Publicado em: 06/03/2015 às 00:00hs
Joaquim Levy: Ministro da Fazenda
Por: Folha São Paulo
O ministro Joaquim Levy (Fazenda) disse à Folha que as medidas de desoneração da folha de pagamento tiveram efeito positivo no passado e continuam a ser vantajosas para alguns setores.
Ao anunciar mudanças no regime, na semana passada, Levy havia dito que o modelo de desoneração, instituído no primeiro mandato de Dilma Rousseff, era "grosseiro".
Ele foi repreendido pela presidente, que classificou sua declaração de "infeliz".
Folha - A economia está no chão, teremos recessão neste ano e o governo apertou ainda mais o ajuste fiscal. Não corremos o risco de matar o doente com o remédio administrado?
Joaquim Levy - O Brasil não esta doente! Aliás, sem cometer uma indiscrição excessiva, deixe-me dizer que há pessoas ao meu redor que me contam que uma dieta efetiva requer comer menos e melhor; fazendo assim, explicam, apesar do ceticismo de alguns, os resultados aparecem. As medidas econômicas tomadas até agora são essencialmente de diminuição de gastos, inclusive renúncias fiscais. Ações para diminuir a dimensão de alguns instrumentos anticíclicos, cuja eficácia vinha desaparecendo.
O governo não está muito preso ao ajuste fiscal, deixando de lado a agenda do crescimento?
O ajuste fiscal é o primeiro passo para o crescimento. Foi assim em outras ocasiões. O emprego formal, que havia encolhido na época de maior gasto público no final dos anos 1990, cresceu a partir de 1999, quando começou a haver disciplina fiscal. Em geral, estabelecido o equilíbrio, a economia dá a partida.
Como fará para aprovar as medidas no Congresso, levando em conta a tensão na base?
O Congresso tem um papel fundamental na estabilidade do país e vai saber conduzir esse movimento, até porque sua liderança já deu mostras disso. A mudança das metas promovida pelo Congresso no fim de 2014 se explica principalmente no contexto de preparar um ajuste rápido e abrangente neste ano.
A rapidez é essencial para a economia voltar a crescer. Em particular, os agentes saberem a data em que, por exemplo, MPs terão seus efeitos é um fator importante para o resultado dessas medidas sobre as expectativas e na arrecadação dentro do ano.
Sempre pode haver o que aprimorar, e o Congresso é onde a democracia opera.
Ainda que, como comentei antes, não se esteja inventando nada, mas apenas modulando efeitos de algumas medidas anteriores, com a presteza exigida pela gravidade da situação financeira do país e na intensidade ditada pelas mudanças nas economias mundial e brasileira desde meados de 2014.
O Congresso reclama de não estar sendo ouvido na adoção de medidas, como a redução da desoneração da folha de pagamento. O que o governo fará se as medidas não forem aprovadas como foram enviadas? Há plano B?
A possibilidade de as empresas não pagarem a contribuição patronal em alguns casos é regressiva em relação à regra geral. Especialmente para empresas ou setores com altos salários. Vários estudos mostram também que o custo por emprego preservado tem sido alto.
Então, apesar de o mecanismo ter dado resultado positivo no passado e continuar sendo importante para alguns setores abertos à competição externa ou da informalidade e de pequenas empresas com regime tributário favorável, seu ajuste era necessário e oportuno. Dentre as alternativas para reduzirmos o gasto com renúncias, esse ajuste é dos menos impactantes.
Como acelerar a retomada?
É evidente também que haverá oportunidades de trabalharmos com o Congresso em várias matérias econômicas, como na reestruturação do PIS/Cofins.
O ideal para o PIS seria as mudanças serem votadas ainda neste ano para entrarem em vigor em janeiro de 2016, sem perda de receita.
Se consolidarmos rapidamente as medidas anunciadas nos dois últimos meses, poderemos em breve trabalhar com o Legislativo para chegarmos a um projeto de lei do PIS/Cofins horizontal, transparente e com o mínimo de exceções. Isso aceleraria a retomada da economia.
O governo pode reduzir sua meta de 1,2% de superavit neste ano diante das dificuldades no Congresso?
Não há espaço nem intenção de reduzir a meta de 1,2% do PIB.
A presidente fez reparos às suas declarações sobre a desoneração da folha de pagamento, mas reconheceu que você está comprometido com o resultado fiscal. Nesse período de convivência com a presidente, qual sua avaliação sobre o comprometimento dela com os ajustes que estão sendo feitos na economia?
Ela tem dito e demonstrado total comprometimento com o ajuste da economia. O ajuste é a plataforma para voltar a crescer.
O sr. reforçou o ajuste preocupado com a nota do Brasil. Um ajuste tão recessivo não estaria focando demais na nota de crédito do país e menos no ambiente político para aprovar as medidas no Congresso?
O Brasil expandiu bastante o crédito nos últimos 15 anos. Isso permitiu muita gente ter acesso a bens e serviços antes inalcançáveis. Abriu espaço para as empresas investirem e micro e pequenos empresários aproveitarem as oportunidades do mercado.
O preço e o tamanho do crédito privado dependem da qualidade da dívida pública. A nota soberana não é um assunto apenas de quem investe na "renda fixa". É de todo mundo.
A indústria deve demitir. Há alguma ajuda em curso para evitar desemprego?
Em janeiro, a indústria contratou. Mas queremos um ciclo sólido de crescimento. As mudanças de preços relativos que estamos vivenciando e as iniciativas que estão vindo vão ajudar a indústria no período à frente.
O dólar segue pressionado, o que vai pressionar ainda mais a inflação. Este é um preço do ajuste em curso?
O dólar tem se apreciado no mundo todo. Tem gente que acha que uma desvalorização cambial resolveria tudo no Brasil. Mas um antecessor meu tinha um quadrinho nesta sala [no Ministério da Fazenda] que dizia em letras maiúsculas que, "para todo problema difícil, tem uma solução fácil". E, lá embaixo, em letras minúsculas, bem minúsculas, estava: "Em geral inadequada".
Não tem uma medida mágica para reequilibrarmos a economia. O governo fez movimentos moderados em várias áreas, reduzindo os subsídios do BNDES, fazendo uma programação de gastos dos ministérios disciplinada, alinhando o preço dos combustíveis, acertando as contas no setor elétrico, atacando brechas que podiam distorcer a concessão de pensões por morte e modulando a renúncia fiscal.
Um conjunto bem distribuído, que vai permitir à economia tomar pé com confiança e os preços relativos encontrarem um equilíbrio saudável.
Com isso, o ambiente vai mudar e com custo muito menor do que algumas pessoas pensam hoje.
Fonte: Folha São Paulo
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