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Cenário adverso para usinas em recuperação

Poucas usinas sucroalcooleiras que entraram em colapso a partir da crise de 2008 e pediram proteção judicial estão conseguindo cumprir os planos de pagamento acordados com credores


Publicado em: 30/10/2012 às 15:40hs

Cenário adverso para usinas em recuperação

As empresas alegam que os últimos dois anos de problemas climáticos reduziram sua capacidade de geração de caixa, já que as margens foram espremidas pelos custos mais altos e os preços aquém das expectativas de açúcar e etanol.

O resultado é que boa parte das usinas em recuperação está renegociando valores e prazos de pagamentos com seus credores. Estima-se que as empresas em recuperação controlem 37 unidades industriais, ou 11% do total de usinas existente no país.

"A projeção de geração de recursos dessas usinas está sendo revista", afirma o advogado Thomas Benes Felsberg, sócio da Felsberg e Associados. Somente seu escritório cuida de cerca de 12 casos de usinas que pediram recuperação judicial, principalmente após 2008. Desse grupo, apenas uma conseguiu cumprir pagamentos acordados no prazo de dois anos após a decretação da recuperação judicial, segundo o advogado.

Naturalmente, há uma grande resistência dos credores em voltar para a mesa de negociação após dois anos, explica Felsberg. Sobretudo quando a relação está desgastada depois de atrasos de pagamentos acordados.

No mês passado, três credores - dois bancos e uma trading - pediram a falência da usina Laginha, localizada na cidade alagoana de mesmo nome, de propriedade do deputado federal João Lyra (PSD-AL). O Tribunal de Justiça do Estado aprovou a falência, dois dias depois voltou atrás e, no próximo dia 8, a empresa vai apresentar aos credores uma proposta de aditivo ao plano de recuperação judicial original. A Laginha alega falta de crédito bancário para lidar com intempéries nos canaviais e, principalmente, a ocorrência de uma enchente que quase destruiu a unidade, em 2010.

De forma geral, além de surpresas do clima e da conjuntura pouco favorável para o etanol, as usinas enfrentam outras dificuldades para sair da recuperação judicial, explica Felsberg. "Há diversas contestações judiciais de créditos e recursos pendentes nos tribunais que tornam difícil a saída da recuperação", acrescenta o advogado.

Pelas regras da Lei nº 11.101, se a empresa, após a aprovação do plano, se mantiver em dia com suas obrigações ao longo de dois anos, tem o direito de requerer o encerramento do processo de recuperação. Finalizado o processo, o plano passa a funcionar como qualquer contrato - e, portanto, fica sujeito a todos os seus riscos.

Mas a saída da recuperação judicial não é um processo rápido mesmo para as empresas que estão em dia com as obrigações do plano. É o caso da Infinity Bio-Energy. A companhia entrou em recuperação judicial em novembro de 2009, teve seu plano aprovado por credores no ano seguinte e, após ser comprada pelo Bertin e captar recursos com fundos estrangeiros, pediu em 31 de maio deste ano sua saída da recuperação judicial. Passados cinco meses, a companhia ainda aguarda os trâmites legais.

A empresa designada administradora da recuperação judicial demorou 90 dias para fazer as checagens de quitação de pagamento, conta o presidente da Infinity, Douglas Oliveira. "Após esse período, a administradora se pronunciou à Justiça favoravelmente à saída da recuperação. No entanto, agora temos que aguardar o pronunciamento da Justiça e do Ministério Público. Enquanto isso, continuamos sem acesso a crédito para investir", diz o executivo.

A Infinity foi um ponto fora da curva entre os processos de recuperação judicial de usinas. O controle da empresa foi adquirido pelo grupo Bertin, que aportou R$ 1560 milhões em 2010. Conseguiu, ainda, captar R$ 170 milhões entre outubro de 2010 e abril de 2011 com fundos estrangeiros, dispostos a correr mais riscos, e no mercado local de crédito, explica Oliveira. Outros US$ 38 milhões foram emprestados de fundos americanos no início de junho deste ano, de acordo com ele, com prazo de vencimento de três anos.

Com esses aportes, a empresa conseguiu pagar R$ 15,1 milhões aos credores quirografários (sem garantia real), R$ 18,4 milhões a outros credores e ainda converter dívida de R$ 138 milhões em ações da companhia. O Bertin detém 71% de participação no negócio e diversos fundos estrangeiros têm 21%.

Os recursos também possibilitaram investimentos agrícolas e na indústria para elevar a moagem total de cana das seis unidades - de 4,3 milhões de toneladas a safra 2010/11 para 7 milhões no ciclo 2013/14 - e ampliar a capacidade de fabricação de açúcar. "Com isso, o mix de produção da commodity no grupo saiu de 28% para 53%", afirma Oliveira.

No entanto, explica ele, duas unidades estão paralisadas por falta de cana. "Começamos em maio a negociar empréstimos com bancos, mas cessamos as conversas diante da demora na conclusão do nosso processo na Justiça", afirma o presidente da Infinity.

Contexto


A renegociação de dívidas com credores não se restringe às usinas em recuperação judicial. Uma parcela expressiva do segmento sucroalcooleiro está buscando repactuar débitos com bancos, movimento que deve se intensificar até o fim da atual safra de cana, em março de 2013.

O Itaú BBA estima que, no início da próxima safra de cana-de-açúcar, a 2013/14, o endividamento das usinas terá crescido 10%, de um patamar de R$ 52 bilhões para R$ 57 bilhões.

O aumento decorre, em sua maior parte, do volume grande de investimentos realizados no último ano em adequações industriais e, principalmente, na renovação e ampliação de canaviais, segundo o diretor comercial do banco de investimento, Alexandre Figliolino.

Levantamento do Itaú BBA indica que usinas que representam 18% da moagem de cana do setor estão com sérias dificuldades financeiras.

Falta de crédito


Diante de uma conjuntura adversa para todo o segmento sucroalcooleiro, as empresas que estão em recuperação judicial veem suas dificuldades serem aprofundadas na medida em que têm o agravante de não ter acesso a crédito e registrarem, portanto, um baixo nível de investimento operacional com a mesma carga tributária de uma empresa sadia.

Atualmente com faturamento bruto de R$ 200 milhões e endividamento de R$ 238 milhões (sem contar os débitos tributários), a Usina Campestre, de Penápolis (SP), entrou em recuperação judicial em dezembro de 2009. Desde então, segundo o CEO da empresa, José Carlos Fernandes de Alcântara, paga em dia as dívidas acordadas no plano, assim como as despesas correntes, inclusive os impostos. Do começo do plano até agora, a geração de caixa foi destinada para pagamento de R$ 15 milhões em débitos passados e R$ 61 milhões em impostos correntes.

De acordo com o CEO da Campestre, as dívidas trabalhistas foram quitadas, com exceção da existente com o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), que foi parcelada e, segundo ele, está sendo paga em dia. Todos os credores com débitos de até R$ 10 mil também foram pagos, além dos fornecedores de cana, que já receberam R$ 7 milhões - e ainda têm R$ 94 milhões a receber.

Ao fim desta safra, em março de 2013, a Campestre terá pago R$ 23 milhões a seus credores, menos de 10% da dívida total. "É preciso lembrar que temos despesas operacionais. Somente com manutenção na entressafra serão R$ 10 milhões", exemplifica Alcântara.

A empresa ainda tem débitos tributários contraídos antes do pedido de proteção judicial. São R$ 161 milhões de encargos federais (repactuados via Refis) e um valor ainda maior de estaduais, que estão sendo questionados na Justiça.

A Campestre, que em seu auge processou 2,7 milhões de toneladas de cana, deve moer no atual ciclo 1,65 milhão de toneladas. Trata-se de alguma recuperação ante as 1,1 milhão processadas em 2011/12 e as 1,38 milhão de toneladas de 2010/11. "Muitos parceiros voltaram a nos fornecer a matéria-prima", afirma Alcântara.

A contragosto dos credores, o grupo Naoum, cujas usinas estão em recuperação judicial desde o início de 2009, deve pedir à Justiça a venda de alguns ativos para se capitalizar e reduzir a pressão sobre o fluxo de caixa. A empresa não vem fazendo os investimentos necessários em canaviais e, neste ciclo, uma de suas três usinas paralisou a moagem por falta de cana.

"Tentamos aprovar a desmobilização de ativos, mas os credores não aceitaram. Faremos o pedido via Justiça", afirma o advogado do grupo, Sérgio Emerenciano. Segundo ele, o aperto veio da queda dos preços do açúcar e do etanol e dos aumento dos custos. "Estimamos, com isso, uma receita 15% menor", diz Emerenciano.

Entre os ativos que podem ser colocados à venda estão aqueles não estratégicos, como terrenos, mas também a própria unidade de Jaciara (MT), que não está moendo cana nesta safra.

As duas usinas do grupo Naoum em operação (em Mato Grosso e Goiás) devem processar, juntas, 2,9 milhões de toneladas de cana, de 10% a 15% menos do que o realizado no ciclo passado. "O grupo chegou a processar 4 milhões de toneladas de cana", lembra o advogado. Até o momento, a empresa pagou a credores R$ 120 milhões, com recursos da própria operação. Ainda deve R$ 290 milhões, valor que não inclui tributos.

A Companhia Albertina, localizada em Sertãozinho (SP), também deixou de operar neste ciclo. Em recuperação judicial desde 2008, a unidade apenas manteve cultivo agrícola e repassou à Biosev (Louis Dreyfus) o direito de assumir 8 mil hectares em contratos de arrendamento de cana.

Fonte: Ideia Online

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