, explicou Luizinho.
Os principais sintomas que identificam a doença no plantel é a repentina mortalidade de muitas aves na criação e em curto espaço de tempo (menos de 48 horas). As aves apresentam ainda falta de coordenação motora (sintomas nervosos), andar cambaleante, pendem a cabeça para o lado e tem inchaço na região dos olhos, da cabeça e pescoço e nas juntas das pernas. Também tem inchaço da crista e barbela apresentando coloração roxa-azulada ou vermelho-escuro e sinais de apatia.
Ao identificar alguns desses sinais, o produtor deve comunicar o Serviço de Defesa Agropecuária Oficial da sua região. Se as aves estiverem no piquete, imediatamente devem ser fechadas no aviário e nenhum equipamento ou utensílio deve ser retirado do local. Se tiver contato com as aves, deve trocar de roupas e calçados e tomar banho. As roupas e calçados contaminados devem ser colocados em saco plástico fechado até a orientação do profissional da Defesa Sanitária. “O importante é não manipular as aves ou fazer qualquer ação sem a orientação da equipe da Defesa Sanitária”, explicou.
Para orientar produtores e a sociedade em geral, a Embrapa preparou uma página especial no seu Portal (https://www.embrapa.br/suinos-e-aves/influenza-aviaria), com documentos, vídeos, publicações, links úteis, telefones de emergência e materiais didáticos.
Entrevista com Luizinho Caron:
É uma doença já conhecida cientificamente há muito tempo. Ela foi diagnosticada pela primeira vez na Itália, em 1878, como Praga Aviária. Em 1955 o vírus foi identificado como influenza A aviário.
A ocorrência da gripe aviária em humanos, causada pelos vírus H5N1, só foi relatada pela primeira vez em 1997, em Hong Kong. Este "pulo" do vírus aviário diretamente a humanos se repetiu na Ásia e na Europa nos anos seguintes. O que aconteceu é algo raro e acontece quando existe um contato muito próximo entre uma ave doente e uma pessoa - até hoje existem 862 casos no mundo com 455 óbitos. Já a transmissão do humano infectado por ave para outra pessoa é extremamente raro, uma vez que os receptores para o vírus da influenza aviária se encontram apenas no fundo dos pulmões (brônquios e alvéolos). Desde 1997 o mundo vem convivendo com uma aparente rápida evolução dos vírus de influenza e casos de novos vírus aviários de origem na Ásia vem ocorrendo em humanos, que apesar de raros, com variados graus de gravidade da doença e mortalidade. Um novo vírus H1N1 humano causou uma pandemia em 2008 e 2009 e teve origem em um vírus de influenza de suíno que continha genes de vírus aviários e que se manteve circulando em populações de suínos por um período indeterminado, até o momento que foi transmitido e se adaptou em humanos.
A gripe aviária é causada por um vírus classificado como orthomixovirus do grupo A, do tipo aviário. Há três grupos de vírus de influenza: A, B e C. Estes três grupos ocorrem em humanos. Apenas o grupo A infecta diferentes espécies, animais e humanos. Muitos dos vírus de influenza do grupo A são classificados como vírus do tipo humano, vírus de influenza de suínos, vírus de influenza equina e os vírus de influenza aviária. No entanto, alguns genótipos de vírus circulando em determinada espécie podem adquirir a capacidade de infectar outra espécie. Por exemplo, vírus de aves silvestres podem eventualmente ser transmitidos a aves domésticas ou mesmo, mais esporadicamente, a suínos.
Os diferentes subtipos de vírus de influenza são mais comumente encontrados em aves aquáticas, como gaivotas, maçaricos, trinta-réis, patos, cisnes, gansos, marrecos etc. Digamos que essas aves compõem o reservatório natural do vírus de influenza. Ou seja, podem ser portadoras do vírus e excretar o vírus pelas fezes, mas podem não desenvolver quaisquer sintomas da doença.
As aves domésticas terrestres, tais como galinhas e perus, não são consideradas reservatórios dos vírus de influenza, mas são sensíveis à infecção por vírus transmitido por aves silvestres. Porém, galinhas ou perus que se recuperam da fase aguda da doença ficam eliminando por semanas ou mesmo meses após o final dos sinais clínicos. Os patos domésticos e codornas têm tido papel importante como hospedeiros intermediários e reservatórios para a transmissão dos vírus de aves silvestres para galinhas e perus.
Além das aves silvestres ou domésticas, o vírus da influenza aviária pode ser esporadicamente encontrado em espécies de mamíferos marinhos, como os lobos e leões marinhos, focas, baleias e martas. Em agosto de 2022, houve a notificação do primeiro caso de infecção pelo vírus da gripe aviária H5N1 de alta patogenicidade em um urso preto e, além disso, o vírus H5N1 asiático também foi isolado de felinos (como tigres, gato doméstico e leopardos), suínos e cães.
No ciclo natural do vírus ocorre primeiramente a transmissão viral entre as aves silvestres e destas para as aves domésticas. Eventualmente, pode ocorrer a transmissão das aves para os suínos e dos suínos para humanos e de humanos para suínos. Também eventualmente, sob condições bastante peculiares, pode ocorrer a transmissão do vírus aviário de aves domésticas ou de produção diretamente para o ser humano envolvido no manejo das aves. Nos suínos podem ocorrer combinações de genes dos vírus aviários com genes dos vírus que estejam circulando na população suína. Dependendo da adaptação dos novos vírus aos suínos pode haver transmissão do vírus do suíno para o homem e do homem para o suíno.
O principal sintoma da doença causada por subtipos de vírus altamente patogênicos, H5 ou H7, é a morte súbita, muito acima da mortalidade normal de aves no lote, podendo ser superior a 60% ou de até 80 a 100% das aves dependendo da patogenicidade do vírus. Nesse caso, será preciso urgentemente contatar um veterinário para fazer a análise clínica e a necropsia das aves para colheita de amostras para o diagnóstico. Em caso de mortes muito rápidas, as aves podem não apresentar sintoma da doença. Os principais sintomas da gripe aviária em galinhas são: tosse, espirros, muco nasal, queda de postura ou na produção de ovos, ou alterações nas cascas dos ovos, hemorragias nas pernas e as vezes nos músculos, inchaço nas juntas das pernas ou na crista, falta de coordenação motora, diarreia e desidratação. Patos infectados com vírus de influenza altamente patogênico e que excretam o vírus podem não apresentar lesões nem sintomas.
Ao primeiro sinal da doença, procure o médico veterinário para fazer a análise clínica das aves. Comunique a suspeita ao Serviço Veterinário Oficial da região, que fará o trabalho de investigação e, se a suspeita for confirmada, desencadeará todas as medidas para conter o surto o mais breve possível. Não vacine as aves, pois no Brasil não há ocorrência da doença e não há vacinas licenciadas no país.
Sim, quase todos os países da América do Sul já registraram casos de influenza aviária, em aves silvestres e muitos também em aves industriais e de subsistência. No continente americano a doença também já chegou nos EUA, Canadá e México.
Não misturar aves de espécies diferentes no mesmo aviário, principalmente galinhas e frangos com aves aquáticas, como patos, marrecos, gansos ou pior ainda, com aves silvestres. Na avicultura comercial, utilize apenas aves de linhagens comerciais, mesmo se forem aves caipiras ou de criações de subsistência. É preciso também cercar os galpões com tela. Essa é uma medida fundamental para impedir a entrada e contato direto com aves de vida silvestre. Recomenda-se também evitar contato de galinhas com outras aves, especialmente outras espécies de aves domésticas, aves silvestres ou aves migratórias. Se houver uma propriedade avícola com suspeita de influenza, não visite a propriedade. E na hora de comprar aves, procure somente plantéis certificados ou registrados junto ao MAPA e não compre jamais aves ilegalmente e nem transporte aves sem autorização oficial de trânsito animal.
O Ministério da Agricultura e Pecuária estabeleceu um Plano de Contingência para Influenza que prevê as ações exercidas por veterinários do serviço oficial do estado, município ou federal. Em primeiro lugar, o produtor deve lavar bem as mãos e corpo após contato com as aves suspeitas. Somente o Serviço Veterinário Oficial pode confirmar se a suspeita é fundamentada. O produtor também deve contatar os serviços de saúde oficiais de agricultura e de saúde do município para orientações. Nunca deixe pessoas estranhas entrarem na sua unidade produtora. Se voltar a ter contato com as aves, use máscaras de proteção para evitar respirar o vírus excretado pelas aves nas secreções nasais, oculares, fezes, assim como a poeira do ambiente contaminado. Deve-se evitar o contato entre lotes doentes e os não infectados. A eliminação e destino das aves afetadas, caso o diagnóstico seja confirmado pelo Mapa, estará a cargo da defesa sanitária animal. Além disso, a indenização será feita de acordo com as normas de cada estado. O produtor não deve tomar qualquer medida por conta própria em virtude do risco de disseminação e, mesmo que raro, o risco de se contaminar com a doença. O transporte de aves com influenza não é permitido na legislação de controle de focos da doença e o controle de suspeitas da doença deve ser supervisionado pelos Serviços Oficiais de Defesa Sanitária Animal.
É muito baixo, pois a influenza aviária não foi diagnosticada em aves domésticas no Brasil, até o momento. Além disso, não há evidências que sugiram que os vírus da gripe aviária possam ser transmitidos a humanos através da carne ou ovos devidamente preparados. A maioria dos casos de contaminação de humanos no mundo foram infecções esporádicas expostas ao vírus A(H5) através do contato com aves infectadas ou ambientes contaminados, incluindo mercados de aves vivas. Alguns casos humanos de influenza A(H5N1) foram associados ao consumo de pratos feitos com sangue de aves cru e contaminados. Um outro a uma tentativa de reanimação de uma ave, através de respiração boca-boca.
Fonte: Embrapa Suínos e Aves
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