Publicado em: 27/11/2014 às 01:00hs
Sérgio Parreiras Pereira: Pesquisador do Instituto Agronômico – IAC, possui graduação em Agronomia pela Universidade José do Rosário Vellano (1997), mestrado em Agronomia (Fitotecnia) pela Universidade Federal de Lavras - UFLA (2004) e doutorado em Agronomia (Fitotecnia) pela Universidade Federal de Lavras - UFLA (2013)
Por: Embrapa Café
A certificação de cafés sustentáveis é uma das exigências do mercado consumidor interno e externo. Assim, o setor produtivo brasileiro, atento a essa demanda de consumidores dispostos a pagar mais por um café diferenciado, tem adotado, cada vez mais, boas práticas agrícolas e de gestão na sua atividade.
São vários os programas de certificação em andamento no Brasil e cada um deles possui normas ou códigos de conduta que visam atender requisitos específicos e exigências de empresas e consumidores de todo mundo. Em geral, são realizadas por meio de treinamentos de auditores, responsáveis técnicos e produtores, o que garante que o café é produzido em conformidade com os requisitos especificados em cada uma das normas pré-estabelecidas pelas entidades certificadoras.
Para explicar o que é certificação de café, o crescimento desse mercado consumidor e assuntos correlacionados, a Embrapa Café entrevistou o pesquisador Sérgio Parreiras Pereira, do Instituto Agronômico – IAC, instituição participante do Consórcio Pesquisa Café. Parreiras possui graduação em Agronomia pela Universidade José do Rosário Vellano (1997), mestrado em Agronomia (Fitotecnia) pela Universidade Federal de Lavras - Ufla (2004) e doutorado em Agronomia (Fitotecnia) pela Universidade Federal de Lavras - Ufla (2013). Para o pesquisador, "o Brasil é o maior produtor e fornecedor de cafés certificados do mundo. Ao longo dos últimos anos os cafeicultores brasileiros têm adequado suas propriedades às diferentes normas e códigos de conduta vigentes. A demanda por cafés sustentáveis é crescente e o Brasil deve estar atento à manutenção e ampliação dessa liderança no mercado internacional".
Confira entrevista de Sérgio Parreiras Pereira:
Embrapa Café - O que é certificação de café e quais seus critérios técnicos?
Sérgio Parreiras - A certificação de produtos agroalimentares tem estrita relação com as Boas Práticas Agrícolas - BPA´s e com o desenvolvimento sustentável, temas que passaram a ser discutidos a partir das décadas de 70 e 80. As BPA's são baseadas nos princípios de segurança alimentar, preservação ambiental e respeito aos envolvidos no processo produtivo, visando integrar sob um só conceito as exigências agronômicas e as do mercado. O conceito de sustentabilidade se refere principalmente às consequências do impacto da atividade econômica no meio ambiente, em relação à qualidade de vida e ao bem-estar da sociedade atual e futura. O consumidor e as redes varejistas atualmente exigem a garantia de que o bem ou serviço que estão adquirindo estejam em conformidade com normas previamente estabelecidas; e a certificação tem sido a forma mais utilizada para essa constatação. Assim, um produto certificado, no caso o café, possui um atestado, emitido após a propriedade ter sido auditada, de que foi produzido de acordo com os princípios envolvidos nas dimensões econômica, ambiental e social.
Quais são os principais selos de certificação existentes no Brasil hoje e em quais regiões cafeeiras estão presentes?
O Brasil é o maior produtor e fornecedor de café sustentável certificado do mundo, sendo produzido basicamente em todas as regiões cafeeiras do País, independentemente do selo ou programa de certificação. A região do Cerrado Mineiro, em volume, é a maior fornecedora de cafés certificados. São muitos os programas de certificação e/ou verificação de cafés sustentáveis no Brasil, cada qual voltado a um tipo de sistema de produção ou perfil de agricultores. Destacam-se: Utz Certified, Rainforest Alliance, Certificação Orgânica, FairTrade, Certifica Minas Café, Associação 4C, Nespresso AAA e Starbucks C.A.F.E. Practices. Cada um desses programas ou modelos de certificação possuem características e exigências próprias, dependendo do foco relacionado ao perfil de consumidor-alvo. Alguns certificados são mais focados na dimensão ambiental, outros na social. Alguns são voltados a grupos de agricultores familiares, outros atuam mais com a agricultura empresarial. Outros focam em cafés de altíssima qualidade, outros na eliminação de defensivos agrícolas. E há ainda programas governamentais de incentivo à certificação e outros ligados a grandes corporações de fornecimento de café ao consumidor final. O detalhamento do foco de atuação e requisitos de cada modelo e/ou programa varia muito.
Quais as vantagens comparativas em termos de renda e competitividade para o cafeicultor que certifica seu produto?
Em um primeiro instante, há uns 10-12 anos, quando se iniciou a adesão aos programas de certificação no Brasil, certificaram-se fazendas ligadas a grandes grupos empresariais, pois já se encontravam em bom nível organizacional e possuíam possibilidade de investimento para adequação às exigências. Nesse período, existia grande diferencial de preço entre os cafés certificados e os não certificados, o que foi diminuindo ao longo dos anos, a partir da entrada de maior número de cafeicultores nos programas e consequente ampliação do volume de oferta desses cafés. Os cafeicultores que aderirem hoje aos programas de certificação não experimentarão esse diferencial de preço tão marcante quanto no passado, mas existem outros benefícios menos tangíveis, tais como melhoria no sistema de gestão, mais acesso ao mercado, arranjos contratuais de longo prazo, reduções nos riscos, melhoria da vida dos trabalhadores e redução dos impactos no meio ambiente. Com a certificação, o produtor demonstra ao comprador ou consumidor de café uma imagem de confiança, além de diferenciar seu produto dos demais, aumentando a competitividade da sua produção.
É possível mensurar o mercado potencial de cafés certificados no Brasil e também no exterior?
O Brasil, a despeito de ser o segundo maior consumidor mundial de café, atrás apenas dos Estados Unidos, começou um pouco mais recentemente a experimentar o mercado de cafés sustentáveis certificados. Percebe-se, entre os consumidores de café no Brasil, percentual disposto a adquirir cafés com apelo sustentável. Sensíveis a isso, algumas agroindústrias passaram a oferecer esses produtos diferenciados. Reflexo disso, há alguns anos, existe iniciativa da Associação Brasileira da Indústria do Café – Abic para fortalecer esse segmento por meio do Programa Cafés Sustentáveis do Brasil – PCS, que visa introduzir o mercado brasileiro na nova tendência mundial de consumo consciente. O objetivo é estimular um segmento ainda pequeno no Brasil, mas que tem enorme potencial de crescimento. No exterior, o crescimento do mercado de cafés certificados brasileiros é maior do que o de café convencional, variando de país para país. Grandes corporações ligadas à industrialização de café, há algum tempo, vêm assumindo compromissos públicos de ampliação da aquisição e fornecimento de cafés sustentáveis aos seus mercados consumidores. Pessoalmente acredito que esse seja um mercado que ainda está longe da saturação e que essa tendência de busca de produtos sustentáveis pelos consumidores seja um caminho sem volta.
Além das certificações privadas mencionadas, poderia destacar algum programa governamental de sucesso de certificação no País?
No Brasil, existe inciativa pública de sucesso, que é o programa Certifica Minas Café, criado pelo Governo do Estado de Minas Gerais no ano de 2006. As primeiras certificações no âmbito do Certifica Minas foram realizadas em 2008. Foi implantado com a intenção de promover as boas práticas agrícolas na cultura do café em todo o Estado e segue uma série de critérios internacionais. O programa está vinculado à Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado de Minas Gerais - Seapa. As orientações técnicas e a colaboração para implantação e manutenção da certificação ficam por conta da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais - Emater-MG. A expectativa é de que o programa atinja a marca de 1.700 propriedades cafeeiras certificadas até o fim de 2014.
E, no exterior, mais especificamente com relação aos principais concorrentes do Brasil, qual é a realidade da certificação?
Esse é um ponto muito importante a ser levantado. A maioria dos programas de certificação e/ou verificação possuem em seus códigos de conduta as diretrizes básicas a serem avaliadas nos processos de auditoria e inspeção nas fazendas. Esses modelos também levam em consideração a legislação vigente em cada país e, nesse sentido, comparativamente aos demais países produtores, o Brasil possui leis ambientais e sociais mais rígidas. Esse fato onera o cafeicultor brasileiro, pois aqui há exigências mais duras, comparativamente em relação a outros países produtores, que têm legislação mais branda. Assim, uma embalagem de café com um mesmo selo internacional, de diferentes origens, carrega distintos níveis de exigências. O Brasil e seus cafeicultores devem estar atentos a esse fato e demonstrar ao mercado o quão sustentável são seus cafés.
Nesse contexto, o consumidor, seja no Brasil ou no mundo, está cada vez mais exigente em relação a todos os produtos alimentares, particularmente em relação à segurança alimentar e sustentabilidade social e ambiental. Como a certificação atende essas demandas crescentes dos consumidores?
A rápida mudança ocorrida nos últimos anos, de incremento da competitividade no setor produtivo e industrial, tem demonstrado que a segmentação de mercado e a diferenciação de produtos são estratégias que vêm esboçando sucesso dentro do sistema agroindustrial do café. Os consumidores mais exigentes e conscientes de seus direitos são os mesmos que se mostram dispostos a pagar mais por um produto diferenciado. O novo consumidor exige a garantia de que o produto agroalimentar esteja em conformidade com os requisitos especificados, o que é feito por meio da certificação. O sistema agroindustrial do café internalizou de forma rápida esses conceitos e exigências e, atualmente, a certificação faz parte da realidade de muitas propriedades cafeeiras.
Em sua opinião, como a pesquisa agrícola contribuiu e ainda poderá contribuir para a certificação de cafés?
Eu acredito que a pesquisa e a certificação agrícola são grandes aliadas e andam lado a lado. A certificação, além do cumprimento da legislação vigente, leva em consideração as Boas Práticas Agrícolas - BPAs, que nada mais são do que uma estratégia central ou ferramenta de produção agrícola que envolve a adoção, por parte dos produtores, de uma série de mudanças tecnológicas e metodológicas relacionadas com a maneira de produzir e processar o café. Essas alterações ou sugestões para os sistemas produtivos são geradas pela pesquisa agrícola e difundidas pelas entidades de assistência técnica e extensão rural. Assim, a adoção das BPA´s nas propriedades cafeeiras nada mais é do que a utilização de toda a base teórica e prática para produção de café, que leva em conta as dimensões social, ecológica e econômica da sustentabilidade, contribuindo também para a segurança alimentar.
Como o Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café, vem contribuindo para a expansão da certificação dos Cafés do Brasil para os grandes, médios e pequenos cafeicultores?
O Consórcio Pesquisa Café e suas consorciadas vêm, ao longo dos anos, contribuindo substancialmente de forma direta e indireta para a certificação dos Cafés do Brasil. Parte da pesquisa gerada por entidades ligadas ao Consórcio e outras iniciativas (Instituto de Ciência e Tecnologia do Café – INCT Café; Polo de Excelência do Café e fundações de apoio à pesquisa) são prontamente aplicáveis no campo. Reitero que a fundamentação teórica e prática das BPA´s foram amplamente pesquisadas pelas instituições consorciadas antes de serem recomendas à assistência técnica. Uma forma de contribuir ainda mais para a expansão da certificação no Brasil seria o Consórcio protagonizar a implementação de programa de assistência técnica e extensão rural, tendo como base as BPA´s.
Mais de 70% dos cafeicultores brasileiros são pequenos e/ou familiares. Para esse expressivo segmento da cafeicultura, a certificação é também acessível?
Conforme relatado anteriormente, não se pode generalizar a certificação. Existe programa de certificação, o FairTrade, conhecido como "Comércio Justo e Solidário", específico para cafeicultores familiares. Estes precisam estar organizados em grupos ou cooperativas e ser conduzidos democraticamente e politicamente de forma independente. Para esse certificado, exige-se que a maior parte do volume comercializado seja proveniente da agricultura familiar. Existem programas públicos de inserção de cafeicultores familiares no mercado de cafés sustentáveis certificados, como é o caso do já mencionado Certifica Minas Café. Os demais modelos e programas possuem níveis diferenciados de facilidade para acesso de cafeicultores familiares, mas em nenhum deles é impossível a sua participação. Alguns modelos trabalham com a certificação em grupo para facilitar e baratear o custo de auditorias e verificações.
Que políticas públicas poderiam ser implementadas para aumentar acesso à certificação por parte dos pequenos cafeicultores?
Pessoalmente eu acredito que a inserção de cafeicultores familiares no mercado de cafés certificados sustentáveis passa obrigatoriamente por um programa de Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER. A adoção das BPAs e de uma gestão racional de suas propriedades deve ser orientada e conduzida por técnicos de ATER treinados e capacitados para tais atividades. Para que os cafeicultores adotem prática e/ou tecnologia primeiramente têm que saber que ela existe, depois estar convencidos dos seus benefícios e, por último, ter recursos financeiros para execução. Nesse sentido, programas de comunicação rural e de ATER que difundam as tecnologias geradas pela pesquisa agrícola aos técnicos de ATER e, consequentemente aos cafeicultores, se fazem necessárias. Políticas específicas de financiamento para adoção de tecnologias e/ou práticas devem ser elaboradas e/ou implementadas com foco na agricultura familiar. Acredito que tais inciativas possam ter como protagonistas o Consórcio Pesquisa Café em parceria com a recém-criada Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural - ANATER, contribuindo diretamente para o aumento da capacidade de produção de cafés certificados no País, especialmente no segmento da cafeicultura familiar.
O Brasil, secularmente, tem mantido a imagem de exportador de cafés commodities. De que forma a certificação pode contribuir para reverter essa imagem e tornar o País conhecido como exportador de café com maior valor agregado?
O Brasil, graças a suas características de País continental, possui enorme variedade de sistemas de produção, clima, cultivares, formas de preparo e ainda sistema efetivo de geração de tecnologias, tendo condições de oferecer café que o mercado procura. Realmente somos Cafés do Brasil, com "S". Um país e muitos sabores. Mas, não basta ser, tem que mostrar ao mercado. Nos últimos anos, o Brasil vem experimentando novas estratégias de marketing, visando à segmentação de mercado e oferta de cafés diferenciados. Temos potencial para oferecer cafés de diferentes sabores e com a chancela da cafeicultura mais avançada, racional e sustentável do mundo. Esse é um trabalho não somente para uma entidade, mas para todos os interessados do sistema agroindustrial do café brasileiro. A participação em feiras, fóruns globais de debates e, principalmente, na articulação e recepção de compradores e traders internacionais vem modificando a imagem dos Cafés do Brasil no mercado mundial. Os cafés sustentáveis certificados vêm na esteira desse processo. Somos a cafeicultura mais sustentável do mundo e os vários programas de certificação instalados no País e os volumes crescentes de exportação de café certificado vêm demonstrando isso ao mercado.
Em setembro de 2013, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa aprovou a Instrução Normativa nº 49, que trata do estabelecimento de normas técnicas específicas para a Produção Integrada de Café. O que está faltando para que essa norma, que contém um conjunto de boas práticas agrícolas e de gestão, seja efetivamente implementada nas principais regiões cafeeiras do País para viabilizar as bases da certificação?
No meu entendimento, a Produção Integrada de Café não deveria ser tratada como mais uma certificação, mas sim ser utilizada como base para o programa de Assistência Técnica e Extensão Rural anteriormente sugerido. Ela foi concebida e construída de forma colaborativa e participativa e apresenta boa forma de gerir a produção cafeeira, a partir de um conjunto de diretrizes técnicas para garantir sustentabilidade econômica, social e ambiental ao agronegócio café. O que se propõe com a Produção Integrada de Café é a apresentação de norma que incentive o aperfeiçoamento gradativo de maior número de cafeicultores que desejam ter seus produtos reconhecidos por meio de certificação. Essa norma deve ser trabalhada, nesse momento, como plataforma de boas práticas para programa de ATER voltado ao agronegócio café. Os cafeicultores, assistidos por técnicos de ATER, ao se encontrarem em um estágio satisfatório de adequações à norma, deverão optar por um dos programas de certificação em andamento no País que possuem reconhecimento internacional.
Fonte: Embrapa Café
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