Publicado em: 19/10/2017 às 01:00hs
Roberto Azevêdo: Diretor-geral da Organização Mundial do Comércio desde 1º de setembro de 2013
Formação: Engenharia elétrica pela Universidade de Brasília
Por: Isabel Fleck
A avaliação é do diretor-geral da organização, o brasileiro Roberto Azevêdo, que manteve, nos últimos dois dias, conversas em Washington com integrantes do governo Trump e no Congresso.
"Pedi que nos ofereçam algum tipo de perspectiva de solução", disse Azevêdo à Folha, em Washington.
O órgão de apelação da OMC, última instância para decisões sobre disputas comerciais entre países, já está com dois de seus sete assentos vagos e um terceiro juiz deve se aposentar em dezembro. Com quatro juízes, o risco de paralisia no órgão que precisa de três juízes para deliberar, será grande.
Em agosto, os EUA recusaram as propostas para iniciar os processos para preencher os postos vagos.
Folha - O sr. teve reuniões com o governo americano em meio ao impasse sobre o órgão de apelação. O que pediu?
Roberto Azevêdo - Trouxe a mensagem de que a participação e o apoio dos EUA para os resultados na reunião ministerial de Buenos Aires [em dezembro] são importantes. E que queremos atenção para o que está acontecendo. Pedi que nos ofereçam algum tipo de perspectiva de solução.
Que resposta ouviu deles?
Acho que ainda estão num processo de avaliação. Nos governos anteriores já vínhamos recebendo sinais de que estavam desconfortáveis com várias determinações do órgão. Eles ainda não têm ou não nos ofereceram uma visão de solução possível, mas garantiram que estão refletindo e ficamos de seguir o diálogo.
Qual a principal demanda?
A principal reclamação americana é de que, na visão deles, o órgão está assumindo um papel de quase legislador, em vez de ser só árbitro. Acham que o órgão está tomando decisões que precisariam da aprovação dos membros, como no caso de um membro tem o mandato expirado, mas continua trabalhando em apelações que participava antes da expiração.
Há espaço para mudanças?
Os EUA já levantaram essa questão em Genebra. Os membros ouviram e estão pensando. Encontrar uma solução passa por ter um entendimento mais amplo sobre a forma como o órgão tem que operar.
Mas há tempo para essa discussão, já que, em breve, três assentos devem ficar vagos?
A solução já está atrasada. Quanto tempo nós temos? O ideal seria hoje, mas não é uma coisa que você decida sozinho. Temos urgência, mas essas soluções não acontecem sem passar por um processo.
A comissária de Comércio da UE disse que esse impasse vai implodir a OMC. Na sua visão, como isso vai afetar a OMC?
Se não resolvermos isso, haverá um impacto sistêmico forte, não tenho a menor dúvida. Já está havendo impacto, com atraso de trabalho de contenciosos em andamento.
Na campanha eleitoral, Donald Trump disse que os EUA poderiam deixar a OMC caso eleito. O sr. vê esse risco?
Eu não recebi nenhum sinal de que seja esse o plano.
Há rumores de que o governo Trump poderia estar bloqueado esse processo de nomeação para minar a OMC?
O que eu sei é que existem preocupações sobre o funcionamento do órgão, mais do que isso seria especular.
Isso pode impactar o recurso do Brasil sobre a condenação de sua política industrial?
Não sei dizer caso a caso, porque alguns já estão com as divisões montadas, outros não. Eu não saberia dizer no caso específico do Brasil.
O sr. destacou em palestra que oito em cada dez empregos perdidos nas economias avançadas são devido à tecnologia e não a importações baratas. É um recado contra o protecionismo de Trump?
Não. Usei o exemplo de maneira geral. Se o diagnóstico de tensões no mercado de trabalho se limitar à questão comercial, não vai resolver. É o remédio errado para o problema errado. Pode agravar a situação, e não ajudar.
Qual o real risco de políticas protecionistas defendidas por alguns governos, em especial o americano?
O maior risco é o dia que o discurso protecionista virar realidade. Cerca de 4,25% do comércio mundial foi afetado por medidas protecionistas introduzidas desde 2008, quando eclodiu a crise. Poderia ser zero, no mundo ideal, mas é um valor muito limitado. Há risco de uma onda protecionista ou de aumento acelerado do protecionismo? Sempre há, mas não há um movimento nessa linha.
Qual a sua expectativa em relação ao futuro do Nafta?
Minha esperança é que a desagregação não aconteça. Esses acordos têm um impacto no ambiente comercial. Levam à maior liberalização comercial, aumentam os fluxos de comércio. O sistema de comércio mundial é uma teia de relações que se reforça mutuamente. Quando fios da teia começam a se romper, você enfraquece o tecido geral. O Nafta é um fio importante.
Muitos questionam a importância da OMC hoje. Diante de fenômeno como o Brexit, qual a relevância da organização?
Maior do que nunca. Imagine a situação sem o amparo da OMC. Ia ter que começar tudo do zero, mas agora você já tem regras que se aplicam. E, com o risco de tensões protecionistas, a OMC é o único bastião para manter isso. Nos anos 1930, com a crise, você teve 2/3 do comércio mundial desaparecendo em três anos. Desta vez, tivemos uma crise que todos comparam àquela e menos de 5% do comércio foi afetado. Não é coincidência. Você tem um sistema multilateral que contém os países e dá parâmetros. Em situações como essas de incertezas, de imprevisibilidade, de tensões com tendência protecionista, o sistema é mais importante do que nunca.
Fonte: Folha de S. Paulo
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