Publicado em: 30/08/2022 às 11:10hs
Mas, ao contrário do resto do planeta, aqui há um diferencial competitivo que merece atenção: o etanol. Ele vem sendo considerado o elemento de transição para que a mobilidade faça sua passagem para carros com emissão zero de carbono.
A indústria automobilística tem olhado com muita atenção para esse produto, porque, diferentemente dos países desenvolvidos, o Brasil não tem condições de migrar do carro a combustão interna direto para os modelos 100% elétricos.
"Isso seria um salto muito brusco, muito brutal", diz João Irineu Medeiros, diretor de Compliance de Produto e Regulamentação da montadora Stellantis. Ele ressalta que a Europa fez isso, mas o Brasil não precisa fazer e nem pode. Não precisa porque tem etanol. E não pode porque o custo é alto.
"Os investimentos em curso são altos e precisam ser amortizados. Por isso, o processo deve ser cadenciado. Os programas que há no país ajudam o Brasil a refletir sobre o tema e a entender os setores que emitem CO2. E todo mundo tem que ter a meta da descarbonização. Todos os setores precisam dar sua contribuição", argumenta.
O diretor da Stellantis se refere a programas como Combustível do Futuro, RenovaBio, Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, Rota 2030, entre outros. São iniciativas que ajudam o país a pensar num marco regulatório, algo necessário para a mudança de paradigmas que o Brasil precisa promover em vários setores, inclusive na mobilidade, diante do compromisso assumido em torno da redução das emissões de carbono. Signatário do Acordo de Paris, o governo brasileiro se comprometeu em alcançar a neutralidade até 2050.
João Irineu ressalta que o Brasil tem "uma excelente oportunidade" de descarbonizar a mobilidade estimulando o uso do etanol. "Nenhum país no mundo tem essa oportunidade de promover a descarbonização a baixo custo e tão rápido", diz. É importante lembrar que países da Europa avançam com essa pauta graças à bonificação ao consumidor para estimular a compra do carro elétrico. Não há chance a curto prazo de se fazer isso aqui.
"O Brasil tem quatro décadas de acúmulo de tecnologia nesta área e intensificar o uso do etanol é uma decisão inteligente, que leva em conta a imensa plataforma produtiva, logística e de distribuição já implantada no país", diz João Irineu.
Outro aspecto é que a transição com o uso do etanol dá tempo para que o custo do carro 100% elétrico caia. Há hoje uma forte demanda por baterias elétricas no mundo, em virtude do processo acelerado de zerar as emissões de carbono em vários países europeus, e essa demanda está desequilibrada com a oferta, o que eleva os custos de produção.
O executivo defende que haja estímulos por parte dos governos ao uso do etanol. "Estímulo pelo lado do consumidor, atacando preço, considerando a equação de quanto o carro performa com etanol -- em média 30% abaixo da gasolina -, mas também do lado do distribuidor", diz.
A indústria tem feito sua parte. O Programa Inovar-Auto, encerrado em 31 de dezembro de 2017, alcançou a meta de melhorar o motor a etanol em 11% . O seu sucessor, o Programa Rota 2030, tem o mesmo percentual como meta a ser cumprida até 2030.
Caminhando na direção da descarbonização, a Stellantis trabalha na combinação do etanol com a eletrificação em motores híbridos, como transição para uma mobilidade sustentável de baixo carbono. Porque isso permitirá o acesso de faixas maiores do mercado consumidor a tecnologias de baixa emissão.
Mas a sua rota tecnológica da motopropulsão não para por aí. Ela começa no desenvolvimento de motores mais eficientes, passa pelo aprimoramento do etanol e sua utilização em sistemas híbridos de propulsão, que combinem o biocombustível com a eletrificação. A rota avança para os motores elétricos a bateria e vai até as células de combustível a etanol.
Quando considerado o conceito well-to-wheel (no caso, do campo à roda), o etanol é altamente eficiente quanto às emissões, porque a cana-de-açúcar em seu ciclo de desenvolvimento vegetal absorve de 70% a 80% do CO2 liberado na produção e queima do etanol combustível.
E o setor sucroalcooleiro está atento a isso. As mudanças nos carros vão trazer o etanol à condição de protagonista que teve na década de 70, quando foi lançado o Programa Pró-Álcool. Na época ele surgiu como alternativa à gasolina e graças a isso, hoje em dia, quase 75% da frota brasileira é flex.
Para o presidente do Sindicato do Açúcar do álcool de Pernambuco (Sindaçúcar-PE), Renato Cunha, o etanol terá vida longa como combustível, ainda que as montadoras avancem com a eletrificação. "O Brasil é o único país do mundo que conta com uma rede de distribuição para o etanol. São mais de 40 mil postos e isso é muito favorável", diz.
O uso do etanol terá uso tanto em veículos flex, como num novo modelo que começa a ser explorado, que é o automóvel a célula de combustão. A célula de combustão extrai o hidrogênio verde que está no etanol.
"A teoria da gente é a da hibridização das fontes, com etanol. Para nós o caminho são os automóveis com célula de combustão. O modelo 100% elétrico tem o desafio do descarte das baterias, que têm lítio e cobalto. A quem fica esse ônus?", questiona Cunha.
A reciclagem das baterias é realmente um desafio. Para João Irineu, as baterias do carro elétrico são objetos tecnologicamente bastante evoluídos, que têm carga de materiais nobres elevados e esses elementos seguramente farão com que surjam fábricas de reciclagem de bateria, dada a necessidade de reaproveitamento desses materiais.
Fonte: Movimento Econômico
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