Publicado em: 08/10/2012 às 12:40hs
O som característico continua sem resposta até Hutto ficar pronto para sair. Então, no topo de uma árvore totalmente carbonizada, um pica-pau de penas pretas, peito branco e crista amarela reage, emitindo uma resposta ritmada.
“Esta floresta pode ter sido queimada”, diz Hutto, sorrindo, “mas isso não significa que ela está morta. Tem muita coisa acontecendo”.
A batida do bico do pica-pau preto na árvore indica mais do que o retorno da vida à floresta. Ela também pode ser uma pista importante de como solucionar um debate sobre o quanto devemos, e até mesmo se devemos, tentar evitar grandes incêndios florestais.
Os cientistas estão em desacordo quanto a se há uma vantagem ecológica em desbastar florestas e usar queimadas prescritas para reduzir o estímulo a incêndios posteriores – ou se esses métodos realmente diminuem os processos ecológicos e a biodiversidade.
A Agência Florestal dos EUA, que administra cerca de 80 milhões de hectares de terras públicas, acredita que a limitação do desbaste e das queimadas pode evitar incêndios catastróficos. A agência contrata empresas madeireiras para cortar árvores pequenas e grandes em amplas extensões de terras, e usa queimadas prescritas. Além de proteger casas, dizem os especialistas, esses métodos também recriam o estado natural da floresta.
A abordagem, desenvolvida principalmente como resultado de estudos de anéis de árvores, procura reconstruir as florestas do Oeste de acordo com como elas eram antes do século XX, quando a repressão de incêndios em grande escala ocorreu pela primeira vez.
Alguns ecologistas e ambientalistas, no entanto, estão desafiando o modelo da Agência Florestal, dizendo que ele se baseia em dados científicos incompletos e está causando danos ecológicos.
Pesquisas recentes, dizem eles, mostram que a natureza muitas vezes causou incêndios muito mais graves do que os registros de anéis de árvores mostram. Isso significa que a ecologia das florestas do Oeste depende de incêndios de diferentes graus de gravidade, incluindo aqueles que nós consideramos catastróficos, não apenas os tipos de queimadas de baixa intensidade que as políticas atuais da Agência Ambiental favorecem.
Eles dizem que os grandes incêndios, longe de destruir florestas, podem ser uma injeção de adrenalina que estimula a biodiversidade.
O pica-pau preto poderia ser um indicador importante de qual dessas posições é a correta.
O pássaro vive quase exclusivamente em florestas que passaram por incêndios severos. Ele se alimenta do escaravelho e do besouro-joia, que se adaptam a incêndios e conseguem detectar calor a 50 quilômetros de distância com os sensores infravermelhos que têm sob as patas. Ambas as espécies depositam ovos apenas em árvores queimadas, cujas defesas foram eliminadas pelo fogo.
O pica-pau preto se alimenta de larvas dos escaravelhos. A sua coloração evoluiu até ficar bastante semelhante à das árvores queimadas, para que eles não fiquem visíveis para falcões e outros predadores enquanto bicam os troncos.
Monitorar a presença dos pica-paus pode indicar se há incêndios graves o suficiente para que os seus ecossistemas sejam estimulados e as suas populações sejam mantidas saudáveis, bem como as de outras espécies.
William Baker, ecologista especializado em incêndios e paisagens da Universidade de Wyoming, afirma que o tipo de incêndio limitado que está sendo empregado para controlar os incêndios maiores não é tão comum na natureza quanto se pensava.
Em um artigo recente da revista Global Ecology and Biogeography, publicado com Mark Williams, Baker empregou um método pouco ortodoxo a fim de reconstruir a história dos incêndios, desafiando análises atuais dos anéis das árvores. A pesquisa foi financiada pela Fundação Nacional de Ciência e pela Secretaria de Agricultura dos EUA.
Baker e Williams examinaram milhares de registros manuscritos criados por agentes federais do Escritório Geral de Terras que pesquisaram terras não cultivadas no Ocidente em meados do século XIX. Os pesquisadores usaram um machado para marcar árvores em intervalos precisos e tomaram notas meticulosas sobre como o estado da vegetação entre as árvores marcadas – árvores em situação de prado, queimadas ou já maduras.
Ao todo, os alunos de Baker vasculharam 13 mil registros manuscritos sobre 28 mil árvores marcadas, e caminharam por quilômetros no Oregon, em Colorado e Arizona para encontrar algumas das árvores e comparar as condições de hoje com as do século XIX.
Eles descobriram que incêndios de baixa intensidade que ocorreram naturalmente não foram tão amplos quanto outras pesquisas haviam mostrado, e que eles não evitam incêndios mais graves. Baker concluiu que os incêndios de grande porte são inevitáveis e argumenta que lidar com eles é melhor para os ecossistemas – e menos dispendioso.
“Nossa pesquisa mostra que a redução dos combustíveis não vai reduzir muito a gravidade dos incêndios”, disse ele. “Mesmo se reduzirmos os combustíveis, ainda teremos graves incêndios” por causa de condições meteorológicas extremas.
Jennifer Marlon, paleoecologista da Universidade de Yale que estudou três mil anos de história de incêndios no Oeste dos EUA, disse que seu trabalho a levou a uma conclusão similar. Em comparação com os últimos milhares de anos, “o número de incêndios ocorridos no Oeste nos últimos cem anos foi extraordinariamente baixo”.
Mas outros pesquisadores de incêndios dizem que ainda não estão prontos para abandonar o modelo atual.
“São dados interessantes que precisam ser testados”, disse Peter M. Brown, dendrocronologista de Fort Collins, Colorado, que estuda a história dos incêndios e é consultor da Agência Florestal. Mas isso não é suficiente, disse ele, para mudar o modelo atual.
Alguns acreditam que o argumento contra as queimadas prescritas é corroborado pela diminuição das populações de pica-paus pretos na Califórnia, no Oregon e em Dakota do Sul. Neste ano, quatro grupos ambientais entraram com uma petição solicitando que o pássaro seja declarado uma espécie ameaçada, culpando as políticas da Agência Florestal pelo seu declínio.
Os defensores da teoria da liberação dos incêndios dizem que embora as vidas humanas e as propriedades devam ser protegidas, os incêndios generalizados, para além disso, devem ser vistos como eventos ecológicos necessários, relacionados ao início de um novo ciclo em uma paisagem, proporcionando a existência de habitats para numerosas espécies por anos, até mesmo décadas. Esse princípio decorre de pesquisas sobre “a ecologia da perturbação”. Por exemplo, quando um furacão derruba uma grande área florestal ou um vulcão entra em erupção, isso estimula fortemente um ecossistema, descobriram os cientistas.
“As perturbações são muito importantes; elas são extremamente significativas”, disse Mark Swanson, ecólogo da Universidade Estadual de Washington que recentemente publicou um artigo no qual descreve áreas recuperadas que voltaram a se desenvolver após a erupção do Monte Santa Helena, em 1980. “O que se verifica, na realidade, é um aumento na riqueza de espécies, algumas vezes em níveis altos em âmbito regional.”
Para Hutto, o ornitólogo da Universidade de Montana, a abordagem da Agência Florestal é equivocada. Ele destacou que os cogumelos morel se desenvolvem em solo carbonizado, e que os pássaros, incluindo o azulão das montanhas e o pica-pau preto, em seguida, mudam-se para as áreas afetadas.
Da mesma forma, uma planta chamada arbusto-de-neve pode permanecer dormentes no solo por séculos, até que o calor de um incêndio faça rachaduras no revestimento de suas sementes. Após isso, ela floresce profusamente.
“O primeiro ano depois de um incêndio é quando a mágica realmente acontece”, disse Hutto.
Fonte: Portal iG
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