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A silvicultura e mais um gole de café requentado!


Publicado em: 23/02/2010 às 09:23hs

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Numa reunião de profissionais e entidades do setor, discutindo-se os rumos da silvicultura brasileira, surgiram inúmeras indagações que ficaram sem respostas! Vários comentários e explicações, mas nada que justificasse a triste constatação: existem sérios problemas, que rondam o setor há anos, e que podem prejudicar o desenvolvimento da silvicultura brasileira nos próximos anos! Daí a pergunta básica: que medidas governamentais poderiam ser tomadas para dar segurança e promover de forma concreta o crescimento de nossa silvicultura? Uma mistura de indignação e de fragilidade tomou conta de todos e ficou a promessa, entre os participantes, de se voltar ao assunto com a maior brevidade possível! Aproveitamos a oportunidade para compartilhar com os leitores do Painel Florestal, algumas das preocupações apresentadas pelos presentes na reunião:

1 - O Governo Federal precisa definir o endereço institucional da silvicultura. Deve permanecer no meio ambiente, onde está há mais de 20 anos, contra a vontade de grande parte do setor ou migrar para a agricultura, e se caracterizar como mais uma cultura agrícola: "sem essa definição fica difícil fazer o encaminhamento das questões do setor!", assim falam os defensores de um posicionamento definitivo sobre essa situação;

2 - O grande problema da silvicultura é a complexa legislação federal e dos estados: gera custos elevados, não é confiável, inibe os investimentos, além de dar margem à incontrolável corrupção – a silvicultura é a única atividade rural controlada do começo ao fim do processo; alguns controles são indispensáveis, mas a maioria só serve para justificar a estrutura de fiscalização herdada dos incentivos fiscais;

3 - Falta um planejamento de longo prazo, que determine as regras para se plantar e integre as políticas de infra-estrutura e de desenvolvimento industrial; trabalho multidisciplinar, que deverá envolver vários ministérios e constituir-se em instrumento indispensável para uma atividade de longo prazo ;

4 - Devem ser instituídas linhas de financiamentos compatíveis com as características da atividade: plantios comerciais, madeira de processo, manejo de ciclos longos, silvicultura de espécies nativas,plantios de proteção, recuperação de áreas degradadas,etc. São todas alternativas silviculturais e impossíveis de serem tratadas da mesma forma;

5 - Faltam políticas públicas que permitam a efetiva participação do pequeno produtor no processo produtivo. Com liberdade para escolher o quê plantar, como manejar, quando colher e para quem vender a preços convenientes. A dependência de programas oportunistas de fomento, mantidos mais para propaganda de ações socioambientais para justificar-se junto às certificadoras ou para enriquecer os discursos institucionais, mostrou-se desastrosa, diante da crise de 2008, salvo raras exceções, que merecerão destaque neste espaço;

6 - A tecnologia florestal precisa ser amplamente divulgada para toda a sociedade. Embora a grande fonte de recursos para financiamento de pesquisas seja originada das grandes empresas, o resultado dos trabalhos científicos, ainda não chega na ponta da produção. Com certeza, não é problema de quem faz a pesquisa, mas é a flagrante constatação da falta de um eficiente programa de extensão florestal . As entidades de pesquisas florestais necessitam de mais recursos para ampliar e aprofundar seus estudos , também para as espécies nativas;

7 - Há necessidade de amplo programa de divulgação sobre a comprovada utilidade e uso da madeira de eucalipto e pinus para as mais diversas finalidades: grande parte da madeira da Amazônia consumida nas regiões sul e sudeste, poderia ser substituída e com vantagens , pela madeira originada das florestas plantadas - sem frete, sem desmatamento e sem ilegalidade;

8 - As entidades de classe, empresas e instituições de pesquisas precisam divulgar e discutir amplamente os valores sociais e ambientais das florestas plantadas. E essa discussão precisa ser promovida com outra platéia, fora do setor, com dados concretos da ciência e informações do dia-a-dia, numa linguagem, que possa ser entendida por toda a sociedade e formadores de opinião, principalmente, pelos especializados na luta contra a cultura do eucalipto e do pinus;

9 - Os processos de licenciamentos complexos, morosos, caros e improdutivos, em muitos estados, precisam ser repensados e adequados às reais necessidades técnicas. Atualmente, exigem-se uma enorme quantidade de documentos, com dados de campo e informações repetitivas, muito além da capacidade analítica e operacional das estruturas governamentais. Uma burocracia, que não contribuem em nada para o enriquecimento sustentável dos empreendimentos. São documentos caros, trabalhosos e que depois de complementados inúmeras vezes, se transformam em volumes de prateleiras e, raramente, são acompanhados - parte dessa sobrecarga burocrática poderia se restringir a um projeto técnico, devidamente elaborado e implementado sob a responsabilidade de profissionais legalmente habilitados, e que permitisse, a qualquer momento, as devidas avaliações técnicas, ambientais e sociais;

10  -  À semelhança da certificação florestal, que atesta o que está feito e dá credibilidade aos bons procedimentos empresariais, haveria de se criar algum processo seletivo para orientar e até proibir a instalação de empreendimentos, que não atendam ao mínimo dos conhecimentos técnicos acumulados, em mais de 50 anos, pela ciência florestal brasileira - esse mecanismo seria de grande utilidade para o bem da silvicultura e dos novos investidores.

Com certeza, essa relação pode ser aumentada, subdividida, desdobrada, enfim, precisa e deve ser pensada e enriquecida pelo setor. Há quem aposte que com três ou quatro dessas questões resolvidas, teríamos um grande avanço. Os mais otimistas acreditam em uma ou duas ações e há os que defendam, que para um setor se desenvolver e se projetar, internacionalmente, precisaria de tudo isso e mais alguma coisa! De tudo isso, é possível perceber-se que:

  • não há nenhuma novidade nas colocações apresentadas - é tudo coisa conhecida!
     
  • em documentos de décadas passadas, mais de 80 % das questões assinaladas já eram apresentadas, como graves problemas, que precisavam de urgentes soluções - mas já se foram duas gestões - FHC e já se vão mais duas gestões - LULA;
     
  • nesse período, em que poucas modificações existiram e embora para os mais céticos, nada tenha mudado, o setor cresceu e essas questões pouco atrapalharam;

Dessa avaliação, pode-se ter algumas conclusões:

  • é tudo balela e choradeira: o setor tem vida própria, independência institucional e tem força para superar suas dificuldades;
     
  • há problemas a serem resolvidos: as questões existem, sempre dificultaram o setor, e só foram superadas, porque a atividade esteve ligada, na sua grande maioria, à produção de matéria prima de grandes indústrias e o produto final foi capaz de pagar as contas – o que não poderia acontecer era faltar madeira!
     
  • as questões existem e exigem solução: os tempos mudaram e a floresta virou negócio; os problemas impactam os custos e oneram a produção, afetando a viabilidade econômica do empreendimento; podem afastar investidores e prejudicar a competitividade da silvicultura brasileira. Essa conjugação de fatores adversos, poderá limitar o crescimento da atividade, na medida em que aumentam os interessados na atividade florestal, como negócio independente e sustentável!

Estamos vivendo uma nova fase da silvicultura com novos objetivos, novos clientes e novos interesses. Precisamos encontrar novas alternativas, novos argumentos e novas estratégias, ainda que sejam para buscar soluções para os mesmos problemas, supostamente, conhecidos e há muito tempo em discussão!

O interessante é que as novas eleições, mesmo que com candidatos não tão novos, propiciam um momento singular para cobranças, compromissos, enfim, uma nova oportunidade para ampla reflexão de todos que lutam pela valorização da silvicultura brasileira! O importante é que mantenhamos a disposição para mais um gole, mesmo que seja, de um café amargo e requentado e que poderá, até ser servido pelas mesmas pessoas!

Nelson Barboza Leite -nbleite@uol.com.br

Fonte: Painel Florestal

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