Brasil

O país chamado Agronegócio frente à crise

Leia artigo de Antonio Carlos Moreira, pós-graduado em Economia e Mercados Futuros e gerente de comunicação da Andef.


Publicado em: 06/11/2008 às 15:23hs

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Anos atrás, disse-me em entrevista o atual presidente do Banco Central, Henrique Meireles: ''As crises começaram nas nações ricas, mas causam problemas gravíssimos nos países menos desenvolvidos''. Daí a importância do agronegócio, o colchão que tem reduzido o impacto da turbulência global.

O caos financeiro assombra o mundo desde o fatídico 15 de setembro último. Naquela segunda-feira, a falência do Lehman Brothers, quarta maior banca de investimentos norte-americana, derrubou as bolsas de valores em todo o mundo; no mesmo dia, outra instituição-símbolo de Wall Street, o Merrill Lynch, sinalizou o tamanho da crise ao adquirido pelo Bank of America por US$ 50 bilhões. Desde então, o tema do aquecimento global foi substituído por outro incêndio muito mais avassalador - o derretimento dos mercados de derivativos. Este segmento financeiro soma investimentos estimados em fabulosos US$ 300 trilhões, ou oito vezes a riqueza produzida a cada ano pelo mundo. O cenário econômico nas próximas semanas e nos meses por vir é absolutamente imprevisível. Mas algumas conclusões já se evidenciam.

Uma delas são as conseqüências das sofisticadas fórmulas financeiras chamadas mercados derivativos. Não se trata de atribuir todas as culpas do mundo a esses modernos portfolios de investimentos aos quais muitas empresas, hoje, recorrem; mas o fato é que esses investimentos originaram um tipo de capitalismo no qual as crises começam na órbita do mercado financeiro, mas se deslocam, inexoravelmente, para o plano produtivo. O abalo atinge a chamada economia real - aquela que, de fato, gera produção de bens e serviços, causando duros estragos, como vimos no país, em indústrias de setores tradicionais.

Um breve olhar para as mudanças ocorridas nos últimos vinte anos mostra os desafios colocados para as empresas que buscam competir no mercado internacional e, de resto, para o próprio Brasil que, afinal de contas, se relaciona comercialmente com o mundo. Sobretudo depois que a tecnologia da computação inaugurou a era das transações financeiras instantâneas nos negócios e no dia-a-dia das pessoas. ''É um mundo onde os governos têm menos poder, eles participam dos mercados - tomando dinheiro emprestado -, mas não podem controlá-los'', analisa o economista Robert Kurtzman. Sob este cenário de desestabilização, naturalmente muitas das indústrias nos países desenvolvidos - e não seria diferente entre as indústrias no Brasil - enfrentam dificuldades diante de tais mudanças, sobretudo quando colocadas no horizonte do mercado externo.

No despontar da crise, a área econômica do governo procurou passar a imagem de tranqüilidade; agora, semanas depois que se viu o tamanho do iceberg, passou a agir. Anos atrás, entrevistei Henrique Meireles quando este foi chamado a assumir a cadeira de presidente mundial do Bank of Boston. O atual presidente do Banco Central fez, então, uma retrospectiva das crises financeiras mundiais desde o crash de 1929, na Bolsa de Nova York, à quebradeira provocada pela ruína do tradicional banco inglês Barings, em 1996. ''As crises começaram justamente nas nações ricas, mas causaram problemas gravíssimos nos países menos desenvolvidos'', disse Meirelles. Talvez por esta vivência no comando do banco global é que o ministro tem mostrado serenidade ao pilotar a economia brasileira em meio à turbulência econômica.

A leitura da crise feita por Meirelles é semelhante à de Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia em 2001. ''Os mercados possuem sua instabilidade intrínseca. Países como os Estados Unidos podem lidar com isso, apesar de pagarem o preço com algum grau de retração econômica. Mas, para os países em desenvolvimento, o custo é enorme.''

É verdade que o mais recente terror global na economia afetou o Brasil com menor intensidade do quem em outros tempos - pelos menos até meados de agosto. Um dos ''salvadores da pátria'' foi, mais uma vez, o agronegócio. Exatamente: as exportações agropecuárias são responsáveis por boa parte das reservas internacionais: atingiram US$ 7,9 bilhões em julho, somando US$ 41,7 bilhões nos sete meses do ano, valor que supera em 30% o total das exportações do setor no mesmo período do ano passado. O PIB do agronegócio, que em 2007 atingiu o recorde de R$ 611,8 bilhões, acumulou crescimento de 5% de janeiro a maio deste ano, com destaque para o setor de insumos, cujo resultado acumulado foi de 10,37%. Os números são anteriores à explosão da crise; exatamente daí a importância deste país chamado Agronegócio: sua competitividade formou o colchão que - apesar do cenário preocupante - reduzirá o impacto da queda que o Brasil passa a enfrentar. Os números são anteriores à explosão da crise; exatamente por isso a sua importância: eles formaram o colchão que - apesar do cenário preocupante - reduzirá o impacto da queda que o Brasil passa a enfrentar. Ou seja, a competitividade da agropecuária já exige a revisão daquela conhecida, entre os economistas, definição de ''Belíndia''.

Cunhado em meados dos anos 80, o termo tornou-se clássico nos meios acadêmicos do país. Segundo seu criador, o economista Edmar Bacha, da Fundação Getúlio Vargas, a ''Belíndia'' seria o resultado das duas faces da realidade brasileira. Uma delas se assemelha ao da Bélgica, com sua condição sócio-econômica plenamente resolvida. A outra face do Brasil, que o economista compara à da Índia, carrega as mazelas que sucumbem as nações mais pobres. Contudo, caso se observe atentamente o desempenho dos principais setores da economia brasileira, descobre-se aí nem Bélgica, nem Índia, e sim um outro país - cuja força vem dos campos. Um país chamado Agronegócio.

Antonio Carlos Moreira é jornalista, pós-graduado em Economia e Mercados Futuros e gerente de comunicação da Associação Nacional de Defesa Vegetal, Andef.