Publicado em: 31/05/2021 às 08:00hs
As Áreas de Reserva Legal são regiões características de imóveis majoritariamente rurais. Elas contemplam um percentual da área total desse terreno e têm o objetivo de “assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade”, conforme o Novo Código Florestal (Lei 12651/12) disponibiliza em seu Art. 3º, inciso III.
Primeiramente deve-se ressaltar que a obrigação de se separar uma porção da área do imóvel à criação de uma Reserva Legal é inerente à própria coisa (propter rem), o que significa que caso seja alterado o dono do imóvel, a obrigação de criar a Reserva Legal, manter e até mesmo responder por irregularidades recairá na pessoa do dono atual desse imóvel. Consequentemente “(...) O proprietário somente pode dela se desonerar pela (i) renúncia ao direito sobre a coisa (...) ou, evidentemente, pelo (ii) perecimento da própria coisa”¹.
O STJ seguidamente demonstrou esse entendimento, assim:
RECURSO ESPECIAL. FAIXA CILIAR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESERVA LEGAL. TERRENO ADQUIRIDO PELO RECORRENTE JÁ DESMATADO. IMPOSSIBILIDADE DE EXPLORAÇÃO ECONÔMICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA. (...) A obrigação de conservação é automaticamente transferida do alienante ao adquirente, independentemente deste último ter responsabilidade pelo dano ambiental.
O raciocínio vai além da ideia de separar um espaço de terra de uma propriedade e destinar à criação de um “espaço verde”. Vai ao encontro do Princípio da Função Social da Propriedade, garantindo a Ordem Econômica e o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, ambos os institutos previstos na Constituição Federal mantenedores da dignidade da pessoa humana.
Já tratado nos textos legais e na doutrina em geral, resta claro que o direito à vida está diretamente ligado ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo aquele totalmente dependente deste. Daí então o impacto positivo que cada imóvel rural regularizado de acordo com os ditames legais desempenha para a manutenção e preservação da vida e meio ambiente.
Todo imóvel rural deverá separar um pedaço de sua área para que lá seja feita uma área de Reserva Legal. Essa área vai variar de acordo com o tipo de vegetação local e com o tamanho do imóvel.
O artigo 12 da Lei 12651/12 deu maior importância para a região amazônica e também, logo em segundo lugar, a região de cerrado, deixando com a menor porcentagem as outras regiões do Brasil.
Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei: (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012).
I - localizado na Amazônia Legal:
a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas;
b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em área de cerrado;
c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais;
II - localizado nas demais regiões do País: 20% (vinte por cento).
Importante dizer que a Área de Reserva Legal não se reduz caso o imóvel seja fracionado, isto é, dividido. Essa medida tenta prevenir a formação de duas novas áreas que, consequentemente, deverão ser recalculadas de acordo com a nova área do terreno.
Parece claro que a intenção foi de exatamente garantir a preservação da Reserva Legal frente a possíveis manobras jurídicas. Ao se considerar que um imóvel fosse de qualquer forma fracionado, o legislador entendeu como importante que a Reserva Legal, já formada, permanecesse inalterada, não afetando o meio ambiente local.
Uma característica do território brasileiro é sua diversidade de vegetações e espécies. Ao pensarmos essa característica nos imóveis, aqueles que detenham seu território composto por vegetação que alterne entre as citadas no art. 12 do Novo Código Florestal terão como porcentagens para o cálculo da totalidade da Reserva Legal cada uma das vegetações ali presentes. Isso significaria a cobertura de, por exemplo, 80% da área composta por floresta da Amazônia legal de um imóvel e, caso possua vegetação diversa, cerrado, por exemplo, 35% dessa área de cerrado sendo computada no cálculo da Reserva Legal.
O dispositivo legal também considerou os municípios que detenham em sua totalidade a vegetação amazônica. Em se considerando que cada imóvel rural deveria preservar obrigatoriamente 80% de suas terras para destiná-las à formação de uma Reserva Legal e que, em sua maioria, os municípios deteriam a maior parte de seu território destinado à delimitação dessas reservas, o legislador muniu o poder público para, caso necessário, reduzir esse percentual para 50%, tornando possível que uma maior atividade agrícola, por exemplo, pudesse ser desenvolvida, não obstruindo a ordem econômica local e também, fazendo-se garantir o meio ambiente equilibrado.
Para aqueles que sejam permissionários, concessionários ou autorizados pelo Poder Público, em terras adquiridas ou desapropriadas, para explorar a água como geração de energia, abastecimento público de água, tratamento de esgotos, ou mesmo para implantação ou expansão da capacidade de ferrovias ou rodovias, a existência da Reserva Legal nesse imóvel rural não é exigida.
Permissionário, de forma resumida, é: pessoa física ou jurídica que exerça sob sua própria conta e risco atividade que tenha interesse da coletividade.
Concessionário, de forma resumida, é: pessoa jurídica que exerce atividade de interesse público de forma concorrente sob sua conta e risco.
Autorizado, de forma resumida, é: pessoa física ou jurídica que exerça atividade ou utilize bem público com interesses particulares.
Diante de tudo, então, onde será a localização da Reserva Legal no imóvel? Em que ponto da propriedade ela será definida? O artigo 14 do Novo Código Florestal estabelece que a definição do local requer estudos e análises de alguns critérios, dentre eles:
Após definida a localização da Reserva Legal, ela só poderá ser aprovada quando o imóvel for registrado no CAR, permitindo que seja fiscalizado pelo órgão ambiental competente.
Ao pensarmos sobre desmatamento, vêm à mente imagens como madeireiros ilegais, queimadas e corrupção, entretanto, o dispositivo legal garante essa possibilidade de “suprimir” a vegetação local sem que seja caracterizada a ação como crime. Para isso, o imóvel deverá estar cadastrado no CAR — Cadastro Ambiental Rural — e possuir autorização do órgão estadual competente. Estando o proprietário regularizado, a supressão da vegetação delimitada da área local torna-se permitida.
Existe, também, a situação em que mesmo já havendo uma Área de Preservação Permanente na propriedade — criada para a proteção de nascentes, córregos, matas ciliares, encostas ou bordas de chapadas, dentre outros — o dono do imóvel rural ainda teria que criar uma Reserva Legal. De fato, tal exigência pode ser um desconforto muito grande para o proprietário, que terá que separar mais uma porção da sua propriedade para proteger o meio ambiente. Não bastando a existência de uma APP no imóvel, mas também a necessidade de haver uma Reserva Legal.
Assim, o texto legal permitiu que ambas as áreas fossem somadas para calcular a área total da Reserva Legal, facilitando a vida do proprietário do imóvel. Para tanto, é necessário que o proprietário tenha seu CAR em dia, a área a ser computada esteja conservada ou em processo de recuperação, e não haja conversão de novas áreas para uso alternativo do solo.
Regime de Proteção:
Quanto à preservação da área:
Art. 17. A Reserva Legal deve ser conservada com cobertura de vegetação nativa pelo proprietário do imóvel rural, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.
Engana-se quem suspeite que a exploração de uma Reserva Legal é proibida. O fato é que o manejo sustentável da área é autorizado, porém devendo ser previamente autorizado pelo SISNAMA. Na legislação:
Art. 20. No manejo sustentável da vegetação florestal da Reserva Legal, serão adotadas práticas de exploração seletiva nas modalidades de manejo sustentável sem propósito comercial para consumo na propriedade e manejo sustentável para exploração florestal com propósito comercial.
Art. 21. É livre a coleta de produtos florestais não madeireiros, tais como frutos, cipós, folhas e sementes, devendo-se observar:
I - os períodos de coleta e volumes fixados em regulamentos específicos, quando houver;
II - a época de maturação dos frutos e sementes;
III - técnicas que não coloquem em risco a sobrevivência de indivíduos e da espécie coletada no caso de coleta de flores, folhas, cascas, óleos, resinas, cipós, bulbos, bambus e raízes.
Art. 22. O manejo florestal sustentável da vegetação da Reserva Legal com propósito comercial depende de autorização do órgão competente e deverá atender as seguintes diretrizes e orientações:
I - não descaracterizar a cobertura vegetal e não prejudicar a conservação da vegetação nativa da área;
II - assegurar a manutenção da diversidade das espécies;
III - conduzir o manejo de espécies exóticas com a adoção de medidas que favoreçam a regeneração de espécies nativas.
Art. 23. O manejo sustentável para exploração florestal eventual sem propósito comercial, para consumo no próprio imóvel, independe de autorização dos órgãos competentes, devendo apenas ser declarados previamente ao órgão ambiental a motivação da exploração e o volume explorado, limitada a exploração anual a 20 (vinte) metros cúbicos.
Art. 24. No manejo florestal nas áreas fora de Reserva Legal, aplica-se igualmente o disposto nos arts. 21, 22 e 23.
Como já mencionado antes, o imóvel deverá estar inscrito no Cadastro Ambiental Rural (CAR) pelo órgão ambiental competente. Em outras palavras, o imóvel deverá apresentar a planta da região, coordenadas geográficas e outras documentações importantes para o órgão fiscalizador competente para que o imóvel seja devidamente inscrito, sendo, ainda, possível averbar no Cartório de Registro de Imóveis a inscrição da Reserva Legal no CAR gratuitamente. Vide:
Art. 18. A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta Lei.
(...)
§ 4º O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato.
Por fim, cabe dizer que o assunto não resta esgotado neste texto. Há ainda muita informação e detalhes que poderiam ser explorados. Muitos fatores estão ligados à: área em que o imóvel está inserido, definições do Plano Diretor do município e até sobre a legislação ambiental do Estado.
Dessa forma, a consulta dos textos jurídicos poderá suprir possíveis dúvidas. O Novo Código Florestal, A Lei Orgânica do Município, O Plano Diretor do Município, o Código Civil, leis especificas sobre o tema, e, por óbvio, A Constituição Federal são leituras importantes para se abordar o tema sob uma ótica local.
Fonte: Aceti Advocacia
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