Análise de Mercado

Nem a pandemia de Covid-19 para o agronegócio brasileiro

Desde março, a hashtag #oagronãopara ganhou as redes sociais


Publicado em: 10/12/2020 às 18:20hs

Nem a pandemia de Covid-19 para o agronegócio brasileiro

Não se sabe exatamente quem a criou, mas sua finalidade é clara: o agronegócio nacional quer ser visto pela sociedade urbana e ter reconhecido seu papel de promotor do bem-estar social. Usada por produtores rurais, empresas, entidades e influenciadores digitais ligados ao setor, a hashtag tem potencial para se tornar um dos slogans mais fortes na história do agronegócio – que, de fato, não falhou em sua função de abastecer a mesa do consumidor brasileiro e ainda exportar para cerca de 170 países. “O Brasil foi um dos poucos países a aumentar as exportações durante a pandemia”, diz o engenheiro agrônomo e agricultor Roberto Rodrigues, que também é coordenador do Centro de Agronegócio na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. “Provamos ter uma capacidade de reação muito rápida.”

Nos últimos meses, a produção brasileira seguiu em frente, enquanto a Europa fechava fronteiras e proibia o trânsito de mercadorias; países como Cazaquistão e Vietnã suspendiam suas expressivas exportações de farinha de trigo e arroz, respectivamente; e nos EUA a indústria frigorífica se aproximava de um colapso por causa dos inúmeros contágios da doença entre funcionários. “A pandemia trouxe de volta para a vida cotidiana a questão da segurança alimentar”, diz Rodrigues. “Há países produtores de alimentos dizendo que não vão exportar o excedente.”

Não é o caso do Brasil. Os dados de janeiro a julho, os mais recentes do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) no fechamento desta edição, mostram que o país enviou ao exterior 131,5 milhões de toneladas de produtos agrícolas por US$ 61,2 bilhões, valor 9,2% acima do mesmo período de 2019. Para o ano, a expectativa é ultrapassar os US$ 96,9 bilhões apurados em 2019 e bater o recorde histórico de US$ 101,2 bilhões de 2018, com um dólar valorizado que injeta ainda mais recursos na economia local. Grãos, carnes, produtos florestais, café e açúcar representam a maior parte desse comércio lá fora, principalmente para os países asiáticos liderados pela China.

Para confirmar um novo recorde, as lavouras estão cumprindo sua função de encher silos e navios. Faltando pouco para fechar a safra de grãos 2019/2020, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta uma colheita de 253,7 milhões de toneladas, 4,8% maior que a safra anterior. Na safra 2020/2021, que começa a ser plantada nos próximos meses, a estimativa é de 278,7 milhões de toneladas de grãos – para, na safra seguinte, ultrapassar a barreira de 300 milhões de toneladas, que há alguns anos era a meta para 2030. “Mais grãos saindo do nosso campo requer também mais mercados”, disse a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em evento da Conab realizado no final de agosto. “Isso é uma das prioridades da minha gestão: a abertura de mercados e a diversificação de produtos na pauta de exportações.”

Desde que assumiu a pasta, a ministra já abriu cerca de 60 mercados para produtos brasileiros. A pauta vai de carne bovina in natura para a Tailândia, um mercado potencial da ordem de US$ 100 milhões nos próximos anos, a pequenas produções quase artesanais como castanha-de-baru para a Coreia do Sul, castanha-do-pará para a Arábia Saudita e gergelim para a Índia. “O pequeno produtor é essencial para o tecido social do campo”, diz Rodrigues. O Brasil tem 5 milhões de propriedades rurais, das quais 2,5 milhões são pequenas áreas de até 10 hectares, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) do agro foi de R$ 1,55 trilhão, 21,4% do PIB brasileiro. A previsão para 2020 é subir a 23,6%.

“Quando a pandemia chegou aqui, medidas imediatas foram tomadas. A ministra Tereza Cristina foi muito hábil”, diz João Martins, presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). “Em um primeiro momento, até falou-se em desabastecimento, mas rapidamente ela veio a público dizer que não existia essa possibilidade.” Martins lembra as medidas tomadas em reuniões da ministra com produtores e agroindústrias: elas foram da garantia de embarque nos portos à infraestrutura logística, com postos de combustíveis, borracharias e alimentação dos caminhoneiros para que as cargas não ficassem paradas nas estradas.

Para Marcello Brito, presidente do conselho diretor da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), com mercados abertos cabe ao setor privado ocupar os espaços. “E para ocupar espaços é preciso ser competitivo”, diz ele. “Se perguntassem a qualquer um do agro se iríamos quebrar recordes em meio a uma pandemia da proporção que estamos vendo, nem mesmo o mais otimista diria que isso aconteceria.”

O bom resultado é fruto do apetite das empresas nos mais variados segmentos, mesmo daqueles que a princípio parecem ter pouca relação com comida no prato. O setor florestal, por exemplo, representa a terceira maior pauta de exportações, atrás do complexo soja e carnes. Neste ano, produtos como papel, celulose e madeira já renderam US$ 6,6 bilhões, equivalentes a 16% do mercado total exportador brasileiro. Matéria-prima para itens de higiene – que passaram ao centro das recomendações de infectologistas –, a celulose respondeu por US$ 3,6 bilhões. No ano passado, as exportações de produtos florestais renderam US$ 12,9 bilhões.