Publicado em: 20/06/2022 às 16:10hs
Aurélio Amaral: Ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e sócio consultor do escritório Schmidt Valois Advogados
Por: AGÊNCIA UDOP
O alerta é do ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e sócio consultor do escritório Schmidt Valois Advogados, Aurélio Amaral. O especialista, que foi diretor da ANP por quatro anos, incluindo durante a greve dos caminhoneiros em 2018, detalhou que o desabastecimento pode levar a faltas pontuais de combustível, em regiões que dependem mais de importações, como o Centro-Oeste. Mesmo depois do anúncio da Petrobras, na sexta-feira, tornando diesel e gasolina mais caros, a defasagem em relação aos preços internacionais, ainda permanece, segundo importadores. Isso inibe importações, que respondem por cerca de 30% da demanda de diesel no país, alerta Amaral. O técnico, que, antes de ser diretor da ANP, foi superintendente de abastecimento da agência, defendeu a formação de estoques, pela Petrobras, para ajudar a diminuir riscos de desabastecimento. Mas, ao invés de estocar, o Brasil se perde nas discussões sobre preços, lamenta o ex diretor.
Amaral considera improvável um desabastecimento generalizado. Mas frisou que a falta de diesel pode prejudicar a safra, visto que Centro-Oeste, maior produtor de grãos, é mais dependente de importações. Leia os principais trechos da entrevista:
Precisamos fazer algum estoque, porque o diesel está curto no mundo. É necessário fazer remuneração para que a Petrobras tenha capacidade de fazer importação e manter estoques. Também precisamos manter algum tipo de paridade [com os preços internacionais], pelo menos por ora nesse modelo atual, para que outros atores sejam estimulados a importar e a suprir parte do combustível que não é produzido no país. Para mitigar preços ao consumidor, é necessário ter alguma política compensatória, que o governo até agora não quis. Se ninguém cede de um lado nem do outro, o caminho à frente é de crise.
Me parece que o reajuste era necessário. O governo e a Petrobras hoje vivem um dilema: como equacionar empresa de capital misto, que tem função social, e é detentora de monopólio expressivo. Seguindo a lei atual, e a forma como está estabelecida a precificação, para a diretoria da Petrobras não resta saída que não seja reajustar. É situação muito difícil para quem está à frente da diretoria arranjar uma forma de segurar preços sem ter contrapartida que assegure que não serão responsabilizados por órgãos reguladores [por eventuais prejuízos].
Ninguém está importando. Estamos numa situação complicada. Precisamos trazer diesel, pois estamos nos aproximando da safra, mas o preço [do petróleo] continua subindo, embora tenha tido uma pequena queda. Há uma pressão grande na demanda mundial por diesel. Estamos caminhando para algo perigoso. É uma questão complexa, requer um olhar sistêmico e, principalmente, harmonia entre a Petrobras e o governo, um ambiente de menos tensão e conflito. Hoje, parece uma guerra, que não é boa para ninguém.
"Não acredito numa falta generalizada de diesel, mas o risco de faltas pontuais é grande se não criamos estoque"
Não estamos fazendo estoques, porque quase ninguém está importando, então estamos caminhando para um risco grande [de desabastecimento]. É um risco derivado hoje da guerra e da pressão dos embargos à Rússia [exportadora de petróleo].
Só quem tem condições de fazer estoque de segurança relevante hoje é a Petrobras, porque ela detém toda infraestrutura. Mas como fazer isso sem repassar aos preços? É uma equação difícil. Nessa atual crise, acho muito difícil haver tempo de se pensar em aumentar estoques, enquanto se discute impactos de preços. Também seria necessário rever a política de preços e a política de remuneração de investidores da Petrobras. Pela atual política, ela teria que repassar os custos dos estoques. Isso é difícil no ambiente politizado de hoje.
Não acredito numa falta generalizada de diesel. Mas o risco de faltas pontuais é grande se não caminharmos para criar algum estoque. Principalmente em regiões que dependem hoje da importação, com o Centro-Oeste, regiões de agronegócio, onde a demanda por diesel será grande no segundo semestre. Caminhamos para uma situação de bastante emoção. Vai ser tenso.
Não vejo algum tipo de saída que não envolva compensação. Mas isso tem impactos fiscais, no orçamento federal, pode atingir emendas parlamentares num ano eleitoral, o governo não quer. Não é uma discussão simples, é complexa, os recursos têm que vir de algum lugar. Requer sangue frio e mais calma, não esse ambiente de tensão. Se ficar só na conta da Petrobras, seria necessário mexer também na remuneração aos acionistas, nos dividendos, precisaria ver as regras de gestão de empresas de capital aberto. Se a Petrobras simplesmente não repassar os preços, ela vai ficar submetida a prejuízos.
Da forma como foi proposta a redução do ICMS, não há compensação. Com aumento do petróleo e repasse de margens [a redução do imposto] vai ter impacto, a meu ver, insignificante em termos de preços.
Sempre fui a favor dos desinvestimentos, acho que são bem-vindos para criar um mercado competitivo. Mas devem ser feitos com acompanhamento regulatório para mitigar efeitos concorrenciais e evitar abuso de poder econômico em regiões onde as refinarias são dominantes. Deve ser feito em médio a longos prazos. Isso requer transição suave, de forma a estimular a vinda de outros investimentos. Paramos esse processo no meio. Não conseguimos fazer desinvestimentos de todas as refinarias para iniciar um mercado competitivo. A Petrobras continua tendo um monopólio grande.
O refino foi pensado sempre com a Petrobras, no sistema brasileiro como um todo. Para pegar esse sistema que foi gerado para atuar integrado e desmembrá-lo, é preciso criar alternativas. Se simplesmente vender a refinaria, vai transferir monopólio do agente público para privado. É necessário ter medidas para criar competição pela importação. O Brasil não pode, por lei, ter controle de preços. Mas como fazer essa transição sem algum acompanhamento? É complexo.
Fonte: AGÊNCIA UDOP
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