Publicado em: 22/10/2008 às 10:08hs
Em outras palavras, na sustentabilidade dos sistemas produtivos de alimentos para o Planeta. Os recursos naturais que usamos para fazer adubo são finitos e podem deixar de existir daqui a 100 ou 200 anos.
Talvez esteja na consciência desse fato, a razão de a microbiologia do solo ter se desenvolvido tanto e tão rapidamente nos últimos anos. Normalmente, quando se pede uma análise de solo, atem-se apenas a questões físicas e químicas da amostra. Mas quem faz toda essa física e essa química do solo funcionarem são os componentes biológicos. Os micro e macrorganismos são a parte viva e mais ativa do solo. Um bom exemplo, justamente por ser possível de mensuração em cifras, é o rizóbio, que ao fixar biologicamente o nitrogênio no solo, retirando-o da atmosfera, para as culturas do feijão, da ervilha e, principalmente, da soja, gera para o país uma economia direta e anual que, hoje, é estimada como sendo da ordem de US$ 6,0 bilhões. O processo de inoculação com rizóbios serve para economizar os recursos que deveriam ser utilizados para a compra de adubos nitrogenados. Sem o rizóbio, a soja brasileira, toda ela cultivada com inoculação, teria seu custo de produção muito elevado, afetando sua competitividade no mercado mundial.
Essa é apenas uma mostra do que a microbiologia é capaz. Muito pouco, todavia, se sabe sobre a relação dos microrganismos (bactérias, fungos, algas, líquens, vírus) e da meso (protozoários e insetos) e macrofauna (insetos), com os sistemas produtivos. Para se ter idéia, menos de 10% da vida existente no solo é conhecida. Isso para não falar do desconhecimento do que essa vida já identificada é capaz de fazer.
Trata-se, de fato, de um universo paralelo. Um único grama de solo possui mais de 10 mil espécies diferentes de microorganismos, cerca de 1 bilhão de bactérias, 1 milhão de actinomicetos e 100 mil fungos. Por essa razão, não é exagero enxergar o solo como um verdadeiro supermercado de genes.
Para resumir o papel desempenhado por toda essa vida subterrânea, pode-se dizer que os microorganismos são o principal componente da fertilidade do solo, ainda mais em se falando de solos de cerrado. O que faz o solo ser o solo, propriamente dito, é a vida que há nele. Algo em torno de 1 a 5% do carbono de origem orgânica do solo é constituído por microorganismos, que atuam em processos que vão desde a formação do solo até a ciclagem de nutrientes e formação da matéria orgânica, trabalhando ainda na degradação dos pesticidas e na decomposição de resíduos orgânicos.
Até 1998, sabia-se muito pouco sobre o impacto dos diferentes tipos de sistemas agrícolas no funcionamento dos processos microbiológicos em solos de cerrado. Estudos sobre o comportamento de comunidades microbianas nos solos nativos também eram bem incipientes. A partir daquele ano foram iniciados, na Embrapa Cerrados, estudos que visavam caracterizar atributos microbiológicos associados aos diferentes sistemas de produção encontrados na região do cerrado. Atributos como o carbono da biomassa microbiana e a atividade das enzimas do solo foram avaliados em áreas de mata de cerrado nativa, plantio direto com tipos variados de cobertura, plantio convencional, pastagens de gramíneas, pastagens consorciadas com leguminosas, sistemas de Integração Lavoura Pecuária, cultivos orgânicos e reflorestamentos de pinus e eucalipto.
Há particularidades no funcionamento biológico do solo em cada um desses sistemas. Por exemplo, no plantio direto, a maior parte da atividade biológica e da biomassa microbiana está concentrada na camada superficial de dez centímetros do solo. No plantio convencional, por haver revolvimento, tudo fica homogeneizado, há menos biomassa e a atividade enzimática é menor em relação ao plantio direto, que estimula algumas enzimas, ao contrário do plantio convencional. Em relação ao plantio convencional, o plantio direto é o sistema de produção que mais imita o cerrado original. De uma maneira geral o que esses resultados têm revelado é que para estimular a atividade microbiológica do solo, três práticas são importantes: minimizar o preparo mecânico, maximizar o retorno de resíduos vegetais e fazer a rotação de culturas.
As avaliações de microbiologia ainda não são realizadas na rotina dos laboratórios de análise de solo espalhados pelo país. Mas com o aprofundamento e expansão dessas pesquisas ainda chegará o dia em que o produtor, além da parte química e física, pedirá a análise do perfil biológico do solo, sem que para isso o custo eleve-se significativamente.
A detecção da redução no teor de matéria orgânica é um processo que leva anos. Enquanto a parte microbiana é extremamente sensível. Desse modo, se os atributos microbiológicos, os bioindicadores, forem incorporados às análises, o agricultor vai poder perceber mudanças no solo com muito mais antecedência do que detectaria observando somente a matéria orgânica. A incorporação dos bioindicadores nas análises de solo poderá fornecer informações importantes para que o agricultor saiba se o manejo que ele está fazendo contribui ou não para a melhoria/manutenção da qualidade dos solos de cerrado. Essa é uma informação muito importante dentro do contexto da agricultura sustentável, pois o manejo inadequado do solo provoca erosão, compactação, degradação de agregados do solo e perda de matéria orgânica.
Iêda de Carvalho Mendes e Fábio Bueno dos Reis Junior
Pesquisadores da Embrapa Cerrados
Contatos: www.cpac.embrapa.br
Fonte: Grupo Cultivar
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