Publicado em: 19/12/2023 às 09:00hs
Entretanto, as práticas do sistema orgânico de alimentos surgiram durante o período de 1920 e 1930, entre as grandes guerras mundiais, tendo entre seus idealizadores o inglês Albert Howard, o austríaco Rudolf Steiner, o suíço Hans Müller, o alemão Hans Peter Rusch e os japoneses Masanobu Fukuoka e Mokiti Okada. No Brasil, durante a década de 1970, Ana Maria Primavesi, considerada a pioneira da agroecologia em sistema tropical, dissemina suas técnicas de manejo ecológico dos solos.
Em 2008, a IFOAM ratificou a definição do conceito de agricultura orgânica como sendo “um sistema de produção que mantém a saúde dos solos, dos ecossistemas e das pessoas. Baseia-se nos processos ecológicos, na biodiversidade e nos ciclos adaptados às condições locais, substituindo a utilização de insumos com efeitos adversos. A agricultura orgânica combina a tradição, a inovação e a ciência para o benefício do meio ambiente compartilhado e promove relações justas e uma boa qualidade de vida para todos os envolvidos”.
Nos últimos anos, os consumidores passaram a se interessar mais em saber como os alimentos são produzidos. Em razão da preocupação com o bem-estar animal, os impactos ambientais, a segurança alimentar e a saúde humana, surgiu então essa identificação do consumidor final com o conceito da agricultura orgânica.
O estudo “Perfil do Consumidor Consciente”, publicado em 2020 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirma que um em cada três brasileiros (31%) está disposto a pagar mais por produtos fabricados de maneira ambientalmente correta, ou seja, com baixa emissão de poluentes e resíduos. Considerando dois alimentos iguais, com a diferença de que um é orgânico, 36% dos brasileiros aceitariam pagar mais caro no alimento orgânico (14% muito mais caro e 22% somente um pouco mais caro). Outros 30% afirmam que escolheriam o alimento orgânico caso o preço fosse o mesmo e 30% não comprariam o alimento orgânico independentemente do preço.
A produção orgânica está presente em quase todos os países do mundo. Entretanto, 85% do consumo de alimentos orgânicos se localiza na América do Norte e na Europa, que detêm apenas um quarto da área agrícola de orgânicos do mundo. No segmento mundial de alimentos e bebidas orgânicos, o leite representa 20% de todas as vendas, e permanece somente atrás dos itens frutas e legumes.
Durante a última década, a produção de laticínios orgânicos aumentou rapidamente nos Estados Unidos, onde o mercado consumidor de leite orgânico cresceu de 1,9% a 5,0% em comparação às vendas totais de leite. No entanto, analistas apontam uma estagnação no mercado desse produto naquele país. A procura por leite orgânico de vaca ultrapassou recentemente a oferta disponível, que é incapaz de acompanhar a demanda do consumidor.
Atualmente, os Estados Unidos abriram seu mercado de importação de produtos orgânicos para outros países, o que constitui uma oportunidade para os produtores. Em regiões da África, América Latina e Ásia, a produção orgânica se destina à exportação. Austrália e Nova Zelândia também concentram sua comercialização para o mercado externo.
No Brasil, segundo dados da Associação de Promoção dos Orgânicos - Organis 2021, há baixa representatividade em relação ao consumo de leite orgânico em comparação aos demais produtos orgânicos como frutas e vegetais. Segundo informações do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, em 2020 o Brasil contava com 96 unidades produtoras de leite orgânico.
Dentre os principais desafios enfrentados pelos produtores brasileiros destaca-se a dificuldade de comercialização do leite in natura orgânico para as grandes indústrias de laticínios, o que faz com que alguns produtores utilizem a agregação de valor a este leite por meio das agroindústrias rurais, com a produção de queijos, manteiga, bebidas lácteas e até mesmo o envase de leite orgânico in natura.
Outra maneira encontrada para incrementar a renda na produção de leite orgânico são as visitas guiadas nas propriedades, onde o público consumidor tem a oportunidade de conhecer todo o processo produtivo. Esta estratégia tem garantido para os produtores a remuneração de capital anual e o valor final maior do que os produtos convencionais, além de auxiliar no desenvolvimento da cultura e tradição locais.
A produção de leite orgânico deve seguir as técnicas regulamentadas pela legislação vigente, instituídas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), com garantia da sua qualidade e rastreabilidade por meio da certificação. Dentre estas técnicas recomenda-se que a alimentação seja equilibrada para suprir todas as necessidades dos animais. Os suplementos devem ser isentos de antibióticos, hormônios e vermífugos, sendo proibidos aditivos promotores de crescimento, estimulantes de apetite e ureia, bem como suplementos ou alimentos derivados ou obtidos de organismos geneticamente modificados. Neste aspecto, ressalta-se que 85% da matéria seca consumida por ruminantes deve ter origem orgânica.
A cadeia de produção do leite orgânico deve ocorrer de maneira integrada, já que está baseada na cultura agroecológica, tendo entre seus princípios o manejo mais natural e menos químico das terras e dos pastos, contribuindo para o aumento da biodiversidade dos microrganismos no solo, fixação de carbono, redução de pastagens degradadas, entre outras estratégias que beneficiam o meio ambiente. Ela também se apoia em técnicas de bem-estar animal, mitigação do uso de parasitários e antibióticos nos animais, colaborando para a redução da resistência antimicrobiana.
Ainda existem muitos aspectos que dificultam o desenvolvimento do setor de leite orgânico nas diferentes regiões do mundo. No Brasil, dados de uma pesquisa realizada pela Embrapa em 2020 demostra que, além da dificuldade de comercialização, os produtores identificam problemas como escassez e alto preço dos insumos orgânicos, sendo poucos os fornecedores certificados. Assim, o criador precisa ser autossuficiente, o que nem sempre é possível em virtude das dimensões de sua propriedade.
Problemas sanitários como mastite, endo e ecto parasitas exigem cuidado redobrado com o manejo, já que os animais estão mais suscetíveis a doenças. A falta de conhecimento em manejo orgânico e de consultoria técnica especializada e a necessidade de reduzir a burocracia do processo de certificação, com maior clareza das normas e menor custo, também estão entre as dificuldades mencionadas.
O estudo feito pelo brasileiro Carlos Cândido da Silva Cyrne com produtores de leite orgânico na Galícia, na Espanha, em 2022, revela que, apesar de enfrentarem estes mesmos problemas, os produtores de leite da região afirmam que preferem permanecer nesta atividade porque ela permite o bem-estar social e é tida como um estilo de vida, um ideal, dadas as preocupações sociais e ambientais que envolve.
Embora ainda se tenha atenção limitada à dimensão social da produção de leite orgânico em relação a serviços sociais e ambientais, a literatura aponta alto valor agregado, sugerindo que há necessidade de as autoridades governamentais e privadas incentivarem sua produção e comercialização.
As referências bibliográficas encontram-se com a autora: elissa.forgiarini@premix.com.br.
Elissa Forgiarini Vizzotto é zootecnista, doutora em Nutrição e Produção de Ruminantes e coordenadora de Leite da Premix
Fonte: DS Vox
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