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Estudo mostra impacto de agrocombustíveis para a produção de alimentos em Moçambique

Empresas brasileiras e da Europa estão entre investidores do setor no país africano


Publicado em: 05/12/2012 às 09:40hs

Estudo mostra impacto de agrocombustíveis para a produção de alimentos em Moçambique

Trabalho realizado na Unesp de Presidente Prudente apresenta um panorama crítico para a expansão da produção de agrocombustíveis em Moçambique. Segundo a pesquisa, o aumento da cultura de cana-de-açúcar para geração de etanol e o intenso cultivo de jatropha (vegetal da mesma família da mamona) para a produção de biodiesel estão deslocando a produção de alimentos do país africano e retirando comunidades de seus locais de origem.

O autor da pesquisa é o geógrafo moçambicano José Maria do Rosário Chilaúle Langa. Ele concentrou sua análise na província de Manica, região central de Moçambique, distante cerca de mil km da capital nacional, Maputo. Sua dissertação, defendida este ano, teve a orientação do professor José Gilberto de Souza, co-orientação da professora Rosângela Aparecida de Medeiros Hespanhol e contou com bolsa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Langa explica que a diminuição da produção de cultivos alimentares em Moçambique está diretamente ligada à retirada da posse sobre a terra dos pequenos produtores, quase sempre os responsáveis pela produção de alimentos. Sem alternativa, esses lavradores se tornam empregados na lida da cana-de-açúcar ou na cultura da jatropha. "Toda sua relação com a terra é alterada", diz o pesquisador.

O geógrafo chama a atenção para o fato de que Moçambique não fabrica biocombustível, apenas exporta cana-de-açúcar e jatropha in natura. Além disso, o etanol e o biodiesel não foram incorporados à matriz energética do país, ou seja, todo o esforço para produção desses agrocombustíveis está voltado exclusivamente ao abastecimento de mercados externos, sobretudo o europeu. "Estamos falando de uma busca por energia 'limpa' a custa da precarização da vida dos camponeses de Moçambique", diz.

Empresas da Europa são as principais investidoras do setor, mas é cada vez maior a participação de companhias brasileiras, como a Petrobrás e a Açúcar Guarani S/A. Essas e outras companhias do Brasil tem estabelecido acordos com o governo em Maputo para oferecer o investimento em biocombustíveis, com o argumento de levar desenvolvimento ao país africano e reduzir a pobreza.

Para Langa, a própria ideia de levar desenvolvimento já é equivocada. "O desenvolvimento de uma população ou comunidade precisa ser endógeno, ou seja, deve vir de dentro, depende de cada ser humano que é responsável pela direção do processo", afirma. "Para alguns autores, é ainda mais importante perceber, quando se fala de desenvolvimento, de onde esta força está vindo ou de quem é o interesse nesse desenvolvimento."

Os sem-terra

Ex-colônia portuguesa, Moçambique conquistou sua independência em 1975, após dez anos de guerra. Em seguida, o país tornou-se um estado socialista, governado pelo partido único Frelimo (acrônimo da Frente de Libertação de Moçambique). Em 1990, a constituição é reformada e o país passa a ter outros partidos, embora, até hoje, a Frelimo tenha sido a única vencedora de todas as eleições.

Além de reformas políticas, os anos 90 foram época de aberturas econômicas em Moçambique, mas as leis de terra do país africano continuam até hoje influenciadas pelo período comunista. Todas as terras do país pertencem ao Estado. Para trabalhar nelas, o camponês, habitante ou empresa recebe um Duat (sigla para Direito de Uso e Aproveitamento da Terra), mas o documento não funciona como uma escritura, isto é, não é legalmente possível vender essas terras. Com um aumento significativo do investimento estrangeiro no país na última década, criou-se um mercado ilegal de terras, em que a posse é vendida por valores que podem varia de 5 a 50 salários mínimos, que no setor agrário corresponde a 2.300 Meticais, cerca de R$ 170.

"Por causa do surgimento e expansão do mercado de terras, foi possível perceber que os conflitos no campo aumentaram na província de Manica, deixando as comunidades vulneráveis e sem terreno para desenvolver suas atividades", afirma Langa. Para ele, as condições de trabalho degradantes no campo e o deslocamento dos pequenos produtores podem gerar "revoluções de terra", com a organização dos camponeses em grupos, a exemplo do Movimento dos Sem Terra do Brasil. "Os maiores problemas na era capitalista em Moçambique ainda vão aumentar principalmente se a sociedade civil e governo não apostarem em políticas sociais."

Fonte: Assessoria de Comunicação e Imprensa Unesp

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