Publicado em: 26/09/2024 às 16:00hs
Diante da seca histórica que atinge o Brasil e ameaça a oferta de energia das hidrelétricas, o país tem intensificado seus investimentos no gás natural como alternativa para garantir o fornecimento de energia. Recentemente, o governo anunciou uma série de iniciativas voltadas para ampliar a produção desse recurso, decisão que gerou críticas devido à dependência crescente de combustíveis fósseis, amplamente apontados como causadores da crise climática.
No final de agosto, um decreto foi publicado com o objetivo de reduzir o custo do gás natural, promovendo um "choque" de oferta. A estratégia prevê um aumento na produção por meio de maior poder regulatório da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que poderá exigir o aumento da extração em campos já em operação.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defendeu que a medida ampliará a disponibilidade de gás natural, diminuindo a dependência de insumos estratégicos importados. "Com isso, vamos melhorar o aproveitamento e o retorno social e econômico da produção nacional de gás natural", destacou o ministro.
O uso do gás natural no contexto da transição energética é um tema amplamente debatido. Para Sylvie D'Apote, diretora executiva de gás do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), o recurso ainda é visto como uma opção "acessível e segura", especialmente diante das dificuldades para implementar fontes mais limpas, como o hidrogênio verde, em larga escala no Brasil.
Contudo, o incentivo ao uso de combustíveis fósseis tem gerado controvérsias. Críticos, como Carolina Marçal, coordenadora de projetos do Instituto ClimaInfo, apontam que tal expansão pode retardar o avanço da transição energética, além de comprometer investimentos em energias renováveis pelos próximos 30 anos. "Aumentar o uso de combustíveis fósseis agrava a crise climática que enfrentamos e eleva os custos da eletricidade", enfatiza Marçal.
Ela também alerta para a possível adoção do fracking, técnica de extração de petróleo e gás proibida em diversos países, como Alemanha e Reino Unido, mas cogitada pelo governo brasileiro. "O fraturamento hidráulico, que traz alto impacto ambiental e social, pode ameaçar áreas no Amazonas, Pará, Piauí e Maranhão", ressalta Marçal, citando o interesse crescente de empresas em utilizar essa tecnologia nessas regiões.
Apesar das críticas, o setor de gás no Brasil continua a crescer. Segundo estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), os investimentos no setor podem atingir R$ 94,6 bilhões nos próximos anos. O Gasoduto Rota 3, que aumentará o escoamento de gás da Bacia de Santos, está previsto para inauguração em breve. Outro projeto de destaque é o SEAP (Sergipe Águas Profundas), que deve iniciar suas operações na Bacia de Sergipe-Alagoas em 2028.
Embora a produção nacional de gás natural tenha atingido um recorde em 2023, com 150 milhões de metros cúbicos por dia (8,7% a mais que no ano anterior), o Brasil ainda depende de importações, principalmente da Bolívia e dos Estados Unidos. O uso do gás é predominante no setor elétrico, e com a baixa nos níveis dos reservatórios das hidrelétricas, há expectativa de maior ativação das usinas térmicas movidas a gás nos próximos meses.
Há uma certa desconfiança sobre o sucesso das medidas governamentais para reduzir os custos e ampliar a produção de gás natural. Segundo Vínicius Romano, especialista em gás natural da consultoria Rystad Energy, o decreto pode gerar mais intervenção no setor e aumentar os riscos para investidores, já que a maior parte da produção de gás está associada à extração de petróleo. "O excesso de oferta forçada pode comprometer tanto a produção de petróleo quanto a atratividade de novos projetos", pondera Romano. Ainda assim, ele acredita que a alta oferta pode levar à redução dos preços para os consumidores.
A guerra na Ucrânia e a consequente reorganização do setor de gás em países europeus impulsionaram o uso de fontes alternativas e a busca por novos fornecedores. Embora o Brasil tenha sentido os efeitos da alta nos preços internacionais, a produção interna e as condições climáticas atípicas resultaram em menor dependência de importações em 2023.
De acordo com Sylvie D'Apote, a diversificação das fontes de gás é benéfica, pois permite que o Brasil negocie melhores contratos. No entanto, Romano aponta que, a longo prazo, a expansão da produção interna de gás natural pode reduzir a necessidade de importações.
Ivo Pugnaloni, engenheiro eletricista e CEO da ENERCONS, destacou que a dependência de fontes intermitentes, como a energia solar, não é suficiente para garantir a demanda crescente de energia no Brasil. Para ele, apenas hidrelétricas e termelétricas podem sustentar a carga de novas indústrias no país. Pugnaloni também criticou a falta de uma precificação das externalidades ambientais no setor elétrico, o que pode gerar um risco de judicialização no futuro.
"O atual governo precisa entender que, sem novas hidrelétricas para complementar as fontes intermitentes, como solar e eólica, o Brasil terá que recorrer ainda mais às termelétricas, que já representam 37% da capacidade instalada do país", concluiu Pugnaloni, preocupado com o impacto dessas decisões no futuro energético do Brasil.
Fonte: Portal do Agronegócio
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