Publicado em: 20/11/2024 às 08:00hs
Muito tem sido falado sobre o crescimento da produção de etanol de milho no Brasil, que deve chegar a 6 bilhões de litros na safra 2023/2024 – um avanço de 36% em relação à temporada anterior e de 800% em apenas cinco anos, segundo dados da União Nacional do Etanol de Milho (Unem). Com a variação do valor do milho e melhores ofertas, por vezes há um impulso de moer mais para aproveitar o momento do mercado, em nome da produtividade. No entanto, essa prática promove sempre um melhor rendimento?
O foco na produtividade muitas vezes traz um viés voltado para o aumento do teor de sólidos trabalhado nas etapas de cozimento e liquefação no processo, o qual varia desde 28% até 36% em plantas da América Latina. Contudo, pode haver uma queda na performance da fermentação, e por consequência, do rendimento em litros/toneladas, seguindo essa estratégia. Uma oportunidade a ser considerada pelos produtores de etanol a partir do milho ou de outros cereais é a extração do máximo que a matéria-prima pode oferecer em combinação com soluções avançadas de biociência.
Uma das métricas de avaliação da fermentação é a relação entre o etanol produzido em g/100mL ou %massa/volume e os sólidos alimentados ao longo de todo o período de enchimento da dorna. Essa relação pode variar entre 0,4 a 0,46 e depende de diversos fatores, como eficiência da liquefação e solubilização do amido disponível na matéria-prima, limpeza de planta e controle de contaminação, controle de temperatura ao longo da fermentação e performance dos produtos utilizados, como enzimas e leveduras, entre outros.
O aumento de sólidos e consequente aumento do teor de etanol é um fator de estresse para qualquer levedura. No entanto, as leveduras podem ser geneticamente modificadas para aumentar sua robustez e oferecer um desempenho aprimorado, mesmo em condições fermentativas mais desafiadoras. Com o uso desse tipo de solução, hoje é possível, por exemplo, alcançar rendimentos superiores a 0,44, chegando até 0,46 em etanol por sólidos.
Um ponto importante é que o aumento de sólidos pode ser acompanhado de queda no rendimento. Dou um exemplo factível. Ao trabalhar com 34% de sólidos e tendo conversão de 0,46, é esperado um teor alcoólico de 19,82 GL1, enquanto que se a conversão reduz para 0,435 com o aumento de sólidos em 0,5%, será produzido menos etanol (19 GL) com maior uso de milho. Em uma dorna de 3.000 metros cúbicos, isso representa algo em torno de 24 metros cúbicos a menos de etanol – e com uma aplicação de 20 toneladas a mais de milho.
Em aumentos mais expressivos de sólidos, o teor de etanol em GL pode ultrapassar a impressionante marca de 21. Mas, novamente, esse resultado pode não estar associado ao melhor rendimento possível. Ao compararmos por exemplo uma planta com rendimento de 436 litros de álcool anidro por tonelada de milho com uma planta de 442 litros por tonelada, considerando a moagem de 5 mil toneladas/dia para ambas e 350 dias de operação, a diferença em receita de etanol pode chegar a R$ 27 milhões2.
Em um cenário no qual a produtividade predomina nas cartilhas dos produtores de biocombustíveis, uma maior atenção ao rendimento pode promover ganhos consistentes para todo o mercado. De acordo com estudo da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), a demanda global de biocombustíveis deve crescer aproximadamente 22% nos próximos anos, o equivalente a 38 bilhões de litros anuais. Segundo a projeção, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Indonésia e Índia representam 80% dessa expansão³.
A marca de 6 bilhões de litros produzidos coloca o Brasil como o segundo maior produtor mundial. Apesar deste patamar, o país se encontra bem atrás dos Estados Unidos, o maior produtor de etanol de milho do mundo, que processou mais de 58 bilhões de litros em 20234. O potencial para crescimento da produção brasileira é enorme, assim como a oportunidade para a geração de benefícios econômicos tangíveis para o país – alinhados, aliás, às urgentes pautas da redução do uso de combustíveis fósseis e o fortalecimento das matrizes mais sustentáveis. As pessoas e o planeta têm muito a ganhar.
GL, ou grau Lussac, é uma fração de volume que representa a quantidade em mililitros de álcool absoluto contida em 100 mililitros de mistura hidroalcoólica.
Considerando-se um preço de R$ 2.565 por metro cúbico de etanol anidro. Fonte: CEPEA.
Biocombustíveis para transporte. Fonte: International Energy Agency
Visão geral do etanol combustível. Fonte: U.S. Energy Information Administration
Jessica Santos, engenheira química, é gerente de serviços técnicos na IFF.
Fonte: 2PRÓ Comunicação
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