Publicado em: 11/01/2024 às 13:10hs
José Antônio Ribas Júnior: Presidente do Sindicato das Indústrias da Carne e Derivados no Estado de Santa Catarina (SINDICARNE).
Por: Marcos A. Bedin
O presidente do Sindicato das Indústrias da Carne e Derivados no Estado de Santa Catarina (Sindicarne), José Antonio Ribas Júnior, faz uma avaliação do ano recém-encerrado e formula previsões para 2024, enfatizando que o agronegócio – em especial as agroindústrias da proteína animal – são grandes impulsionadoras do desenvolvimento econômico do País. O PIB do setor cresceu 16% e ancorou a expansão de 3% da economia nacional. A segurança nutricional, com a oferta de alimento de qualidade acessível para toda a população, é a principal contribuição do setor para a sociedade nacional.
Ribas adverte que as deficiências infraestruturais precisam ser atacadas com um grande plano de investimentos para evitar a fuga das agroindústrias. “Não faz mais sentido investir em Santa Catarina, dado o custo futuro logístico e a perda de competitividade perante outros estados, como Mato Grosso do Sul, Paraná e Mato Grosso”, assegura.
Na íntegra, a entrevista:
O Brasil do agronegócio tem plena consciência da importância do setor e do que representa dentro da economia nacional. O que é necessário fazermos é dar uma maior visibilidade para aqueles que não conhecem o setor ou que acabam por receber informações que não correspondem à realidade. O agro brasileiro precisa de um amplo plano de comunicação para esclarecer à população em geral que na produção nacional há uma quantidade significativa de pessoas que trabalham direta e indiretamente no setor e que fazem parte desta locomotiva que impulsiona o Brasil. A balança comercial brasileira foi de 50 bilhões, e para o agronegócio foi de 150 bilhões. Sem o agro o resultado seria negativo. Ou seja, esses dados mostram o tamanho do segmento. Tanto o atual governo federal, quanto a sociedade precisam de uma maneira enfática, e é um trabalho da Frente Parlamentar de Agricultura, apontar a relevância disto para a vida econômica do Brasil, para o desenvolvimento do Brasil. É fundamental.
Os valores agregados aos produtos brasileiros, por terem em sua composição a produção com utilização de commodities, sofrem com as oscilações destas tanto no mercado interno, quanto no externo. Isso afeta diretamente os resultados. Somam, ainda, questões externas (conflitos e mercado) e internas (fenômenos climáticos) que interferem de sobremaneira nos resultados financeiros. O último ano foi muito difícil. Batemos recordes de volumes, mas tivemos margens ruins. É uma série de fatores envolvidos. Observando o mercado externo, os grandes compradores do Brasil estão em situações econômicas recessivas também, como a China e Estados Unidos, com um crescimento decrescente e países da Europa com processo inflacionário. Nota-se o mercado se readaptando e reajustando para uma nova realidade econômica do pós-pandemia, que ainda é uma variável presente. No mercado interno o país está com o poder de compra achatado, em um processo eleitoral atípico e que de alguma maneira também trava a economia do país. Agora começamos o processo de destravar a economia do país e isso permitirá margens mais altas. Óbvio que ainda há todo o processo de custos de grãos. Deixamos 2022, segundo semestre, e parte de 2023, primeiro semestre com valores que afetam a produção de proteínas.
Os custos de milho e farelo de soja têm sido um fator que tem afetado o planejamento das empresas desde 2020, visto que de lá para cá tivemos cenários de conflitos externos (principalmente Ucrânia e Rússia), estiagem e excesso de chuvas (regiões Sul e Sudeste do Brasil), custo do frete e demanda internacional, além da própria utilização do milho para a produção de biodiesel. Quando projetamos 2024 vislumbramos certa estabilidade até o fim de maio, em linha com o que a gente vê no último quadrimestre de 2023, sem grandes oscilações. É muito difícil fazer uma previsão em um mercado que é um pouco especulativo e muito reativo a notícias climáticas, a movimentações de produção. Há o risco sempre de algum novo fato mudar isso. No entanto, a priori, deve ser um ano sem grandes surpresas. Para o setor, o melhor dos mundos é a estabilidade, porque tanto o grão caindo quanto o grão subindo causa algumas repercussões dentro da cadeia que geram algumas situações difíceis para o setor administrar. Um processo mais estável fica mais fácil fazer o planejamento. Creio que tudo isso traz um 2024 mais previsível. Contudo, a partir deste período as análises deverão ser feitas levando em consideração as safras do Brasil, da Argentina, Paraguai e Estados Unidos, o que determinará oferta e por consequência, preço.
O consumo de proteína animal no Brasil, quando comparado a alguns países classificados como desenvolvidos, é muito mais acessível e com preços muito convidativos. Há proteínas com valor mais elevado como a da carne bovina, contudo, outras possuem um menor preço, tais como aves, suínos e ovos. Os fatores internos podem interferir na migração para uma ou outra espécie de proteína, mas continuará sendo acessível no Brasil desde que condições de macroeconomia permitam empregabilidade e renda. Assim, o ano será um pouco mais previsível, a economia destravando um pouco. As eleições municipais acabam afetando a vida, porque os novos governos estaduais começam a liberar obras o que movimenta a economia. Acredito que haja uma recuperação do consumo, recuperação de margens, que seja possível repassar um pouco desse custo, pois o setor precisa viver com margens positivas para continuar investindo, crescendo, ser a locomotiva do Brasil. Esperamos essa recuperação com um consumo mais estável.
O Brasil está em negociações com alguns países do continente asiático e africano e busca acessar, com algumas proteínas, o mercado europeu. Tão importante quanto acessar novos mercados, os quais nos reservamos o direito de não mencionar para não atrapalhar negociações ou mesmo gerar expectativas que podem ser frustradas, é manter e ampliar as exportações para os mercados que já somos certificados e que reconhecem a excelência do nosso produto. Além disso, há um forte fomento por parte do setor agroindustrial para o aumento do consumo interno já que temos um potencial de desenvolvimento gigantesco dentro do Brasil.
Inicialmente é importante esclarecer que a Influenza Aviária é uma doença presente em animais de vida livre e que já circula há mais de 24 meses no continente sul-americano. Quando observamos este comportamento da doença devemos estar atentos à diferenciação da presença desta nos animais silvestres e na produção comercial. Esta última é nosso foco de atenção e de reforço nas medidas de biosseguridade que o Brasil já pratica há mais de 20 anos. Destaco, contudo, que se trata de vigilância permanente de quem é do setor e de quem também não é, visando assim mantermos sempre nossa produtividade comercial e os mais de 1 milhão de empregos gerados no setor. Todas as medidas de biosseguridade, as ações do setor e os cuidados que a população em geral deve ter estão devidamente divulgadas no site do Ministério da Agricultura e são reforçadas por todo o setor nos meios de comunicação tradicionais e plataformas digitais. O único país do mundo que teve influenza em animais de vida silvestre, de vida livre, e que não apresentou casos em animais de produção é o Brasil. Mostra definitivamente a seriedade do trabalho que é realizado. Ou seja, a blindagem das granjas, o comprometimento dos nossos produtores e de todos os entes da cadeia, áreas de vigilância estadual, federal, empresas cooperativas, produtores ou transportadores.
Cito até um exemplo mais enfático: quando houve um caso no Chile, em 72 horas eliminaram a situação. Tivemos um caso em animais de produção, eram animais isso repercutiu em fazer até fechamento de mercado, mas é importante registrar que entre a positivação do caso, o laudo positivo do caso, a eliminação total das aves daquela propriedade e de um raio ao redor daquela propriedade se fez em 24 horas. Trabalho brilhante da CIDASC, mostra a seriedade do trabalho que se faz no Brasil, é mais um exemplo. O ano de 2024 continua desafiador, continuamos altamente vigilantes, porque é um caso que realmente cria muitos receios dentro do mercado e a gente quer que o Brasil continue livre. Vamos fazer de tudo, continuar o nosso trabalho de cuidar de todos os elos da cadeia, da blindagem das nossas granjas para manter esse patamar.
As proteínas como um todo atendem os diferentes consumidores e suas expectativas. O processo de criação de novas proteínas é uma destas e, possivelmente, esteja disponível em escala industrial em 10 anos. Tão importante quanto isto é entendermos que centros de pesquisa e desenvolvimento vão muito além de uma nova espécie de proteína, mas de melhoramento das já existentes como pudemos acompanhar nos últimos 40 anos como os trabalhos desenvolvidos pela Embrapa. Todo e qualquer processo de pesquisa e desenvolvimento de produtos possui critérios, fiscalização e rigor técnico-científico, bem como gestão e acompanhamento governamental e abre fronteiras para o conhecimento.
A logística afeta diretamente o preço. É importante que as pessoas saibam disto. Rodovias ruins, tráfego de longo percurso com veículos de carga, carência de infraestrutura aeroportuária e praticamente inexistência do modal ferroviário no Brasil aumentam o custo dos produtos e a produtividade das empresas. Aqui precisamos fazer duas percepções. Santa Catarina é um estado rico com a excelência na produção de proteína de aves e suínos, liderança em exportações, as melhores certificações, os melhores mercados atendidos, e o sofre com absoluto descaso no investimento em estrutura logística. Nossas rodovias estão em péssimas condições de conservação, de trafegabilidade, e continuamos andando de lado, na melhor das hipóteses, em relação a termos uma ferrovia, e com os nossos portos aí enfrentando as dificuldades que enfrentamos no ano 2023. Seja por conta de situações climáticas que fecharam portos e afetaram e dificultaram muito a vida das agroindústrias, questões estruturais, como um porto de Itajaí que não está operando. Não teremos um desenvolvimento pleno do Brasil, no agro ou em quaisquer outras cadeias produtivas se não houver um sério e comprometido plano de Estado para a logística. Veja, não falamos em planos de governo que vêm e vão a cada ciclo de 4 ou 8 anos, mas sim planos duradouros (50 ou 100 anos). Apenas com um plano de Estado poderemos virar o jogo do desenvolvimento nacional e melhorarmos nossa competitividade no mercado externo e, assim, termos menores preços no mercado interno.
O modal ferroviário, comprovadamente, possui menores custos ao rodoviário, quando o trajeto for superior aos 350 quilômetros de distância. Para produção de proteínas em Santa Catarina trazemos os insumos do Mato Grosso ou Mato Grosso do Sul por modal rodoviário por não termos volume que atenda o Estado, ou seja, mais de 2.000 quilômetros quando consideramos ida e volta. Isto é contraproducente. Os custos se tornam elevados. Não é diferente no escoamento da produção do Oeste catarinense para os portos do Estado. O custo logístico se tornou muito relevante na carteira de custos do agronegócio, a distribuição de produtos para logística de curta distância, de longa distância e logística internacional, têm se tornado cada vez mais caras e Santa Catarina passa por essa dificuldade, tanto na entrada de insumos, fundamentalmente grãos. Acredito que está chegando num ponto que agora, de fato, os investimentos não ficarão mais em Santa Catarina. Não é mais uma questão de tendência, de fazer as contas certinhas e perceber que não faz sentido investir mais em Santa Catarina, dado o custo futuro logístico e a perda de competitividade perante outros estados, como Mato Grosso do Sul, Paraná, Mato Grosso, que estão fazendo investimentos em logística muito maiores e que permitirão ter uma condição muito mais favorável. Nesse aspecto preocupa muito o futuro de Santa Catarina. A gente enxerga um futuro que, no máximo, levará Santa Catarina a manter o tamanho que tem e não mais observar crescimentos de produção, porque não consegue ter mais competitividade que seja atrativa para novos investimentos. O movimento Pró-Ferrovias iniciado pelo setor privado em Santa Catarina e abraçado pelo Governo do Estado não tem volta. Precisamos disto, já que nos últimos 10 anos a média de emissão de novas carteiras de motoristas profissionais de carga caiu em 22% e a idade média destes é de 53 anos. Acaso não consigamos agir rapidamente, o Brasil terá um colapso logístico por falta de mão de obra e/ou elevação de custos.
O sistema tributário ainda precisa passar por um processo de simplificação da forma de recolhimento e compensação das cadeias na produção. A Reforma Tributária poderá contribuir, de acordo com o que for regulamentado, para esta simplificação. Há pontos obscuros a serem sanados e aos quais precisaremos estar atentos. O agronegócio brasileiro tem acompanhado as propostas, tramitação dos temas e contribuído na construção de um sistema mais justo. Agora é aguardar a retomada dos trabalhos legislativos para entender a dinâmica a ser apresentada. A questão tributária brasileira é muito complexa. Penso que foi uma iniciativa importante do governo começar a mexer nesse context. Todo esse caldo da questão tributária passa muito longe de ser uma reforma que atenda às expectativas econômicas do país, de desenvolvimento, de destravamento de investimentos. O Brasil precisa urgentemente simplificar seu sistema tributário e aliviar a carga sobre o empreendedorismo, para que haja geração de emprego e riqueza. E isso é o ciclo virtuoso do crescimento. Você tributa menos, torna o sistema tributário mais simples, permite investimentos, o empreendedorismo acontece, isso gera mais movimentos, e por consequência, mais retorno para o próprio estado. Todavia é imperativo que governos municipais, estaduais e federais entendam que enxugar a máquina é fundamental, que reduzir custos de operação de governo é fundamental. Não dá para buscar o tempo todo o financiamento da sociedade para uns custos crescentes de governo. Isso não é sustentável. É necessário cada vez mais, colocar a questão tributária sob duas óticas, da redução do custo de governo e da simplificação e do destravamento do investimento privado, para que aí, sim, haja até mais retorno para o governo. Precisamos, realmente, de uma mudança de mentalidade, para não perdermos competitividade perante outros países que estão em movimentos diferentes do nosso e mais velozes nessa simplificação e que vai permitir a volta dos investimentos, investimentos grandes no Brasil. A nação tem potencial, é o que falamos “o país do futuro”, mas que tropeça nas próprias pernas.
Fonte: MB Comunicação Empresarial/Organizacional
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