Aquicultura e Pesca

Cinco motivos para repensar o consumo de salmão

O salmão é um peixe muito apreciado pela culinária brasileira. Pintado pela indústria e impulsionado pela publicidade como um alimento saudável, prático, versátil e até mesmo sofisticado


Publicado em: 19/09/2022 às 14:50hs

Cinco motivos para repensar o consumo de salmão

No entanto, o que poucos sabem é que os salmões consumidos aqui no Brasil são trazidos de longe, provenientes de sistemas de criação intensivo (confinado) do Chile, há milhares de quilômetros daqui. Esse sistema é realizado diretamente no oceano, o que causa sérios impactos negativos, tanto para o bem-estar desses animais como para o meio ambiente. Além disso, esses peixes têm problemas de saúde, recebem grande quantidade de substâncias artificiais ou tóxicas e são alimentados com ração de restos de outros peixes, ou seja, nada sustentável.

A Alianima, organização que atua na agenda de proteção animal e ambiental no Brasil desde 2019, destaca cinco motivos pelo qual devemos pensar antes de consumir o salmão. A ideia é chamar atenção sobre os impactos ambientais e engajar os consumidores para o bem-estar de peixes, agenda que começa a dar os primeiros passos no Brasil. 

1. Não existe salmão fresco no Brasil

O salmão que se consome aqui é, em sua grande maioria, importado do Chile, sendo proveniente de fazendas de produção que se desenvolveram a partir da introdução desse peixe no país. Para que os salmões do Atlântico criados no Chile cheguem até o Brasil, acabam sendo transportados em caminhões refrigerados por milhares de quilômetros, podendo levar dias e dias para chegar aqui, dependendo da região. 

2. Salmão vendido no Brasil é colorido artificialmente.

A cor avermelhada, que é uma característica marcante do salmão, vem da alimentação de crustáceos, incluindo camarões. Esses crustáceos são animais que se alimentam de algas ricas em astaxantina - um carotenoide de cor rosa-avermelhada. É esse carotenoide das algas, presentes nos crustáceos dos quais os salmões se alimentam, que é responsável pela coloração avermelhada. 

Mas, quando os salmões são criados em cativeiro, eles comem ração. Assim, para efeitos estéticos que agradem o consumidor, os produtores adicionam um corante artificial, ou seja, uma astaxantina sintética, à ração oferecida aos peixes em sistemas de produção. Sem isso, a carne do salmão cultivado seria branca, como no caso de outros peixes. 

3. Ração aditivada com antibióticos 

Os salmões chilenos são cultivados em sistemas intensivos de criação, mais especificamente em tanques-rede que se assemelham a ‘gaiolas’ flutuantes no mar. Nesses sistemas, em que os peixes são mantidos em altas densidades, não é difícil imaginar que o surgimento e a propagação de doenças possam ocorrer facilmente. Para evitar esse problema, os produtores acabam usando uma quantidade muito elevada de antibióticos na ração que oferecem aos salmões. Isso é prejudicial para a saúde dos peixes, para a saúde das pessoas que se alimentam desses salmões e também para o ambiente marinho – já que uma grande quantidade de dejetos e substâncias potencialmente danosas provenientes das rações é despejada diretamente no ambiente, trazendo sérios prejuízos para o ecossistema marinho.

4. Salmão pode ter… piolhos!

O piolho do mar é o nome popular de um pequeno crustáceo parasita que pode se alojar externamente na pele dos peixes. Esses ‘piolhos’ podem parasitar salmões e é claro que quando esses peixes ocorrem em altas densidades - como no casos dos sistemas intensivos de produção no Chile - o problema de infestação pode ser bem pior.

5. Truta salmonada disfarçada de salmão?

Embora no Brasil não seja possível pescar nem produzir salmão, é possível criar trutas, que são peixes da mesma família dos salmões, os salmonídeos. E há espécies de trutas que são muito similares aos salmões, como a truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss). Aqui no nosso país, é possível encontrar as ‘trutas salmonadas’, que nada mais são do que trutas arco-íris criadas em sistemas de produção que passaram pelo processo de ‘salmonização’. Esse processo basicamente se refere à ingestão de ração que contém o corante artificial astaxantina. Assim como no caso do salmão cultivado, quando a truta se alimenta dessa ração com corante em cativeiro, ela desenvolve, de forma artificial, a coloração alaranjada típica do salmão. Pelo fato do preço no mercado do salmão ser superior ao da truta, alguns comerciantes vendem a truta salmonada como salmão, o que constitui fraude.

Produção no Brasil e no mundo

Segundo o Fishcount 2019, cerca de 1,5 trilhão de peixes são capturados na natureza e até 167 bilhões são criados para consumo humano a cada ano em todo o mundo. Esse número é cerca de 25 vezes maior que todos os animais terrestres abatidos juntos, o que corresponde a aproximadamente 73 bilhões.

No Brasil, a Associação Brasileira da Piscicultura estima que, em 2021, a cadeia da produção de peixes no Brasil atingiu 841.005 toneladas, com receita de cerca de R$ 8 bilhões.

Por que pensar em bem-estar depeixes?

Há atualmente um grande conjunto de evidências anatômicas, fisiológicas, comportamentais, evolutivas e farmacológicas que indicam que os peixes são capazes de sentir emoções de maneira similar aos demais vertebrados, e que suas percepções e habilidades cognitivas muitas vezes correspondem, ou até mesmo excedem, as desses animais.

Por isso, a Alianima, através da cartilha ‘Por que e como melhorar o bem-estar de peixes’ orienta a cadeia de produção para o bem-estar de peixes considerando como base aspectos de qualidade da água; alimentação adequada; espaço e densidade; enriquecimento ambiental; insensibilização e abate; e transporte e manejo.  A publicação também traz recomendações adicionais sobre questões ligadas à saúde dos peixes, indicadores de bem-estar desses animais e o controle de predadores nos sistemas de produção, destacando a importância de um treinamento adequado para quem trabalha diretamente com os peixes.

Caroline Marques Maia é Bióloga (Unesp - Botucatu/São Paulo), mestre e doutora em Zoologia na área de comportamento e bem-estar animal (Unesp - Botucatu/São Paulo), tendo desenvolvido parte de seu projeto de doutorado na Pennsylvania State University (EUA). É especialista em Jornalismo Científico pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo Científico da Unicamp (São Paulo). Atualmente, faz parte da equipe da Alianima como especialista em peixes e também integra o FishEthoGroup (FEG), grupo de cientistas internacionais, desenvolvendo perfis de comportamento e bem-estar de espécies de peixes criadas em cativeiro a partir da literatura internacional da área.

Fonte: ALTER Conteúdo Relevante

◄ Leia outras notícias