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Florestas geridas por comunidades tradicionais tendem a ser mais bem preservadas

Esses povos tendem a ser melhores zeladores que os governos


Publicado em: 01/06/2012 às 19:00hs

Florestas geridas por comunidades tradicionais tendem a ser mais bem preservadas

Quem deve cuidar das florestas? Para muitos, a administração desses importantes patrimônios ambientais deve ficar por conta dos governos. Contudo, uma pesquisa realizada em 27 países, incluindo o Brasil, mostra que a melhor forma de gerir e explorar os recursos dessas áreas – de maneira sustentável, é claro – é garantindo os direitos das comunidades que vivem nelas, como povos tradicionais e indígenas. Por depender dos recursos da natureza e conhecer bem as regiões, esses povos tendem a ser melhores zeladores que os governos – muitas vezes desconectados das realidades locais.

Segundo o relatório "Que direito? – Uma análise comparativa das legislações nacionais de países em desenvolvimento sobre a posse da terra por povos da floresta", elaborado pela ONG Rights and Resources Initiativa (RRI), dar às comunidades locais mais poder na administração de áreas de proteção ambiental, além de ser uma forma de garantir os direitos desses grupos, é uma maneira bastante eficiente de preservar a região.

"Várias outras pesquisas feitas nos últimos anos mostraram que comunidades locais têm autoridade para gerir as regiões, e, com apoio governamental, elas podem fazer um excelente trabalho", explica Jeffrey Hatcher, um dos autores do estudo. Ele cita um levantamento feito pelo Banco Mundial segundo o qual a incidência de incêndios florestais foi reduzida para um quinto ou menos nas florestas controladas por povos indígenas, em comparação com aquelas administradas pelo Estado. Estudos no Nepal mostram que o controle da comunidade leva a um aumento tanto na área de floresta quanto na densidade arbórea.

Hatcher afirma que o grande sucesso alcançado com políticas que garantem os diretos de indígenas e outras comunidade tradicionais é explicado pela dependência que os grupos têm em relação à floresta. "Eles ajudam a ampliar a cobertura vegetal, aumentar a biodiversidade e melhorar a água, o que também gera renda para as comunidades locais", afirma o norte-americano. "O papel das comunidades é muito importante porque elas conhecem a floresta, em muitos casos melhor do que os agentes governamentais. Assim, conseguem fazer um trabalho mais inteligente", completa o especialista em conservação ambiental.

Exemplo positivo

O Brasil, país detentor da maior biodiversidade do planeta, é apontado como um exemplo positivo pelo relatório da RRI. As reservas extrativistas brasileiras estão entre as iniciativas de maior sucesso em todo o mundo. “Nesse modelo, o uso da terra é concedido não às pessoas individualmente, mas à comunidade, que tem condição obrigatória de explorar de maneira sustentável os recursos daquela região", explica Kátia Barros, coordenadora do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais, órgão ligado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Ministério do Meio Ambiente. "Esse é um dos modelos, da mesma forma que mantemos outros como as reservas indígenas e quilombolas. Estudamos agora a criação de reservas de pescadores.”

A especialista lembra, no entanto, que, mesmo no modelo de sucesso, há problemas. "Em algumas situações, há conflitos, não apenas os tradicionais, como a invasão física da terra, mas outras formas que impedem o acesso das comunidades locais aos recursos ambientais", afirma Kátia. Além de conflitos entre índios, madeireiros e agricultores, comuns nas reservas brasileiras, surgem novos desafios, como a pesca comercial e a carcinocultura – criação intensiva de camarões – nas áreas marinhas. “Nessas questões, o ICMBio trabalha em cooperação com a Polícia Federal e o Ibama para fazer o controle das áreas de proteção. Não é que não haja modelos comerciais de exploração que sejam sustentáveis, mas a realidade brasileira é de que a maioria é agressiva”, diz.

A tendência de empoderamento das comunidades locais ganhou força a partir da Cúpula da Terra, a Eco 92, realizada em 1992 no Rio de Janeiro. Atualmente, 15% das florestas mundiais estão sob controle de grupos tradicionais, enquanto antes do encontro no Rio de Janeiro esse percentual era de apenas 10%. Apesar dos efeitos positivos da gestão feita pelas comunidades tradicionais apontada pelo estudo, a estratégia ainda enfrenta muitos obstáculos no panorama internacional. Na Indonésia, por exemplo, embora haja dispositivos que garantam direitos dos índios, a Constituição do país diz que os recursos extraídos das áreas florestais pertencem ao Estado. Assim, moradores de mais de 20 mil vilas têm um status análogo ao de posseiros em suas próprias terras.

Em Moçambique, o problema é que para terem direito a utilizar a terra as comunidades precisam apresentar seis relatórios topográficos da região, de acordo com uma lei aprovada em 1999. Assim, nos primeiros 10 anos em que a norma esteve vigente, nenhuma comunidade conseguiu o direito legal de explorar a área.

O relatório, que analisou 75% das florestas de países em desenvolvimento que abrigam 2,2 bilhões de pessoas, revela ainda que a promoção das comunidades locais é desigual ao redor do mundo. Na América Latina, 72% das florestas dispõem de normas que protegem as populações tradicionais e 79% contam com leis que excluem invasores, como posseiros, dessas áreas. Ao mesmo tempo, na África esse índice de proteção cai para 35%, e o de exclusão de agentes externos para 41%. Não por acaso, as florestas latinas são as que mais avançaram nos últimos anos no quesito preservação, enquanto as africanas, de maneira geral, enfrentam sérios problemas. Naquele continente, dos 17 países que mantêm dispositivos para conceder direitos às comunidades locais, pelo menos seis não conseguem tirar os projetos do papel por falta de regulamentação ou planos de ação. "Leis eficazes permitiriam que bilhões de hectares e milhões de pessoas tivessem acesso a uma das ferramentas mais efetivas disponíveis para a erradicação da pobreza e a conservação de recursos limitados", afirma Andy White, coordenador do RRI.

Fonte: Estado de Minas

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