Análise de Mercado

Importância do programa amostral para análises de micotoxinas

A distribuição irregular em amostras analisadas é uma das características das micotoxinas. Assim, o objetivo é ressaltar a importância de um plano de amostragem e compilar dados e normas sobre a amostragem de alimentos para análises de micotoxinas


Publicado em: 18/10/2022 às 08:10hs

...

Existem cerca de 300 a 400 micotoxinas conhecidas produzidas por fungos. Em relação à ocorrência e toxidade, as mais importantes são os pertencentes aos gêneros Aspergillus (produtores de aflatoxinas), Penicillium (produtores de ocratoxinas) e Fusarium (produtores de desoxinivalenol, toxina T-2, zearalenona, ergotoxinas e fumonisinas). (Araújo Santana, 2013)

A presença destas espécies tem um significante impacto, não só em relação à saúde pública, mas também em termos econômicos, sendo que a melhor maneira de evitar intoxicações é a prevenção do desenvolvimento dos fungos produtores, através de boas práticas de plantio, colheita e armazenamento. Porém, devido a fatores como condições climáticas e carências, tanto tecnológicas quanto de conhecimento técnico, normalmente é bastante difícil criar e manter as condições adequadas para cessar/retardar o crescimento fúngico. 

Com a intensificação do monitoramento da contaminação de grãos e subprodutos por micotoxinas e o maior conhecimento de seus efeitos maléficos, os limites máximos tolerados em normativas de vários países são cada vez mais restritivos. O impacto dessa medida, que pode resultar em prejuízos na cadeia produtiva, visa assegurar que os alimentos produzidos com a matéria-prima não apresentem contaminantes acima dos níveis aceitáveis. 

Para o monitoramento, torna-se necessário utilizar metodologias confiáveis, de baixo custo e rápida execução para a quantificação de micotoxinas, que permitam identificar e segregar adequadamente os lotes contaminados. (Tibola et al., 2013)

A importância do Programa Amostral 

Considerando a presença heterogênea de micotoxinas nas amostras, a precisão na detecção desses contaminantes não depende unicamente do método analítico utilizado. O plano de amostragem e as etapas de preparação da amostra são componentes críticos no diagnóstico (Wovst et al., 2012).

A figura 1 ilustra que em análises de micotoxinas, 90% do erro analítico ocorre nos processos de amostragem e no preparo da amostram, enquanto apenas 10% dos erros são falhas nos métodos analíticos. 

Como as decisões sobre o destino e medidas de controle das micotoxinas basear-se-ão em resultados de análises, a amostragem representa o passo mais crítico do processo e deve ser tratada com um grau de cuidado maior do que utilizado para amostras destinadas a avaliações bromatológicas, por exemplo (Mallman, 2014). 

amostragem-graf-1

Figura 1: Erros na determinação de micotoxinas. Whitaker e Park, 1994. Fonte: Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2013

Diversos programas amostrais podem ser empregados no processo de análise de micotoxinas. Todos possuem vantagens e desvantagens determinadas, principalmente pela distribuição desuniforme dos grãos contaminados com micotoxinas na massa de cereais (Mallman, 2010).

Esta desuniformidade leva a inúmeras dificuldades de interpretação das análises e de diagnóstico. O problema é agravado pelo fato de as micotoxinas se encontrarem em concentrações em níveis de ppm (partes por milhão), ou mesmo em ppb (partes por bilhão). 

Para ilustrarmos isso, podemos utilizar o seguinte exemplo com o milho, principal componente das rações de aves e suínos: 1 bilhão de grãos corresponde a aproximadamente 350 ton, ou seja, 1 ppb (1 µg kg) seria o equivalente a 1 grão distribuído em 10 caminhões de 35 ton, conforme a Figura 2. 

amostragem-graf-2

Figura 2: Representação da heterogeneidade de micotoxinas

A ampla incerteza e a baixa representatividade são problemas constantemente enfrentados durante a amostragem. Entretanto, a variância das análises pode ser reduzida aumentando-se o volume de amostra (e sub-amostra) e o número de pontos de amostragem; diminuindo-se o tamanho de partícula durante a moagem; e utilizando tecnologias automatizadas e que propiciem a maior precisão possível. 

Cabe ressaltar que a coleta de amostras é um procedimento técnico e constitui um dos principais elementos para se garantir a representatividade dos resultados laboratoriais. 

Instrumentos utilizados para amostragem

Os instrumentos mais utilizados na amostragem de ingredientes são os caladores, sondas pneumáticas e pelicanos.         

Os caladores são os equipamentos mais indicados na obtenção de amostras na expedição de grãos. São extratores metálicos utilizados para a retirada de amostras em sacaria através de simples furação dos sacos contendo produtos como arroz, feijão, milho, soja, trigo e etc.

As sondas pneumáticas são equipamentos que retiram as amostras através de sucção dos grãos. Deve – se atentar que o uso desses equipamentos pode causar erros na amostragem devido à retirada de mais quantidades de impurezas leves do que deveria e menos impurezas pesadas do que realmente possa existir. Tais equipamentos são próprios para o controle de armazenagem, ou certificação parcial da qualidade de um silo ou graneleiro.

Os pelicanos são coletores de amostras de produtos a granel em queda livre (dutos de descarga) ou na saída dos transportadores como correias transportadoras, elevadores de caneca, roscas sem fim. Os baldes devem ser utilizados para depósito das pequenas amostras à medida que elas vão sendo retiradas, visando posterior homogeneização. 

Termos técnicos utilizados no processo de amostragem

O sistema de amostragem utiliza termos técnicos, os quais são importantes para o entendimento do processo de amostragem que será explanado a seguir. 

  • Lote: quantidade de matéria-prima ou alimento do qual se aceita as mesmas características quanto à homogeneidade ou à produção diária de uma unidade de produção em um determinado tempo (turno de produção, por exemplo). 
  • Sublote: parte designada de um lote, fisicamente separado, quantificado e identificado devendo apresentar as mesmas características do lote original.  
  • Incremento ou Pacote:  quantidade do produto retirada num único ponto do lote ou sublote para formar a amostra global. 
  • Amostra global: porção de produto formada pela reunião de todos os incrementos ou pacotes extraídos do lote ou sub-lote, que deverá ser homogeneizado e quarteada para compor a massa da amostra. A amostra global deve ser representativa do lote ou sublote, devendo ser coletadas tantas amostras compostas quantos forem os lotes ou sublotes existentes. 
  • Amostra de trabalho: amostra resultante do quarteamento da amostra global para envio ao laboratório de análise de micotoxinas.
  • Amostra final ou parte analítica (porção analítica) ou a amostra para análise (amostra analítica): parte que será efetivamente analisado. 

Estratégias de amostragem 

Amostragem de recebimento. No caso da amostragem de recebimento, a coleta acontece quando as matérias-primas que serão utilizadas nas rações são recebidas na fábrica. Esta estratégia visa a prevenção de riscos futuros e na garantia do produto acabado, além disso, possibilita o uso das informações para a seleção dos fornecedores de matéria-prima. Este tipo de estratégia é especialmente útil como ferramenta na cadeia da qualidade de todo o processo produtivo. 

Amostragem de Produção. Um segundo momento que permite uma amostragem eficiente de processamento é no final da produção da ração ou alimento: amostragem de produção. 

No caso da amostragem de produção, a coleta deve acontecer no ponto mais próximo da mistura das matérias-primas, onde há uma maior homogeneização das partículas. Um ponto prático e usual para a tomada dos incrementos localiza-se logo após a moagem, onde usualmente controla-se a granulometria e eficiência do processo. 

Amostragem de rações. Essa amostragem nos permite avaliar a real contaminação da ração destinada ao consumo, pois os processos de mistura conferem uma boa dispersão das partículas contaminadas, resultando em amostras com melhor representatividade e faz com que amostras em quantidade menores consigam ser representativas. Assim, essa amostra é a que se aproxima mais da realidade para avaliação do risco de micotoxinas. Porém, vale ressaltar que o resultado, na maioria das vezes, será somente obtido quando os animais já estiverem consumindo a dieta. 

No entanto, as micotoxinas podem ser produzidas após a mistura, devido a condições de armazenamento inapropriadas, por exemplo, alta umidade. Assim, em uma fábrica de rações onde as mesmas são estocadas por considerável período, pode haver a necessidade de amostrar a ração armazenada a fim de verificar a contaminação ocorrida no armazenamento. 

Instruções para amostragem adequada

Os procedimentos descritos a seguir foram estabelecidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, MAPA (BRASIL, 2010) e são aplicados em lotes ou sublotes de amostras de produtos vegetais objetos de controle oficial (monitoramento e investigação) no mercado interno (comercialização interna e produtos importados) e que se apresentam acondicionados.

Passo 1: antes de ser retirada a amostra, realizar a verificação física (exame visual) do lote ou partida no estabelecimento ou no local da armazenagem para verificação das condições gerais do ambiente e produto, que devem estar visivelmente isentos de pragas e doenças.

Passo 2: verificar se o lote, objeto de amostragem, está devidamente identificado.

Passo 3: o responsável pela amostragem deve utilizar os equipamentos de proteção individual (EPI), conforme o caso, assegurando-se das condições adequadas de amostragem. 

Passo 4: para a coleta dos incrementos em lotes com apresentação em sacaria ou a granel, serão utilizados caladores e/ou sondas ou similares. Os caladores, sondas e similares devem ser constituídos de material inerte e terem comprimento e diâmetro compatíveis com o tipo de embalagem a ser amostrada e com a massa do incremento.

Passo 5: aplicar a fórmula da frequência de amostragem, conforme ilustrado, na figura 3, a qual indica a frequência ou intervalos regulares de amostragem das quais será colhido um incremento. Casas decimais devem ser arredondas para o número inteiro mais próximo. 

amostragem-graf-3

Figura 3: Fórmula para definir a Frequência (F) da amostragem

Em que: 

  • F = frequência de amostragem: indica a frequência ou intervalos regulares de amostragem ou o número de embalagens individuais das quais será colhido um incremento. 
  • Massa do lote = quantidade de produto com características definidas sob condições essencialmente iguais. 
  • Massa do incremento = quantidade de produto retirada em um só ponto do lote ou sublote para formar a amostra global. 
  • Massa da amostra global = a amostra formada pela totalidade dos incrementos colhidos em um lote. 
    • Fonte: Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2013

Passo 6: Após a coleta das subamostras, misturar bem, formando uma única amostra. Realizar o quarteamento, repartindo a massa em formato de pizza, unido a parte 2 e 3, descartando a parte 1 e 4.  Repetir o processo. Após unir a parte 2 e 3, obteremos uma nova amostra total, realizar novo quarteamento, unindo a parte 2 e 3, descartando o monte 1 e 4. Repetir esse processo até ter quantidade suficiente para a amostra de trabalho, conforme ilustra a figura 4. 

amostragem-graf-4

Figura 4: Como realizar o quarteamento da amostra. 

Passo 7: A identificação da amostra também é um passo fundamental, que não deve ser negligenciado. Deve-se embalar as amostras individuais em sacos de papel ou plástico apropriado ou em caixas de papelão, porém é importante não permitir que amostras absorvam a umidade, para minimizar as chances de deterioração. Detalhes das amostras devem ser bem preenchidos, evitando erros de identificação (Figura 5). 

amostragem-graf-5

Figura 5: Exemplo de embalagem para envio de amostras para o laboratório. Todos os campos devem ser preenchidos com letra legível. 

Procedimentos para coleta de amostras de grãos e farináceos condicionados em sacos ou a granel.

As seguintes recomendações são sugeridas pela Manual de coleta de amostras do Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes em Produtos de Origem Vegetal, (Brasil, 2013).

As amostras devem ser coletadas durante o processo de empacotamento, ou em lotes armazenados (silo) ou em armazéns convencionais, durante a carga ou descarga. O lote em movimento é a situação ideal para a coleta, devendo ser realizadas antes do empacotamento, nas esteiras e dentro de beneficiadoras, durante a montagem ou desmontagem das pilhas, ou durante a formação dos lotes ou nas operações de carga e descarga do produto, bem como ova e desova de contêiner.

Quando não for possível proceder à movimentação do lote, devem ser retirados incrementos distribuídos de forma sistemática no lote estático. O lote deve ser previamente organizado de modo a permitir que o amostrador circunde toda a pilha de sacos ou possa acessar todas as suas faces. 

A tabela 1 exemplifica a quantidade, em kg, da amostra de micotoxinas conforme o tamanho do lote. 

Tabela 1: Amostragem para análise de micotoxinas em grãos e farináceos a granel ou ensacado.

amostragem-graf-6

Cuidados com a amostra. É de extrema importância que a amostra seja mantida em seu estado original. Se possível, mantida refrigerada até a análise. É absolutamente necessário protegê-la do calor e de qualquer possibilidade de absorver umidade, que possam permitir que os fungos se desenvolvam e produzam micotoxinas, pois se isto acontece, os resultados analíticos não revelam a contaminação real dos lotes. (Fonseca, 2002). 

Mallman (2006) ressalta a importância de atentar-se também para o acondicionamento e envio dos materiais, visto que, amostras que apresentem condições adequadas ao crescimento fúngico, por exemplo, atividade de água (Aa) acima dos limites, podem favorecer este desenvolvimento, fazendo com que a amostra deixe de ser representativa.

A exposição a luz solar também deve ser evitada o máximo durante o procedimento, pois algumas micotoxinas podem sofrer modificaçãoes, por exemplo, a aflatoxina quebra gradualmente, sob luz ultravioleta. (Fonseca, 2002)

Deve-se tomar cuidado especial para evitar a formação de água de condensação na amostra coletada, principalmente quando são utilizadas embalagens plásticas ou amostras acima da temperatura ambiente.  

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Perante o exposto, é evidente a importância do Plano de Amostragem, assim como o correto acompanhamento de cada procedimento indicado por ele, pois as micotoxinas, se apresentam em uma pequena fração e de forma heterogênea nos alimentos. Uma amostragem incorreta pode não ser representativa do lote e levar a resultados errôneos e que não condizem com a realidade.

Felizmente, há manuais disponíveis que permitem uma padronização das amostragens e estes devem ser seguidos para um melhor controle de micotoxinas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ARAÚJO SANTANA, M.C., Principais tipos de micotoxinas encontradas nos alimentos de animais domésticos REDVET. Revista Electrónica de Veterinária [On-line] 2012, 13
  • BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Manual de coleta de amostras do Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes em produtos de origem vegetal / Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Defesa Agropecuária.– Brasília: Mapa/ACS, 2013.
  • EUROPEAN COMMISSION. Commission Regulation (EC) 401/2006.Official Journal of the European Union, L 70, 12, 2006.
  • EUROPEAN COMMISSION. Guidance document for the sampling of cereals for mycotoxins final version. 2010. Disponível em: www.ec.europa.eu/food/food/chemicalsafety/contaminants/guidance- amplingfinal.pdf>. Acesso em: 11 de outubro de 2014.
  • FONSECA, H. Sampling plan for the analysis of aflatoxinin peanuts and corn: an update. Brazilian Journal of Microbiology, São Paulo, SP, v. 33, n. 2, p. 97-105, 2002.
  • Manual de Amostragem de Grãos – Almeida e cia. Disponível em: <http:/ http://www.acalmeidaecia.com.br/> Acesso em 12 de outubro de 2014
  • MALLMANN, C. A.; DILKIN, P.; GIACOMINI, L. Z.; RAUBER, R. H. Critérios para seleção de um bom sequestrante para micotoxinas. In: APINCO de Ciência e Tecnologia Avícolas, 2006. 20 p. Disponível em: http://www.lamic.ufsm.br/papers/20060515_criterios.pdf>. Acesso em: 11 de outubro de 2014
  • MALLMANN, C. A.; VASCONCELOS, T. G.; TYSKA, D.; MARTINS, A.C. Comparação de metodologias analíticas e de amostragem para micotoxinas. 2010. 11 p. Disponível em: <http://www.lamic.ufsm.br/papers/AMENA.pdf>. Acesso em: 11 de outubro de 2014.
  • TIBOLA C.S. Indicações técnicas para minimizar a contaminação de trigo por micotoxinas - Boletim de pesquisa e desenvolvimento/ Embrapa Trigo. Passo Fundo: Embrapa Trigo,40p. 2013.
  • WOVST L.R.S., MALLMANN, A.O., MARCHIORO, A., DILKIN P., MALLMANN C.A., Comparação do sistema mecânico e automático de coleta de amostras para pesquisa de micotoxinas em lotes de milho. In 64 Reunião Anual da SBPC, 2012.

Por Natalia Yoko Sitanaka, Dra. em Zootecnia, Gerente Técnica de Suínos Polinutri

Fonte: GiraCom

◄ Leia outros artigos