Brasil

Seca nos EUA, inflação no Brasil

Quebra na safra norte-americana ganha proporção gigantesca e amplia escassez de soja e do milho. Alta de 15% no cereal encarece carne brasileira de frango em 9%


Publicado em: 13/08/2012 às 10:50hs

Seca nos EUA, inflação no Brasil

A seca que assola a principal região agrícola do mundo – o Meio-Oeste dos Estados Unidos – se agravou e ameaça inflacionar os alimentos devido à escassez global de soja e milho, mostrou relatório divulgado ontem pelo departamento de agricultura norte-americano, o Usda. Escassos e com cotações recordes, os grãos elevam custos e afetam imediatamente cadeias como a do frango. A carne mais consumida do Brasil sobe 9% a cada 15 pontos porcentuais de elevação no preço internacional do cereal, que aumentou 20% desde o início da seca, há três meses.

Conforme o Usda, a falta de chuva e o calor excessivo reduziram a colheita norte-americana de soja e milho em 115,8 milhões de toneladas, volume equivalente a 83% do que o Brasil produziu no último ano. As cotações em Chicago, adotadas como referência em todo o mundo, não param de bater recordes. No Paraná, mesmo após uma safra de inverno acima da média, a saca de 60 quilos de milho chegou a R$ 27 e a da soja a R$ 65, valores jamais registrados. Esses produtos interferem nos preços de centenas de alimentos (veja infográfico nesta página).



Esses preços abalam principalmente as cadeias avícola e suína. “A consequência para o Brasil é uma só: inflação de alimentos, principalmente das carnes de porco e frango, além de aumento no preço do leite”, sentencia Eugênio Stefanelo, técnico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no Paraná.

As altas recentes ainda não foram totalmente repassadas ao consumidor, conforme o economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese-PR), Cid Cordeiro. Ele acredita que haverá uma valorização do grupo de carnes no segundo semestre. Os hortifrutigranjeitos de verão vão rebater parte dessa alta, aponta. Ele lembra, no entanto, que a carne é o item que tem maior peso nas despesas com alimentos.

O encarecimento dos produtos deve limitar tanto a demanda interna quanto a externa, impactando o mercado, avalia o analista da Informa Economics FNP, Aedson Pereira. “Se o varejo não paga o preço, o atacado é obrigado a reduzir a produção”, avalia, citando que a União Europeia já reduziu seu consumo por causa da crise financeira.

O clima não tem sido favorável à produção global de alimentos desde novembro do ano passado, quando o Sul do Brasil, o Paraguai e a Argentina enfrentaram seca e registraram quebras na safra de verão. Nos últimos meses, além dos Estados Unidos, países exportadores de trigo também registram falta de chuva. Na Argentina, principal fornecedor do cereal para o Brasil, a quebra deve ser de 3,5 milhões de toneladas, com colheita de 11,5 milhões de toneladas. China, Rússia e Austrália também devem ter produção de trigo menor.

Nos Estados Unidos, as chances de recuperação para o milho são consideradas mínimas. A esperança entre produtores como Scott Kaech, de Kentucky, é que a soja ainda reaja com as próximas chuvas. A seca é considera o maior desastre natural da história dos Estados Unidos.

ONU pede suspensão do consumo de milho na produção de etanol

Na tentativa de evitar uma crise alimentar mundial, o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), José Francisco Graziano da Silva, pediu aos Estados Unidos a suspensão temporária da produção de etanol a base de milho. Se as projeções divulgadas ontem pelo Departamento de Agricultura norte-americano (Usda) forem concretizadas, o país usará 42% da sua safra de milho, a mais baixa desde 2006/07, para transformar em combustível.

Os 114,3 milhões de toneladas que, segundo o órgão, terão esssa destinação, equivalem a uma safra e meia de milho do Brasil. Segundo Graziano da Silva, se houvesse suspensão imediata, o mercado poderia utilizar os grãos para a alimentação humana e animal.

Por outro lado, o desastre agrícola norte-americano, com prejuízo estimado em mais de US$ 30 bilhões, levará o Brasil à liderança na produção e exportação mundial de soja e à segunda colocação no ranking de principal fornecedor de milho do mundo, atualmente ocupada pela Argentina. As previsões atuais dão conta de que a safra nacional, que começará a ser plantada no final deste mês, ultrapassará a marca de 80 milhões de toneladas da oleaginosa, contra menos de 70 milhões de toneladas colhidas no último ciclo. Já as exportações de milho, que há dois meses eram estimadas em 10 milhões de toneladas, deverão ser superiores a 16 milhões de toneladas.

“Esse é o número mais conservador do mercado. Temos demanda para exportar até 18 milhões de toneladas, mas falta estrutura”, aponta Eugênio Stefanelo, técnico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no Paraná. Segundo ele, só em agosto as vendas externas brasileiras do cereal devem somar 4 milhões de toneladas. Com um consumo interno de 51 milhões de toneladas, sobrariam 5 milhões de toneladas em estoques, nível considerado normal.

Número

16 milhões de toneladas de milho devem ser exportadas pelo Brasil neste ano. A estimativa deve-se à quebra nos EUA. Somente neste mês, cerca de 4 milhões de toneladas devem deixar os portos brasileiros.

Opinião

Oferta caiu a ponto de não acompanhar a demanda global por alimentos

Luana Gomes, analista do Núcleo de Agronegócio da Gazeta do Povo

A mesma conjuntura que eleva os preços dos grãos, favorecendo os produtores poupados pelas quebras climáticas, é motivo de preocupação. Após quebras de safra sucessivas ao redor do globo – primeiro na América do Sul e agora na América do Norte, Europa e Ásia –, o mundo está comendo os seus estoques. E em um ritmo alarmante.

A oferta mundial de grãos não consegue acompanhar o aumento da demanda. A diferença entre produção e consumo de soja, que na safra 2010/11 era de 13,4 milhões de toneladas, deve cair a apenas 3,5 milhões no ciclo 2012/13. No milho, a situação é ainda mais dramática. De um ano para o outro, o mundo passou de uma sobra de 8,5 milhões de toneladas para um déficit de 12,6 milhões de toneladas. Esse déficit obriga o mercado a usar suas reservas.

Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o Usda, no final da safra 2012/13 (julho de 2013), o mundo terá soja suficiente para 76 dias de consumo e milho para passar apenas 52 dias. Esses volumes são considerados críticos no próprio setor.

Para devolver os estoques de soja e milho a níveis minimamente confortáveis, o mundo precisará de ao menos três safras cheias consecutivas, o que, a considerar o histórico recente, parece difícil de acontecer. Nos últimos três anos, a América do Sul teve duas safras ruins e os Estados Unidos amargaram três quebras.

Se a conjuntura atual do mercado de grãos é grave, tende a se intensificar no longo prazo. Segundo a FAO, braço das Nações Unidas para alimentação e agricultura, a produção mundial precisará aumentar 60% nas próximas quatro décadas para poder cobrir a demanda crescente por alimentos e energia.

Nas últimas décadas, a produção agrícola mundial avançou a taxas médias de 2,6% ao ano. Com risco de queda nesse índice, o temor é de uma crise de segurança alimentar em um momento de crescimento populacional e urbanização.

A crise alimentar coloca em xeque não apenas a qualidade de vida nas cidades, mas também a sustentabilidade da própria atividade agrícola. A escalada das cotações dos grãos e, junto com elas, as do petróleo, inflaciona os custos de produção. Estudo da FAO mostra que uma alta de 25% nas cotações do petróleo resultaria em uma elevação de 14% no preço dos fertilizantes, item de maior peso na ‘cesta básica’ do campo. E, se a conta não fecha no campo, fica difícil aumentar a produção.

Fonte: Gazeta do Povo

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