Publicado em: 01/02/2016 às 01:00hs
Carlos Claret Sencio Paes: Empresário do ramo de energias renováveis
Por: Bruno Saviotti
Claret atua há três décadas no desenvolvimento de produtos e serviços inovadores na área de software, eletroeletrônica e metal mecânica, nos segmentos de telecomunicações e energia. É membro da Associação Brasileira de Biogás e Biometano (Abiogás) e participa da Cátedra Ozires Silva de Empreendedorismo e Inovação Sustentáveis em Londrina, no Paraná.
Há quanto tempo atua com reaproveitamento de dejetos e utilização do biogás e como tem desenvolvido esse trabalho?
O aproveitamento dos dejetos de animais para produção de biogás e o seu consequente aproveitamento energético, sempre foi objeto de pesquisa com o objetivo de torná-lo comercialmente viável. No Brasil, esse assunto começou a ser tratado com mais força a partir dos nos 1970, mas esbarrou nas limitações de tecnologias para o seu aproveitamento na geração de energia elétrica, ficando limitado ao biofertilizante e ao uso da energia térmica.
Atuamos no mercado há mais de 15 anos, e durante todos esses anos temos realizado palestras para promover este tema em todo território nacional. Nossa empresa é a primeira a fazer o aproveitamento energético do biogás (elétrico e térmico) de maneira comercial, ou seja, criamos um negócio no ano de 2000 cujo foco são as energias renováveis, e o biogás foi o nosso ponto de partida.
Em 2003, lançamos comercialmente a 1ª linha de grupos geradores a biogás e nos tornamos uma das poucas empresas no mundo a deter tecnologias que permitem o uso do biogás “in natura” a 100% como combustível em motores a combustão para serem utilizados em grupos geradores de energia (elétrica ou térmica) e o mais importante, com um custo viável.
Em função do sucesso obtido ao longo dos anos, em 2010, fundamos a primeira fábrica brasileira para industrialização de motores 100% a gás (Biogás, Gás natural, GLP e Gás de Síntese).
Poderia contextualizar a implantação do biogás no Brasil em relação ao tratamento e reaproveitamento de dejetos?
Podemos dividir a questão dos tratamentos e aproveitamento dos dejetos de suínos em algumas fases bem distintas. A primeira é o uso dos dejetos in natura como adubo, com o tratamento em lagoas. A segunda etapa é a pressão ambiental sobre a atividade da suinocultura, no final dos anos 1990, que levou os grandes frigoríficos a buscarem tecnologias viáveis e de baixo custo para o tratamento dos dejetos de maneira para atender as exigências dos órgãos ambientais e viabilizar a atividade.
Um dos caminhos utilizados foi o uso de tecnologias de biodigestão simplificadas e o modelo escolhido foi o biodigestor canadense, simples, composto por uma lagoa impermeabilizada com revestimento superior para contenção do biogás gerado pelo processo de biodigestão anaeróbio. Nessa fase, as pesquisas para aproveitamento energético (elétrico e térmico) começaram a ganhar força gerando uma demanda por tecnologias economicamente viáveis.
A terceira fase é voltada para os créditos de carbono, um promissor mercado na área financeira. A assinatura do protocolo de Kioto, em 2005, trouxe o compromisso de redução da Emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE), e os olhares se voltaram para a comercialização de créditos de carbono cotados em bolsa de valores, em que a tonelada de gases que deixava de ser emitida em determinado local poderia ser comercializada para compensar as emissões em outras regiões.
O gás metano (CH4) foi a grande estrela dessa fase, que pelo fato de ser 21 vezes mais poluente que dióxido de carbono (CO2), a sua redução gerava muito mais lucro que qualquer outro gás de efeito estufa. Os grandes operadores mundiais de crédito de carbono enxergaram na suinocultura brasileira uma enorme oportunidade de investimento com retorno garantido, e criaram um modelo de operação onde realizavam todos os investimentos no tratamento de dejetos e ficavam com direito exclusivo de comercialização dos créditos de carbono gerados pela “queima” do gás metano (biogás) e o produtor poderia utilizar todo o biofertilizante.
Em função do baixo custo e da facilidade de implantação, o biodigestor modelo canadense foi a tecnologia escolhida para ser utilizada na produção de biogás e sua queima era realizada exclusivamente em queimadores do tipo Flare.
Na quarta fase, a geração de créditos se dava exclusivamente pela queima do biogás e, pelo fato da nossa empresa já estar consolidada como fornecedora de tecnologias para o aproveitamento energético do biogás, iniciou um trabalho também em 2005 junto aos operadores de crédito de carbono e à Organização das Nações Unidas (ONU) para liberação do uso do biogás para desenvolvimento de energia com a geração de créditos de carbono.
A quebra do mercado de créditos de carbono é devida à crise econômica mundial iniciada em 2008, onde a falência dos operadores gerou um passivo enorme de biodigestores abandonados e subutilizados, obrigando os suinocultores a assumirem a sua manutenção.
Nessa fase, surgiram empresas especializadas na manutenção e fornecimento de tecnologias para a biodigestão, trazendo mais segurança para os suinocultores continuarem investindo no aproveitamento energético do biogás (elétrico e térmico).
Começaram a surgir também demandas para o uso industrial e veicular do biogás, em máquinas e equipamentos agrícolas, veículos de passeio e caminhões. Tendo como foco também esse mercado, nossa empresa estruturou uma área para o desenvolvimento e aplicação de tecnologias para a purificação do biogás transformando-o no gás biometano, cuja concentração de metano atinge nível superior a 96%.
A ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) por meio das avaliações das nossas tecnologias e dos resultados obtidos na produção do biometano, publicou em 2015 uma normativa reconhecendo o biometano gerado em processos agropecuários e agroindustriais como combustível a ser utilizado em veículos e indústrias, sendo considerado equivalente ao gás natural.
A quinta fase está relacionada com a crise energética, iniciada em 2015 com a falta de energia, com o aumento “desenfreado” das tarifas, com a consolidação da geração distribuída de energia renovável, com os incentivos financeiros e as linhas de créditos lançadas pelo Governo Federal. Dessa forma, foi criado um ambiente ideal para a consolidação dos processos para aproveitamento energético do tratamento dos dejetos no segmento agropecuário (suinocultura, avicultura, pecuária de corte e leite, agroindústrias, etc.), destacando a produção de energia elétrica e a utilização cada vez maior do biofertilizante.
A sexta etapa é o envolvimento direto do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) com o projeto Suinocultura de Baixa Emissão de Carbono, em 2015. Essa é uma fase muito importante, pois o aproveitamento energético do biogás e suas linhas de fomento passam a ser formalmente objeto de estudo com o apoio do Governo Federal.
Uma pesquisa aprofundada trouxe para o MAPA uma visão clara do potencial energético da suinocultura brasileira e os desafios enfrentados e a serem superados pela cadeia produtiva em termos de tecnologias disponíveis para produção de biogás e para o seu aproveitamento energético, assim como as dificuldades para se obter os recursos financeiros que já estão disponibilizados para o fomento destas tecnologias.
Qual a importância de se trabalhar com o biogás e outras energias renováveis no Brasil?
A matriz energética brasileira está cada vez mais identificada com os processos de energias renováveis, sendo que o foco ainda está muito forte nas energias eólica e solar, motivado pela presença dessas tecnologias no mercado mundial.
Nos últimos anos, ações lideradas instituições tais como o Centro Internacional de Energias Renováveis – Biogás (CIBiogás), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Associação Brasileira de Biogás e Biometano (Abiogás) tem levado propostas ao Governo Federal com o objetivo de consolidar a presença do biogás na matriz energética brasileira. Essas ações sem dúvida alguma ganharam um reforço com a entrada do MAPA por meio do projeto da Suinocultura de Baixa Emissão de Carbono.
Os resultados desse trabalho podem ser sentidos por meio da inclusão dos processos que utilizam o biogás nos programas da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e da ANP.
As recentes alterações na Resolução Normativa nº 482 da ANEEL, que regulamenta a geração distribuída em pequenas fontes geradoras, promovem um grande avanço na geração de energia, principalmente, tendo o biogás como fonte energética.
A partir de março de 2016, os produtores de biogás e empresas poderão se organizar em “consórcios, associações ou cooperativas” para produção de energia renovável que poderá ser compensada entre eles, sendo que a potência máxima passou de 1 MW/h para 5 MW/h.
Isso permite, por exemplo, que as grandes empresas integradoras da agropecuária (cooperativas, frigoríficos, etc.), formalizem parcerias com os potenciais produtores de biogás para fomentar a produção de biogás e a geração da energia elétrica necessárias para as suas atividades, promovendo uma redução significativa nos seus custos operacionais.
Para se ter um exemplo do potencial energético da agropecuária na produção do biogás, a nossa empresa possui atualmente mais de 700 projetos implantados ao longo dos últimos 15 anos, sendo 90% na suinocultura. Esses números representam um potencial instalado para produção de energia elétrica com capacidade para atender a demanda de mais de um milhão e duzentas mil casas do projeto do Governo Federal “Minha Casa, Minha Vida”.
Apenas os resultados alcançados pela empresa nos permitem afirmar que a cadeia produtiva do biogás na agropecuária sem dúvida alguma é uma contribuição significativa para matriz energética brasileira.
Qual o valor social que o biogás pode trazer para a sociedade e o produtor?
O benefício direto para sociedade como um todo poderá ser medido de várias maneiras, em que podemos destacar a redução das emissões dos gases de efeito estufa (GEE), a preservação ambiental, reduzindo a necessidade da construção de novas hidroelétricas e o desligamento de termoelétricas que utilizam combustíveis fósseis, e a produção de alimentos mais saudáveis com a redução na utilização de fertilizantes e adubos químicos que são substituídos pelo biofertilizante.
Não temos dúvida alguma de que o conceito de produção do biogás como atividade agropecuária proporcionará ao produtor rural uma nova fonte de renda, contribuindo de maneira direta para o aumento da lucratividade que se realiza por meio da redução dos gastos com a energia elétrica e dos custos e o aumento da produtividade agrícola com a utilização do biofertilizante.
Como analisa as perspectivas para o futuro no Brasil quanto ao reaproveitamento dos dejetos animais?
Conforme já relatado, as perspectivas são altamente positivas. O fato interessante é que o segmento agropecuário sempre sofre com os impactos das crises mundiais, mas ele nunca para de crescer. O mercado de proteína animal caminha a passos largos e sempre busca alternativas para redução de custos e aumento de renda e sem dúvida alguma o aproveitamento energético dos dejetos gerados irá contribuir de maneira significativa para a redução de custos operacionais e aumento da lucratividade.
Outro aspecto importante, que contribui de maneira positiva, é o fato de que a indústria nacional produz equipamentos e serviços que possibilitam um aproveitamento total do potencial energético (elétrico, térmico, fertilizante, etc.) dos dejetos animais.
Qual a importância do projeto Suinocultura de Baixa Emissão de Carbono?
A grande contribuição do projeto foi fazer o Governo Federal, por meio do Mapa, atuar de maneira direta no debate sobre o fomento e a exploração do potencial energético do biogás no segmento agropecuário, ao fazer um diagnóstico geral do setor da suinocultura com o objetivo de fortalecer e garantir os programas e os recursos necessários para o seu crescimento e sua consolidação como atividade econômica agropecuária.
Não tenho dúvida alguma de que o sucesso alcançado pelo projeto no ano de 2015, permitirá a sua continuidade no ano de 2016 com um foco na “agropecuária de baixa emissão de carbono”, abrangendo outras cadeias além da suinocultura.
Fonte: Projeto Suinocultura de Baixa Emissão de Carbono
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