Publicado em: 18/09/2015 às 00:00hs
Os desencontros na divulgação do Orçamento da União 2016 conseguiram desagradar quase todos, principalmente os parlamentares, que irão apreciar as propostas apresentadas pela equipe econômica, e o empresariado e consumidores, que irão pagar a conta. Isso está contribuindo para aumentar ainda mais a desconfiança do mercado em relação à capacidade do governo em reequilibrar as contas públicas. Além disso, coloca em cheque a habilidade do governo em produzir políticas capazes de restabelecer a confiança do mercado interno e, especialmente do mercado externo, para reverter esse quadro de descrédito provocado pela perda do grau de investimento do País.
Os ajustes nos gastos públicos colocados na proposta orçamentária são de efeito apenas temporário, pois mesmo que o governo segure os reajustes salariais, uma hora será necessário concedê-los, ou seja, o problema será jogado para frente. Da mesma forma, o aumento de receitas, esperado por meio de ações como o retorno da CPMF por 48 meses, vai transferir o problema para o próximo governo. Essas medidas apenas apagam o incêndio e não são capazes de fornecer credibilidade à política econômica.
Sem uma reforma estrutural, a margem de manobra do gasto público é muito baixa, pois mais de 90% das destinações são obrigatórias e obedecem às regras garantidas pela Constituição Federal ou por leis específicas, como no caso da Previdência, Saúde e Educação e de alguns programas sociais, que limitam cada vez mais os investimentos públicos. Antes de resolver essa questão estrutural, o governo precisa corrigir o rumo das finanças públicas e levar o resultado primário de volta para o lado positivo. E isso inevitavelmente exige cortes nos gastos e aumento de impostos. No curto e médio prazos, a economia brasileira vai conviver com a desaceleração PIB e, em longo prazo, soluções terão que ser encontradas para reconstruir as relações público-privadas que existiam anteriormente.
O Brasil tinha um sistema relativamente estável e com relações organizadas, mas que dava poucos resultados e apresentava custo muito elevado. Esse sistema ruiu e levou a paralisia dos investimentos. Grande parte da desaceleração do PIB em 2015 se deve à desconfiança do mercado, em função da crise política e da amplitude do sistema montado na Petrobrás e em outras estatais, que está caindo com a operação Lava Jato, potencializada agora com a perda do grau de investimento do País.
O ajuste fiscal anunciado no início do ano pelo governo não é responsável pela desaceleração da economia. Em grande medida, o que a área econômica está tentando fazer é uma correção do desajuste dos últimos anos. O ajuste de preços já está ocorrendo e o cambial começa a mostrar resultados com a mudança de sinal da balança comercial.
Os programas sociais contribuem para redução da pobreza, mas uma parcela enorme da população está em atividades de baixíssima produtividade. O Bolsa Família, pelo seu alcance, tem custos baixos (0,5 pontos percentuais do PIB), melhorou o acesso à educação, embora a qualidade ainda seja baixa mas, a médio prazo, a tendência é de que os jovens que estão saindo das escolas busquem melhorar suas qualificações e, com isso, a produtividade aumente.
Crescimento econômico - O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta uma queda de 3% na economia brasileira, em 2015, e crescimento zero, em 2016, segundo o diretor da organização, Otaviano Canuto. A inflação chegará em 9%, em 2015, e a projeção, para 2016, é de 5,5%. Todavia, alguns analistas brasileiros já projetam crescimento negativo de quase 1,5% para 2016. Já o governo trabalha com crescimento de 0,2%.
O diretor destaca que a situação delicada da economia brasileira nesse momento é resultado de alguns erros na condução da política econômica ocorridos no passado. No primeiro mandato da presidente Dilma, o governo fez um esforço para disparar um novo ciclo de crescimento depois da crise financeira global (2008), segurando os preços administrados para baixar a inflação, mantendo as taxas de juros subsidiadas pelo Tesouro para dar suporte aos investimentos, utilizando os bancos públicos para financiamentos de programas sociais do próprio governo, realizando as desonerações tributárias, reduzindo o preço da energia, dentre outras medidas.
No entanto, não observou que o ciclo de crescimento com inclusão social tinha alcançado limites de exaustão e, ainda, não prestou atenção aos fatores estruturais do País, que limitam o crescimento. Disse também que a fórmula adotada não deu resultados e criou custos para o Tesouro, pois os recursos disponibilizados foram captados via lançamento de títulos e repassados para os bancos públicos aplicarem com juros subsidiados e o Tesouro está bancando a diferença do custo de captação para o de aplicação. Esse custo deve chegar a meio trilhão de reais até o vencimento dos títulos emitidos.
Mesmo com todas essas medidas, as expectativas de redução da inflação não se confirmaram. O próprio Banco Central foi obrigado a retomar a correção dos juros, chegando aos atuais 14,25% (Selic). Somente a desoneração tributária irá consumir, até o final de 2015, meio trilhão de reais. Os preços administrados tiveram de serem corrigidos - os combustíveis em mais de 30% e a energia acima de 60%. A reoneração tributária voltou. Além disso, o gasto público continua subindo: foram 10 pontos percentuais do PIB, de 1993 a 2014.
O diretor do FMI disse também que é preciso ocorrer uma redefinição da relação entre o Estado e o setor privado. O ambiente de negócios no Brasil é muito ruim. As relações contratuais são custosas, envolvem uma incerteza muito grande, talentos e recursos são desperdiçados em atividades que não agregam valor, como controlar o pagamento de tributos ou manter as empresas regularizadas em licenciamentos. Ele destacou que Banco Mundial acompanha a vida das empresas em 187 países, e o Brasil é um dos piores no ambiente de negócios. O ato de pagar impostos consome recursos materiais e humanos, que poderiam estar sendo utilizados em coisas muito mais úteis. A princípio, parece importante o recurso de se colocar proteção comercial diante de qualquer problema e a ideia de que estabelecer políticas de conteúdo local é a solução mas, em médio prazo, isso leva o país ao atraso tecnológico.
Canuto destacou ainda que, nos últimos 30 anos, o Brasil não tem investido o suficiente em infraestrutura e a capacidade do estado em fazer investimentos está esgotada. Em sua avaliação, deverá haver um ajuste pós Lava Jato pois o mercado da concorrência pública estava contaminado com um sobre preço. Essa estrutura está caindo e as empresas envolvidas estão paralisadas. Para o diretor do FMI, novas empresas deverão se estabelecer no País e a expectativa é de que estrangeiros se interessem em investir no Brasil, na área de infraestrutura.
A retomada dos investimentos - A reação do empresariado em relação a essa situação é de perplexidade. Nesse primeiro momento, há uma paralisia geral e a decisão é não investir enquanto a situação não clarear melhor, apenas dar sequência aos investimentos contratados e com recursos garantidos. Novos projetos estão parados nas gavetas.
Todavia, há que se considerar que os negócios continuam e que é necessário encontrar caminhos para sobreviver às crises. Negócios relacionados à importação, por exemplo, ficaram prejudicados pela elevação da cotação do dólar. Em contrapartida, setores que estavam paralisados pela valorização da moeda americana passam a ser interessantes. O grande problema é que muitas empresas haviam abandonado as exportações e seus mercados foram tomados e, até reconquistá-los, pode demorar um pouco. Outro problema é que o Brasil priorizou os acordos bilaterais com os países do Mercosul. Enquanto isso, os outros países buscaram acordos bilaterais e, em consequência, estão ampliando seus mercados e o Brasil ficou para trás.
O empresariado, independentemente dessa situação, irá reagir. Poderá demorar um pouco e quem não reagir rapidamente poderá perder oportunidades no mercado externo. A queda da demanda interna é algo temporário, há turbulências e o custo do endividamento aumentou, mas não se pode ficar parado esperando ventos melhores.
As cooperativas paranaenses, por exemplo, estão definindo no Plano Paraná Cooperativo 100 (PRC 100) diretrizes e estratégicas, identificando os desafios e oportunidades, com base nas megatendências mundiais, para dar sequência ao ciclo de crescimento vivenciado na última década, que fechou com um crescimento de mais de 10% ao ano. Isso somente foi possível graças à profissionalização das lideranças e equipes de trabalho, investimentos na industrialização da produção primária, expansão da área de atuação e ampliação na oferta de bens e serviços nas áreas de saúde e do crédito. O trabalho continua, mesmo com esse hiato que a economia brasileira vem passando. O setor projeta os cenários a médio e longo prazo pois as crises são passageiras e a responsabilidade com os cooperados e colaboradores é grande. O plano será um referencial para as cooperativas na busca de oportunidades de negócios e investimentos estratégicos e sustentáveis.
Em relação à profissionalização das lideranças, por exemplo, o setor cooperativista paranaense está executando uma série de atividades destinadas ao aprimoramento da gestão, entre as quais, o Programa de Desenvolvimento dos Presidentes das Cooperativas do Paraná. Nesta semana, um grupo de 26 dirigentes está participando, em Curitiba, de uma capacitação em parceria com a Universidade de Babson, instituição considerada referência em estudos de negócios e empreendedorismo, cuja sede fica nos Estados Unidos. Também faz parte deste Programa a realização de missões internacionais para intercâmbio de informações e experiências com países de diversas partes do mundo. Em outubro, uma delegação de cooperativistas paranaenses cumprirá agenda no Leste Europeu.
A perda do grau de investimento - Desde o fim do ano passado, a equipe econômica do governo federal vinha fazendo ajustes, com o objetivo de manter o grau de investimento brasileiro. A estratégia esbarrou na dificuldade de aprovação das medidas no Congresso e de se cortar os gastos públicos. A agência Standard & Poor’s decidiu que não esperaria por novas medidas para avaliar a nota brasileira. Agora, o País terá de trabalhar para recuperar a confiança do mercado.
A nota de crédito ourating é usada no mercado para classificar a qualidade de títulos emitidos por governos ou empresas. Quando mais alta a nota, maior a confiança de que a dívida será paga e menor a taxa de juros paga pelo emissor. Além disso, a classificação das agências de risco divide as notas entre as com grau de investimento e as com grau especulativo. Muitos fundos de investimento só podem aplicar recursos em títulos com grau de investimento. Por isso, perder esse “selo” pode aumentar ainda mais os juros. As agências de risco olham para um conjunto de indicadores na hora de decidir a nota de crédito de um país. Entre eles, a relação dívida/PIB, a trajetória do endividamento o comportamento do crescimento econômico e o Brasil entrou em um ciclo de dívida em alta - quase 70% do PIB, déficit público elevado - perto de 9% do PIB anualizado, somado à forte retração econômica.
Como efeito direto da redução do rating, o Brasil passa a pagar mais para emitir títulos no exterior em moeda estrangeira. O impacto sobre as taxas de juros internas é mais limitado. Em outra frente, todas as empresas brasileiras passam a pagar mais para captar recursos no exterior. A nota de crédito do país em moeda estrangeira é também a nota de referência para a maioria das empresas, como ocorreu nos dias seguintes com o rebaixamento da nota de mais de 20 empresas e bancos.
O rebaixamento manda para o mercado uma mensagem ruim. O dólar sobe no curto prazo e a Bolsa cai. Se o dólar subir muito, pode haver alguma pressão a mais sobre a inflação, o que exigiria juros altos por mais tempo. Ciente disso, o Banco Central, em seguida ao rebaixamento da nota, passou a fazer leilões de dólares para segurar a cotação. A retomada da confiança dos empresários também pode demorar mais a voltar, restringindo ainda mais os investimentos, e a economia deve demorar mais para voltar a crescer.
Nelson Costa, engenheiro agrônomo, é superintendente adjunto do Sistema Ocepar e superintendente da Fecoopar
Fonte: Informe OCB
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