Publicado em: 24/02/2025 às 08:00hs
O Agronegócio brasileiro sempre teve sua importância no Produto Interno Bruto (PIB) do país, e mais recentemente ganhou os holofotes com as alcunhas de “Pop” e “Tech”, o que tem dividido opiniões e acalorado os debates a respeito dos desafios a serem enfrentados pelo setor, que para alguns é motivo de orgulho nacional, enquanto para outros é a locomotiva do desmatamento, aquecimento global e da desigualdade social.
Enquanto setores da sociedade discutem o modelo de negócios do agro, aos produtores rurais cabem outras preocupações. Vêm do Jurídico e Legislativo os pontos de atenção, planejamento e cuidado, em especial nas áreas de meio ambiente e tributação.
Questões ambientais:
Uma importante discussão relacionada com a constitucionalidade da Lei do Estado de Mato Grosso nº 12.709/2024, que estabeleceu a suspensão dos benefícios fiscais de empresas que adotam a Moratória da Soja (acordo privado firmado a partir de 2006 relacionado a não comercialização de soja produzida em área desmatada do bioma amazônico), deve acontecer em breve no Supremo Tribunal Federal.
Apesar de a lei mato-grossense adotar os critérios de desmatamento já previstos no Código Florestal Brasileiro, sua constitucionalidade foi questionada em razão de (i) possível retrocesso à preservação do meio ambiente, (ii) os benefícios tributários que tenham sido concedidos envolverem uma série de contraprestações das empresas que os receberam, o que segundo a decisão não permitiria sua revogação e (iii) potencial alteração do regime da livre iniciativa e concorrência, pelo fato de o estado de Mato Grosso impor medidas que poderiam alterar o mercado e gerar concorrência desleal.
Outros estados brasileiros que possuem áreas no bioma amazônico já aprovaram ou têm leis em discussão relacionada a Moratória da Soja, e o entendimento a ser emitido poderá impactar a comercialização de produtos do complexo soja e principalmente a imagem do setor no âmbito internacional.
Adicionado a isso, temos a discussão relacionada ao regulamento da união Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), aprovado em abril de 2019, com entrada em vigor inicialmente prevista para dezembro de 2024, alterada para 30 de dezembro de 2025. O EUDR prevê para uma série de produtos (gado, madeira, soja, cacau, café, borracha, óleo de palma e derivados destes produtos) a necessidade de comprovação de que não geraram desmatamento, isto é, que sejam provenientes de áreas livres de qualquer nível de desmatamento identificado até dezembro de 2020 (legal ou ilegal). Além da proibição de importação de produtos dessas áreas, há a previsão de suspensão de comércio do importador, apreensão ou destruição dos produtos, além de multa correspondente a até 4% de valor anual arrecadado pela operadora responsável.
As discussões envolvendo tanto a Moratória da Soja como o EUDR e os critérios por eles adotados vão colocar o Agronegócio Brasileiro no centro do debate relacionado à proteção do meio ambiente, em especial com relação aos parâmetros e métodos a serem adotados, uma vez que para a Moratória, os métodos dizem respeito especificamente ao bioma amazônico, utilizando como critério desmatamento zero a partir de 22 de julho de 2008 (data de corte aplicada para discussão da regulamentação do Código Florestal), independentemente de o desmatamento ser legal ou não, já para o EUDR a data de corte é dezembro de 2020.
Tanto a Moratória como o EUDR não foram recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro, e a matéria por eles abordada é disciplinada pelo Código Florestal (Lei 12.651 de 25 de maio de 2012). Sobre esse ponto cabe destacar que o Código Florestal está na vanguarda da proteção ao meio ambiente, sem prever desmatamento zero, exigindo, porém, que os produtores tenham seus direitos de exploração das áreas limitadas de 20% e 80% do total da referida área, a depender do bioma onde estejam localizados, além de designar órgãos encarregados pela certificação e fiscalização. Contudo, a fiscalização e comprovação dos atendimentos desses parâmetros é bastante impactada pela atuação de referidos órgãos. Não podemos esquecer das deficiências dos entes estatais com relação a eficaz fiscalização e proteção do meio ambiente dado as dimensões continentais do Brasil e o fato de quase 60% do seu território ser coberto por florestas naturais.
A consolidação do entendimento em relação ao atendimento de critérios de desmatamento será essencial para proteção do meio ambiente, em especial para o bioma amazônico que tem sofrido com desmatamento implementado por atividades ilegais.
Do ponto de vista financeiro, a estruturação da safra 2025/2026 passa, necessariamente, pela preparação do produtor para atendimento às alterações a serem implementadas em virtude da Emenda Constitucional nº 132 de 20 de dezembro de 2023, conhecida como Reforma Tributária.
Apesar de um período de transição alongado, em 2026 os produtores já deverão estar aptos a realizar o cálculo da tributação também de acordo com a nova sistemática, com adaptação de sistemas e cumprimento de obrigações acessórias, o que já deverá ser utilizado na aquisição de insumos e comercialização das safras a partir de 2027, ano que marca o fim das contribuições PIS/COFINS e início da cobrança da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
É importante destacar que um dos motes da Reforma Tributária foi a neutralidade da tributação por todos os setores, fazendo com que a maioria dos benefícios fiscais, tais como os convênios estaduais, deixem de beneficiar os produtores rurais tanto na venda dos seus produtos quando na compra de insumos, maquinários, dentre outros, o que gera a necessidade de os produtores reverem a sua estrutura de custos para que a carga tributária não impacte a lucratividade do negócio.
O agronegócio brasileiro, que já sofre com margens apertadas, precisará se preparar também para os impactos da nova sistemática no fluxo de caixa, já que os tributos passarão a incidir tanto na aquisição dos insumos quanto no momento da venda da produção. Ainda que parte desses tributos incidentes sobre a compra de insumos seja recuperável como crédito para compensação com o devido nas vendas, a distância entre o momento do desembolso da compra e o da aferição da receita implicará na reorganização financeira das empresas em geral, incluindo revisão de parâmetros aplicáveis ao endividamento da atividade.
Outro desafio imposto pela Reforma Tributária será o cumprimento de obrigações acessórias, tais obrigações que no sistema atual somente são aplicáveis a empresas de grande porte, passarão a ser aplicáveis também a empresários que operem na pessoa física cujo faturamento da atividade agropecuária supere determinado valor (R$ 3.500.000,00). Isso será um convite à formalização e estruturação da atividade rural, e o quanto antes os produtores iniciarem sua preparação, maiores serão as chances de evitar perdas e saírem fortalecidos com o novo sistema.
Diversos foram os desafios que levaram o produtor rural a se aventurar em novas fronteiras agrícolas, ir atrás de conhecimento para entender de correção de solo, desenvolvimento de sementes e raças adaptadas aos diversos ecossistemas, melhores técnicas de cultivo do solo, manejo animal, desenvolvimento de máquinas, equipamentos e tecnologia adaptados para cada uma das culturas. Os desafios do dia a dia, aos quais estão sujeitos uma indústria a céu aberto como o agronegócio continuarão a existir, contudo, para o ano de 2025 as questões ambientais e tributárias podem ser determinantes para a manutenção da competitividade e relevância do Brasil na produção de alimentos para o mundo.
Ieda Queiroz é coordenadora do setor de agronegócios do CSA Advogados | Felipe Peralta é advogado tributário no CSA Advogados
Fonte: Ela Comunicação
◄ Leia outros artigos