Publicado em: 14/03/2013 às 16:40hs
Divido esta análise em cinco grandes fatores para mostrar como estamos caminhando com a cana em 2013 e como os alicerces vêm sendo reforçados. Exponho os fatos ligados à macroeconomia, cana, movimentos empresariais, etanol e açúcar.
Em relação à macroeconomia, o fato negativo para o agronegócio brasileiro no período foi a valorização do real. De um valor esperado entre R$ 2,05 e R$ 2,10, já se fala em valores entre R$ 1,90 e R$ 2,00 para o dólar. Difícil entender os movimentos do governo, mas prevalece o medo da volta mais forte ainda da inflação.
Por outro lado, fato extremamente positivo foi o anúncio, por parte da presidente, de que entra em vigor imediatamente a retirada de impostos federais (PIS/Cofins e IPI) que incidiam sobre parte dos alimentos que compõem a cesta básica. Entraram na lista as carnes (bovino, suíno, frango, caprinos e ovinos, além de pescados), café, óleo, manteiga e açúcar.
Em relação à cana, a safra 2013/14 deve começar mais cedo, com ajuda importante do clima. Muitas usinas já devem iniciar a moagem no final de março, diferentemente do ano passado, quando se atrasou o início. A Datagro estimou a renovação de cana em 20%, e continuam as expectativas de que a produtividade será até 10% maior, voltando à casa das 80 toneladas/ha. Com o crescimento da safra de cana, o problema agora passa a ser novamente a capacidade de processamento. Estima-se uma capacidade instalada máxima de 700 milhões de toneladas no Brasil, e o processamento pode chegar a mais de 600 milhões. Já em 2014 podemos ter usinas operando a capacidade máxima, o que também pode gerar ineficiências e aumento de custos, principalmente devido a desperdícios.
Destacam-se diversos movimentos e investimentos (empresas). Um deles a mudança de nome da ETH Bioenergia, que passa a se chamar Odebrecht Agroindustrial. Foi anunciado um investimento de R$ 1,3 bilhão, sendo 90% dele na área agrícola, para levar a produção de cana a 26 milhões de toneladas. Ainda nesta safra pretendem plantar mais 100 mil hectares de cana. Para a safra 2013/14 a Petrobras Biocombustível prevê, com suas coligadas, moer quase 20% a mais de cana, passando de cerca de 22 milhões para quase 26 milhões de toneladas. Com isto, pretende produzir quase 30% a mais de etanol, um total de 1,06 bilhão de litros em nove usinas.
Outro grupo a entrar no mercado brasileiro de cana foi a Indofood Agri Resources, considerada uma das maiores empresas de alimentos da Indonésia, país que vem se tornando grande importador de açúcar. Investiu ao redor de US$ 70 milhões para comprar 50% da Companhia Mineira de Açúcar e Álcool, um negócio que rende perto de US$ 100 por tonelada de moagem. Mais do que o volume de investimento, é um sinal dado pela Indonésia no sentido de caminhar para a produção, garantindo o abastecimento de açúcar para seu crescente mercado.
A BM&F Bovespa também colocou dois novos contratos futuros importantes para o setor, o do açúcar cristal e o do anidro. É mais um importante movimento. Se estes contratos ganharem musculatura, serão importantes fontes de referência e planejamento no setor.
O BNDES espera desembolsar mais de R$ 5 bilhões em 2013 para o setor. Além de ampliar fortemente o programa Prorenova, para renovação de canaviais, com regras mais ajustadas às necessidades do setor, destaca-se o apoio do banco, juntamente com a Finep, ao desenvolvimento de etanol celulósico, bioquímicos e gaseificação. É o Paiss – Plano Conjunto BNDES-FINEP de apoio à Inovação Tecnológica Industrial no Setor Sucroenergético e Sucroquímico. Portanto, a bola está na quadra do setor privado para fazer bons projetos, captar esses recursos e fazer o Brasil liderar na inovação, criando e capturando valor.
Em relação ao etanol, finalmente chegou o esperado aumento no preço da gasolina. Aquém do necessário, mas já representa alguma coisa. Foi dado 6,6%.
Deu trabalho, mas foi finalmente anunciado o aumento do teor de álcool na mistura da gasolina, agora oficialmente, a partir de 1º de maio, justamente o Dia do Trabalho. Este aumento para 25% elevará o consumo mensal de anidro da média de 653 milhões de litros por mês, observada em 2012, para cerca de 830 milhões de litros mês, representando um valor entre 170 a 180 milhões de litros no faturamento das usinas. A um preço médio de R$ 1,35/litro na usina, isto representará um faturamento adicional de R$ 240 milhões/mês, ou R$ 2,88 bilhões quando anualizado. Vai aliviar a Petrobras, reduzir nossas necessidades de importações e transferir quase R$ 3 bilhões/ano da economia petroleira para a economia canavieira. Como disse no artigo anterior, vem atrasado, mas pelo menos está aí.
Apesar de sequenciais alertas feitos por mim e por muitos outros estudiosos do setor, o desastre da importação de gasolina se verificou. Fechados os números em 2012, gastamos US$ 3 bilhões para comprar 3,8 bilhões de litros. E o mais incrível é ver a evolução: em 2009 importou-se US$ 70 mil, em 2010 US$ 285 milhões, em 2011 US$ 1,6 bilhão, finalizando com os US$ 3 bilhões em 2012. Quanto será em 2013? Não será nada bom, se observarmos como está a balança comercial neste início de ano. Considero este um dos erros, se não o principal erro do atual governo brasileiro, mais injustificável ainda pelo fato de a presidente ser uma pessoa que tem um passado na área de energia.
Também antiga reivindicação nossa, um plano para o setor de etanol que envolva a modificação de seus tributos está em gestação no governo. Foi chamado Pró-etanol. Segundo o ministro Fernando Pimentel, em entrevista ao Valor (07/02/13), estuda-se a retirada do PIS/Cofins e também do IPI para melhorar a rentabilidade dos projetos de greenfields. A contrapartida do setor privado será o investimento em produtividade e estoques. Resta torcer para que este plano não fique em eterna gestação no governo. Quanto antes vier, antes beneficiará o próprio governo e a sociedade brasileira.
É interessante jogar uma lupa no assunto da distribuição dos combustíveis. Estudo do Sindicom mostra que a Petrobras recebe menos da metade do preço final da gasolina na bomba. A um preço de R$ 2,63 por litro pago pelo consumidor, a Petrobras fica com R$ 1,25. São quase 36% de impostos e um custo de distribuição e revenda de quase 20% do preço final – chega a ser o dobro do que representa este custo nos EUA. Temos custos logísticos mais altos, os postos vendem menos aqui comparativamente aos EUA e há também o impacto da legislação, que obriga a contratação de frentistas. O mercado americano é bem mais desregulamentado e apresenta maior competição, o que se traduz em melhores preços ao usuário.
É nítido que houve grande evolução nos serviços oferecidos pelos postos no Brasil e também grande aumento de custos, como os trabalhistas e relativos a seguros, segurança (devido aos crescentes assaltos), locação, enfim, todos os que assolam quem quer operar negócios no Brasil, mas existe um desequilíbrio em relação a esforço produtivo e margem na cadeia da cana. Os postos trabalham com margem de 15% a 20% em cima de um volume de recursos muito maior, margens estas que não se observam na produção e no processamento de cana. É necessário olhar este ponto com mais atenção.
Uma ideia a ser debatida seria, no caso dos combustíveis, trabalhar com uma transparência maior nos preços e um conceito de cadeia produtiva, para o consumidor ir se acostumando com esta ideia. Poderia-se passar a divulgar três preços nos postos, numa simples tabela de modificação diária: o preço vigente do hidratado na usina (amplamente disponível nos sites), o preço vigente na distribuidora (também amplamente conhecido por quem atua no setor) e o preço final do posto.
O Rabobank soltou sua estimativa de etanol para a safra 2013/14: a produção será de 27,2 bilhões de litros, mais de 10% acima dos 24 bilhões de 2012/13 – sendo 23,1 bilhões para uso como combustível e já quase 4 bilhões para outros usos.
Em relação ao açúcar: conforme antecipado, esse fato está alterando os fundamentos do mercado do açúcar, pois uma safra mais dirigida ao etanol ajuda a reduzir os superávits do produto. No ano passado quase 50% da safra foi destinada para açúcar. Se considerarmos os melhores preços do etanol e a recente valorização do real, a quantidade de cana para açúcar pode cair a 44%, retirando quase 4 milhões de toneladas de açúcar do mercado, o que deve se refletir em sensível melhoria nos preços.
Também é interessante notar como algumas usinas estão precificadas com volumes interessantes de venda a preços melhores que os correntes. É o caso da São Martinho, que anunciou já ter 453 mil toneladas de açúcar a preço médio de 22 cents/libra peso e dólar de R$ 2,15 para a temporada 2013/14, que se inicia em 1º de abril. A empresa também priorizou o anidro no ciclo que se encerra, tendo com isso mais rentabilidade. A Archer Consulting estima o custo atual em 18 cents/libra peso e cerca de 12 a 14 milhões de toneladas fixadas a um preço médio de 19,34 cents/libra peso.
Começam a sair notícias de que a produção da Índia no ciclo 2013/14 será menor em virtude da falta de água, levando o país a voltar ao mercado importador após quase quatro anos de excedentes. Mas melhor ainda são as notícias de consumo interno de açúcar na Índia que deve pular de 22 milhões de toneladas para cerca de 26 milhões de toneladas em 2014 e para 31 milhões de toneladas em 2021. Ou seja, é mais provável que os indianos se tornem importadores permanentes de açúcar.
Janeiro também surpreendeu com compras chinesas de açúcar, estimadas em mais de 250 mil toneladas. Analistas de mercado já preveem que a China possa importar mais de 1,5 milhão de toneladas este ano. O Brasil teve excelente desempenho exportador nesse mesmo mês, quase 2,3 milhões de toneladas, o que é recorde para janeiro.
Começa bem o ano. Tenho a nítida impressão de injeção de concreto nos alicerces da cana.
* artigo publicado no Portal Nova Cana
MARCOS FAVA NEVES* é professor titular de planejamento e estratégia na FEA/USP Campus Ribeirão Preto e coordenador científico do Markestrat. Ele escreve regularmente sobre o universo da cana-de-açúcar para o portal novaCana.com. Está neste momento em seu ano sabático lecionando na Universidade de Purdue, Indiana (EUA).
Fonte: CDN ? Comunicação Corporativa
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