Publicado em: 08/01/2021 às 08:30hs
Miguel Novato: Especialista em Energias Renováveis e ex-diretor do MME, analisa as propostas da Brasilcom. Doutorando em Bioenergia pela Unicamp
Por: Nayara Machado
Em entrevista à epbr, Miguel Novato, especialista em Energias Renováveis e ex-diretor do MME, analisa as propostas da Brasilcom. Doutorando em Bioenergia pela Unicamp, Miguel esteve à frente do Departamento de Biocombustíveis no MME durante a criação e implementação do RenovaBio.
"O foco deve ser na sustentabilidade. Se preocupar com ganhos setoriais em detrimento de não tratar o problema do aquecimento global é privatizar o lucro e socializar o prejuízo. Distorcer argumentos nesse sentido sempre tem um efeito deletério para a sociedade", destaca.
Veja os principais pontos da entrevista:
"O Ministério já fez uma consulta no jurídico sobre isso, e foi dito que é ilegal. Preço-teto não tem mais sentido para o RenovaBio. Outra coisa é que o preço é organizado pela demanda. Como a demanda é distribuída já no CNPE, a partir das metas, o preço teto já está meio que colocado.
A interferência governamental está estabelecida nas metas. É muito mais fácil mudar as metas do que estabelecer um preço-teto".
Comparação internacional -- o regime de preços do Low Carbon Fuel Standard (LCFS) da Califórnia e novos entrantes no RenovaBio
"São modelos totalmente diferentes. Não dá para comparar, porque lá, tanto é um modelo de mercado fechado, quanto a estrutura de ciclo de vida é outra, e inclui toda a produção de energia, não apenas combustíveis líquidos.
Tem sentido fazer a incorporação de novas atividades de descarbonização, porque no final o que conta é a gente produzir menos dióxido de carbono por megajoule [CO2/MJ]. Como isso vai vir, não importa muito. Mas para essa liberalização da produção é importante, por exemplo, ter a venda direta.
A obrigação que está na distribuição está vinculada à venda nas distribuidoras, porque o Brasil tem uma coisa estranha que é a obrigatoriedade de existência de distribuidoras. É possível ceder e incorporar outras produções desde que a venda direta seja também incorporada. Acho que essa é a falha que teve no estudo".
"Eu acho que talvez isso seja mais perigoso do que o preço-teto. É o que o estudo chama de transparência na comercialização. Eles querem que fique claro na bolsa quem emitiu, para que todos os agentes possam ver de onde veio determinado CBIO.
O governo já sabe quem emite o CBIO. O que as distribuidoras querem é saber quem é o produtor porque aí elas podem fazer compensação na compra do combustível. Então, por exemplo, se ele [distribuidor] compra o etanol por R$ 2/litro e o CBIO da usina custa 10 centavos daquela usina, ele paga R$1,90 e mais esses 10 centavos.
Isso seria acabar com o RenovaBio e aconteceu com o RFS (Renewable Fuel Standard Program) nos Estados Unidos. Gerou fraudes nas emissões dos créditos de descarbonização americanos. A gente criou esse véu sobre a comercialização justamente para proteger a integridade do sistema e evitar fraudes".
"O estudo fala que em dez anos o custo do CBIO pode ficar entre 8 e 27 centavos. Só que ele considerou só o repasse necessário para a remuneração do CBIO, e não a variação intra-preços, ou seja, a variação do próprio petróleo. Pode ser que o CBIO tenha variação intra-preços zero.
E mais: ele baixa o preço do biocombustível. Quando é separado só o preço da gasolina, que vai subir de 7 a 8 centavos em dez anos, é desconsiderado o preço da cesta de combustíveis. Quando as pessoas usarem mais etanol, por exemplo, vai sobrar mais gasolina, os postos e fornecedores vão ter que baixar o preço para poder vender mais gasolina.
O RenovaBio, no modelo que a gente fez, reduz o preço da cesta de combustíveis".
"A demanda é estruturada a partir da disponibilidade de CBIOs. As metas do RenovaBio são pequenas. As emissões do setor de transportes em dez anos vão crescer, não vão diminuir. As metas de hoje, que encaixam no número de produção, não são suficientes nem para neutralizar as emissões, nem para mantê-las nos níveis atuais.
As as metas já estão totalmente ajustadas com a oferta. Tanto é que este ano tem mais oferta de CBIO do que meta".
"Pode ser que uma taxa de custódia crie a disponibilidade, mas pode acontecer o contrário. Teria que vir em duas medidas: uma obrigando o produtor a emitir o CBIO em um determinado tempo e mais a taxa de custódia. Se fizer só uma dá errado.
O efeito que pode ser negativo é que o preço pode ser tão baixo que a usina não vai querer se certificar e aí não tem oferta de novo, deslocando as metas de novo".
"Isso aí tem sentido de fazer. Mas uma vez que oferta de CBIO aumenta pela chegada de novos biocombustíveis, você precisa ajustar a meta. Porque senão você está de novo atacando o programa e não o problema.
O que não pode é criar um outro problema. Ou seja, promover uma competição ferrenha entre os biocombustíveis para matar uma parte desse mercado, ao invés de competir os combustíveis renováveis, as melhores práticas sustentáveis, com os fósseis.
Se vai ter HVO ou outro tipo de combustível, vai ter que aumentar as metas do RenovaBio e também aumentar os percentuais de mistura.
A gente tem que trabalhar para reduzir as emissões totais de CO2 na matriz energética. E isso não se restringe só a combustíveis limpos. Tem que ser valorizado também um novo tipo de produção renovável, como eólica, solar, ou até mesmo nuclear se isso for seguro para a sociedade.
Os custos do aquecimento global são muito maiores do que esses custos setoriais. A sociedade mundial vai pagar muito mais com o aquecimento global".
Fonte: Epbr
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