Publicado em: 17/04/2024 às 17:30hs
Produtores e processadores buscam encontrar um equilíbrio justo na divisão dos lucros, o que afeta diretamente a estabilidade financeira do setor. Com a cana-de-açúcar sendo uma das principais culturas agrícolas em várias regiões, a questão dos pagamentos se torna cada vez mais urgente.
Dados recentes da FAO (2024) revelam que, em 2022, a produção mundial de cana-de-açúcar atingiu a marca de 1,58 bilhão de toneladas, cultivadas em cerca de 27 milhões de hectares. O Brasil lidera esse cenário, representando 45,72% da produção global, seguido pela Índia, China, Tailândia e Paquistão. No Brasil, a cana-de-açúcar é a terceira cultura, com uma produção de 610,8 milhões de toneladas em 2023, conforme dados da Conab (2024).
Diante dos impressionantes números que envolvem a indústria sucroenergética brasileira, torna-se evidente a necessidade de um sistema de pagamento eficiente. Esse sistema, responsável por distribuir as receitas das vendas de açúcar e etanol entre produtores e usineiros, desempenha um papel determinante na dinâmica entre as partes interessadas. A interdependência entre produtores e usineiros na indústria açucareira ressalta a complexidade dessa questão. Enquanto os produtores fornecem a matéria-prima vital, as usinas a transformam em produtos finais.
Essa relação estreita demanda um sistema de pagamento que leve em consideração equitativamente as contribuições de ambas as partes, evitando conflitos e assegurando a competitividade do setor. Contudo, a realidade mostra que as negociações muitas vezes são conturbadas, especialmente no que diz respeito à divisão da receita anual entre produtores e usinas. Em alguns casos, intervenções governamentais, como estabelecimento de preços mínimos e subsídios, complicam ainda mais a situação, prejudicando a competitividade do setor.
Assim, surge o seguinte questionamento: como podemos garantir um sistema de pagamento que beneficie igualmente todos os envolvidos e promova a sustentabilidade da indústria sucroalcooleira?
Diante desse panorama, inicialmente exploraremos os sistemas de pagamento existentes na indústria da cana-de-açúcar. Essa análise nos permitirá compreender a evolução desses sistemas ao longo do tempo, bem como identificar os benefícios e desafios de cada um deles. A partir desse entendimento, estaremos mais aptos a sugerir um sistema de pagamentos ideal que atenda às necessidades e promova a equidade dentro do setor sucroalcooleiro.
Os sistemas de pagamento na indústria da cana-de-açúcar podem ser agrupados em três categorias principais: preço fixo da cana, baseado na sacarose (PCTS) e baseado no açúcar recuperável (AR). Cada um desses sistemas possui características distintas que impactam tanto os produtores quanto os processadores, influenciando a qualidade da cana e a eficiência do processo.
Cada país adapta seus sistemas de pagamento da cana-de-açúcar às suas realidades locais e demandas do mercado internacional. Essas variações refletem a complexidade do mercado global de açúcar e a necessidade de estratégias adaptáveis para garantir a sustentabilidade econômica da indústria sucroalcooleira.
Na Tabela 1, são apresentados os diferentes métodos de remuneração utilizados por diversos países na indústria da cana-de-açúcar, juntamente com os produtos envolvidos nesse processo. Cada país descreve seu método específico de remuneração, bem como os produtos derivados da cana-de-açúcar que são compartilhados entre os produtores e as usinas. Por exemplo, na Austrália, é adotado o método de "Antecipação da Receita", no qual as usinas retêm o melaço e pagam pelo CCS (Conteúdo de Açúcar na Cana). Já no Brasil, utiliza-se o método de "Participação na Receita", no qual os produtores compartilham os lucros provenientes da produção de açúcar e etanol com as usinas.
Nota: O açúcar Cristal é um açúcar bruto de altíssima polaridade produzido pela indústria açucareira brasileira. Os produtores recebem prêmio de qualidade com base no rendimento de açúcar por tonelada. Os produtores partilham apenas parte do prémio ganho com as exportações de açúcar branco e refinado.
Fonte: elaborado a partir de fontes da Indústria e LMC International Ltd, 2024.
Em alguns países com produção significativa de cana-de-açúcar, o preço não está necessariamente vinculado ao valor dos produtos finais. Como resultado, cada país adota uma abordagem única para dividir a receita gerada pela produção de açúcar, etanol, melaço e outros subprodutos, com diferentes arranjos e critérios de partilha. Esses procedimentos variam de acordo com as políticas, regulamentações e características específicas da indústria açucareira de cada país.
Imagine um sistema de pagamento na indústria da cana-de-açúcar que beneficie igualmente produtores e usineiros, promovendo eficiência, sustentabilidade e equidade. Seria esse um sistema "ideal"? Vamos refletir sobre as características desejáveis desse modelo e suas possíveis limitações.
Um sistema ideal deve incentivar a eficiência em toda a cadeia de abastecimento, beneficiando tanto produtores quanto usineiros com medidas de redução de custos e melhores práticas de produção.
Dada a volatilidade dos preços do açúcar e do etanol no mercado global, o sistema deve distribuir as receitas de forma equitativa, garantindo que ambas as partes compartilhem os riscos associados.
A clareza e a transparência nos cálculos e nos mecanismos de preços são essenciais para gerar confiança e facilitar a comunicação entre produtores e usineiros.
Produtores devem ser compensados justamente pela qualidade e quantidade de cana entregue, enquanto usineiros devem ser reconhecidos pelo processamento eficiente e pela maximização da produção.
Reconhecer os produtores pela quantidade de açúcar extraída de sua cana, independentemente da qualidade geral da colheita, incentiva boas práticas de cultivo.
Garantir que os produtores sejam recompensados com base em suas próprias contribuições, promovendo condições de concorrência equitativas e incentivando o aprimoramento individual.
Diante dessas reflexões, é claro que atingir um modelo tão idealizado apresenta um desafio considerável. É fundamental que haja harmonia entre as partes, além de transparência e clareza, para evitar a geração de desconfiança mútua entre produtores e usineiros. Por exemplo, os produtores podem questionar os preços oferecidos pelas usinas, ao passo que estas podem não divulgar completamente seus custos, o que potencialmente resulta em desequilíbrios na remuneração, e então, temos um problema!
Para superar esses desafios e garantir um sistema sustentável, é fundamental levar em conta os investimentos de ambas as partes. Juntar todas as despesas em um único lugar, como em uma planilha de custos, dá uma visão mais clara dos gastos, o que facilita decidir juntos. Isso pode ajudar a evitar situações em que os investimentos feitos pelas usinas são ignorados na hora de pagar os produtores, garantindo uma divisão justa do dinheiro.
Mesmo que um modelo perfeito de pagamento na indústria da cana-de-açúcar pareça um sonho distante, é crucial persistir na busca por soluções que garantam uma divisão justa dos lucros, estimulem a eficiência e fortaleçam a sustentabilidade do setor sucroalcooleiro. Assim, é fundamental que todas as partes envolvidas se unam em busca de soluções sustentáveis e equitativas, afinal, somente através do compromisso e do esforço conjunto será possível transformar essa utopia em realidade.
A eficiência e equidade nos sistemas de pagamento da indústria da cana-de-açúcar dependem diretamente de uma governança sólida, que assegure transparência, ética e eficácia em todas as etapas. Neste contexto, exploraremos os elementos essenciais para uma governança eficiente, enfrentando os desafios próprios do setor.
A governança da indústria da cana-de-açúcar utiliza uma variedade de instrumentos, incluindo acordos e convenções que estabelecem regras e normas, como o Acordo Setorial da Cana-de-Açúcar, e planos estratégicos, como o Plano Nacional de Agroenergia. Além disso, investe em pesquisa e desenvolvimento para buscar inovações tecnológicas que aumentem a produtividade e a sustentabilidade da produção.
Apesar dos esforços da governança, ainda enfrentamos desafios como a concentração de mercado, questões trabalhistas e impactos ambientais negativos na indústria da cana-de-açúcar. No entanto, ao adotar uma abordagem colaborativa e comprometida com o desenvolvimento sustentável, a governança pode superar esses obstáculos e promover um sistema de pagamento eficiente e equitativo.
Portanto, num momento crucial para o setor sucroalcooleiro, é fundamental explorar alternativas que garantam sua prosperidade e sustentabilidade. Através da colaboração entre os diversos agentes da cadeia produtiva, podemos moldar um futuro promissor, mantendo as conquistas já alcançadas e estimulando o crescimento contínuo do setor.
O sistema de pagamento da cana ganha destaque nesse contexto, pois sua gestão inadequada pode resultar em desequilíbrios prejudiciais. Assim, ressaltamos a necessidade de uma reorganização estratégica, visando ao desenvolvimento equilibrado da indústria sucroenergética brasileira e servindo como referência global, pois o Brasil precisa encontrar um sistema de pagamento que seja justo e eficiente, garantindo a sustentabilidade da indústria sucroenergética e a competitividade do país no mercado global.
Diante desse panorama desafiador surge a pergunta inevitável apresentada no início desse artigo de opinião: como podemos garantir um sistema de pagamento que beneficie igualmente todos os envolvidos e promova a sustentabilidade da indústria sucroalcooleira?
A resposta a esse questionamento demanda não apenas reflexão, mas ação. Afinal, é essencial encontrar soluções que não apenas resolvam os desafios imediatos, mas também pavimentem o caminho para um futuro mais equitativo e próspero para o setor. Então, que medidas podemos tomar hoje para construir o amanhã que desejamos? A resposta está nas mãos de todos nós que fazemos parte dessa importante cadeia produtiva.
Fonte: CEPEA
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