Publicado em: 17/11/2022 às 16:15hs
Ultrapassou crises econômicas, mercadológicas e principalmente sanitárias que comprometeram sua própria existência, contando apenas com a luta diária de produtores e profissionais que tentaram a todo custo se adaptar em busca de melhores resultados ciclo após ciclo. Essas dolorosas experiências trouxeram lições importantes que levaram a alterações radicais dos modelos de produção e evidenciaram a necessidade latente de investimentos na qualidade genética das pós-larvas utilizadas.
Ao mesmo tempo, a nutrição também precisou se adaptar, sobretudo na tentativa de mitigar a indisponibilidade sazonal e a constante alta nos preços de suas principais matérias primas. Assim, neste ambiente extremamente dinâmico, os modelos de produção, a genética dos animais e a nutrição já não são mais os mesmos de anos atrás, ao passo que a manutenção da sinergia entre essas áreas é fundamental para uma carcinicultura sustentável. Mas afinal, mesmo com todas essas alterações elas ainda falam a mesma língua?
A evolução da carcinicultura brasileira. Apesar de ainda não ocupar posição de destaque entre os maiores produtores mundiais, a carcinicultura brasileira é tratada como uma gigante em potencial, isto porque nosso país reúne características extremamente favoráveis para a expansão desta atividade, como suas condições edafoclimáticas, sobretudo no litoral nordestino, onde a criação de camarões é possibilitada durante todo o ano, sua significativa produção de grãos e farelos utilizados como matérias-primas das rações e a proximidade de dois dos principais mercados internacionais, União Europeia e Estados Unidos (ABCC, 2017).
Os primeiros registros da criação de camarões marinhos em ambientes de cultivo no Brasil datam da década de 70, quando testes produtivos foram realizados com duas espécies, uma nativa (P. brasiliensis) e outra exótica (P. japonicus), em modelos de produção extensivos de baixa densidade (Nunes, 2001). Já na década de 80 a carcinicultura brasileira ficou marcada por dois fatos que definiriam seus rumos até os dias de hoje, a implementação das primeiras unidades comerciais de produção, incentivadas por políticas públicas de exploração racional dos recursos marinhos e a introdução do camarão Branco do Pacífico (Litopenaeus vannamei) (Costa, 2004).
Na década de 90, a observação de que o L. vannamei se adaptou extremamente bem às nossas condições, somado ao domínio de sua tecnologia reprodutiva, que possibilitou a produção intensiva e a comercialização de pós-larvas, tornou em pouco tempo essa espécie a mais importante, neste período as unidades de cultivo praticamente dobraram sua produtividade, passando de 0,3 para mais de 0,6 ton/ha/ciclo (Nunes, 2001). Ao final dessa década, a carcinicultura havia se transformado em uma oportunidade de investimento altamente atrativa, o que potencializou seu crescimento até o auge atingido em 2003 (Nunes, 2001). Neste ano, o Brasil ganhou destaque por sua grande produtividade por área, 90.000 t em aproximadamente 15.000 ha, além de se posicionar como o maior exportador de camarão de tamanho pequeno-médio para os EUA (Ostrensky e Cozer, 2017).
Entretanto, a partir de 2004, o setor começou a passar por grandes problemas, majoritariamente de ordem sanitária, que resultaram em significativas perdas de produtividade e fizeram com que grande parte das fazendas de camarão fossem desativadas (Nunes e Feijó, 2017). Os primeiros sinais da incidência de uma nova doença começaram a ser notados em fazendas do estado do Piauí em 2002, causada inicialmente pela chamada Necrose Idiopática Muscular, popularmente NIM, mas que em seguida reconheceu-se se tratar de um novo agente etiológico, o vírus da Mionecrose Infecciosa (IMNV) (Nunes et al., 2004). Essa doença, caracterizada pela perda da transparência da cauda ou em estágios mais avançados pelo apodrecimento das áreas afetadas, podia elevar as taxas mortalidade dos lotes em até 70% (Andrade et al., 2007).
Em seguida, o aparecimento de um surto viral sistêmico teve efeitos ainda mais catastróficos, dessa vez causado pelo vírus da Síndrome da Mancha Branca (WSSV), iniciado no sul do país e que chegou ao nordeste entre os anos de 2008 e 2011 pelos estados de Pernambuco e Bahia, impactando fortemente os principais estados produtores, Rio Grande do Norte e Ceará, a partir de 2015 (Guerrelhas e teixeira, 2012; Carvalho et al., 2017). Essa doença, altamente patogênica, ataca as brânquias, coração, músculos, intestino e outros órgãos podendo ocasionar a mortalidade total dos camarões alojados (Souza et al., 2019; Neves e Martins, 2021).
Os estragos causados pelo IMNV e WSSV resultaram em uma considerável perda na eficiência produtiva da carcinicultura brasileira, segundo dados do IBGE, em 2020 a produção nacional de camarões marinhos foi de aproximadamente 63.200 t, apenas 70% da produtividade atingida em 2003 (IBGE, 2020).
Apesar disso, essas subsequentes crises sanitárias, trouxeram importantes lições, estabelecendo-se que o controle da incidência de fatores estressantes, como a diminuição das mudanças bruscas de salinidade e temperatura da água, e a profilaxia, pela redução da carga viral nas unidades de cultivo eram primordiais para a mitigação dos danos (Barracco et al., 2014). Isso resultou na necessidade de consideráveis alterações nas unidades de cultivo, principalmente com a implementação de novos modelos de produção e a utilização de pós larvas mais resistentes.
Modelos de produção. Inicialmente a forma encontrada pelos produtores para lidar com as doenças foi o desenvolvimento de modelos de produção que permitissem maior controle do status sanitário da criação. Assim, iniciaram-se os investimentos nos modelos super intensivos, considerados mais protegido à introdução dos agentes patógenos pela utilização de tanques menores, em geral, revestidos por geomembrana, cobertos por sombrites ou estufas e dotados de sistema de recirculação de água e aeração mecânica. Essas características permitem que nesses modelos sejam alcançadas maiores densidades de estocagem, que podem ir de 150 a até mais de 700 camarões/m².
Embora a produtividade por área seja significativamente incrementada, à medida que intensificação do cultivo ocorre, a necessidade de cuidados com o monitoramento do equilíbrio do sistema cresce na mesma escala. Por exemplo, curtos espaços de tempo sem energia elétrica são suficientes para que aconteça uma grande instabilidade dos elementos físicos e químicos da água, podendo desencadear a mortalidade em massa dos animais. Assim, o alto consumo de energia somado aos relevantes investimentos para a garantia de que não ocorrerão falhas em seu fornecimento a partir da instalação de geradores, bem como a necessidade do constante funcionamento dos equipamentos, que por vezes devem ser instalados em backup, elevam criticamente os custos operacionais. Aliado a isso, o aumento dos gastos com nutrição e demais insumos inerentes ao processo e o baixo valor pago ao camarão observado nos últimos anos, sobretudo durante a pandemia de COVID-19, tornou cada vez mais difícil que os produtores fechassem suas contas, inviabilizando na maioria dos casos a produção em modelos super intensivos.
Novamente os produtores tiveram que se adaptar, passando a direcionar esforços para modelos de produção que pregavam a eficiência produtiva em ambientes mais equilibrados, em geral menos intensivos, onde se é possível a convivência com as doenças, sem grandes perdas por mortalidade. Ademais, as das fronteiras produtivas da carcinicultura também foram expandidas para regiões antes inexploradas, distantes de localidades com altos índices de infestação, inclusive para áreas do interior do continente, o que também demandou novas técnicas e tecnologias a partir da utilização de água de diferentes origens como as oligohalinas (baixa salinidade), de rios, poços ou modificadas artificialmente (ABCC, 2022).
Hoje em dia, a maior parte do camarão marinho produzido no Brasil é originário dos chamados modelos extensivos, que utilizam viveiros escavados, sem revestimento, dotados ou não de aeradores e densidades de estocagem que variam de 8 e 12 camarões/m². Do ponto de vista nutricional, esses modelos, com baixa densidade de estocagem e menor taxa de renovação de água, permitem que ocorra a produtividade primária de fito e zooplâncton, uma fonte alimentar rica e nutritiva disponível aos camarões. Nestes casos os níveis nutricionais da ração ofertada podem ser diferenciados daquelas desenvolvidas para os sistemas super intensivos, onde esse alimento complementar não está disponível e a nutrição ocorre exclusivamente pelo consumo da ração, aproveitando-se uma oportunidade de redução de custos sem que se altere os resultados de desempenho.
Genética. Antes do aparecimento da Síndrome da Mancha Branca alguns programas de melhoramento genético de camarões já haviam sido iniciados no Brasil, com a obtenção de relativo sucesso no incremento dos parâmetros de desempenho. No entanto, após os surtos das doenças, ficou evidente a necessidade da melhoria genética das pós-larvas com foco total na produção de linhagens resistentes às infecções virais, mas que também garantissem um bom desempenho a campo. Apesar disso, o que se vê na pratica é uma grande dificuldade em se melhorar resistência e desempenho ao mesmo tempo, obtendo-se na maioria das vezes, animais com bons índices de crescimento, mas susceptíveis as doenças, ou resistentes com índices de crescimento e conversão alimentar aquém do esperado. Isso pode ser explicado pela existência de genes pleiotrópicos, isto é, que afetam ao mesmo tempo duas características e neste caso, tornam resistência e desempenho negativamente correlacionados, fato já relatado na aquicultura para camarões (Moss e Doyle, 2005; Ceniacua e Akvaforsk, 2002) e peixes (Henryon et al, 2002).
Moss e Doyle (2005) observaram que ao selecionar L. vannamei resistentes a síndrome de Taura (TSV), inicialmente melhorou-se a produção e a lucratividade das unidades produtivas devido a maior sobrevivência, mas que o problema não foi resolvido a longo prazo, pela existência de correlação fenotípica negativa entre resistência e peso médio de abate, sendo o grupo mais resistente aproximadamente 16% mais leve à despesca. Da mesma forma, pesquisadores do Centro de Pesquisa em Aquicultura da Colômbia relataram que o peso ao abate de camarão em fazendas comerciais foi negativamente correlacionado com a sobrevivência a Síndrome da Mancha Branca (Ceniacua e Akvaforsk, 2002). Além do peso ao abate, a resistência a doenças também pode ser negativamente correlacionada com outras características importantes, como a qualidade da carne e a fecundidade em camarões (Moss e Doyle, 2005).
Outro ponto que merece atenção no melhoramento genético desses animais é a endogamia, definida como a união entre indivíduos com algum grau de parentesco, que causa a homogeneização da variação genética dentro de uma população e também impacta nos resultados de desempenho e resistência. Segundo Peregrino (2022) a mortalidade por doenças e por estresses nutricional e ambiental acontece em maior nível dentro de populações endogâmicas. Moss (2007) constatou que a depressão endogâmica causada pela consanguinidade em uma população de L. vannamei aumentou a incidência, prevalência e a letalidade para diversas doenças, entre elas a NIM e a WSSV.
O controle de parentesco e dos níveis de consanguinidade em planteis de reprodutores de camarão passaram a ter ainda mais relevância após a proibição da introdução de novos materiais genéticos estabelecido no ano de 1997 pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA, 1997). Em termos genéticos, essa regulamentação reduziu o tamanho efetivo do pool genético disponível para que os laboratórios de pós larvar renovassem seus planteis.
Apesar dos problemas envolvidos no melhoramento de características correlacionadas negativamente, bem como a necessidade do controle dos níveis de endogamia em um plantel de reprodutores, muitos programas de melhoramento espalhados pelo mundo já obtiveram grandes avanços em indicadores como o ganho de peso diário, conversão alimentar e resistência a doenças. O fato é que independentemente dos resultados obtidos até aqui pelos programas brasileiros, os animais atualmente criados passaram por algum nível de melhoramento, seja ele através da seleção ou pela formação de híbridos no acasalamento de diferentes espécies. Neste sentido, já é bem estabelecido que animais geneticamente superiores tendem a se tornar mais exigentes, isso se deve as alterações ocorridas em sua composição corporal e velocidade de crescimento, com maior deposito de músculos em menor espaço de tempo, passando a necessitar de um pacote nutricional à altura de seu potencial de ganho, principalmente quanto a utilização de um maior conteúdo de proteínas e aminoácidos digestíveis presentes na ração.
Para exemplificar, imagine que você possui um carro muito potente e o abasteça com combustível adulterado, muito provavelmente acontecerão problemas e o seu desempenho não será satisfatório. Igualmente, de nada adianta adquirirmos pós larvas melhoradas com enorme capacidade genética para crescimento ou resistência sem que existam as condições ambientais e nutricionais necessárias para desenvolve-las. Isto faz com que as empresas de ração tenham que ficar cada vez mais atentas as suas dietas, revisitando as fórmulas sempre que necessário, no intuito de se acompanhar os avanços e de se tentar extrair o máximo potencial genético possível dos animais.
A Nutrição. Ao mesmo tempo que as carciniculturas tiveram que se adaptar após subsequentes crises a um “novo normal”, com a nutrição não foi diferente. As constantes altas nos preços das commodities potencializadas pela pandemia de COVID-19, a indisponibilidade sazonal e os custos elevados de algumas matérias-primas importantes para a elaboração das rações, como a farinha de peixes, justificaram a realização de estudos acerca da substituição de matérias-primas tradicionais por fontes alternativas e coprodutos da agroindústria, uma opção econômica e sustentável, já que por não competirem com a alimentação humana possuem um menor custo, e ainda contribuem para a redução dos impactos ambientais que poderiam estar sendo causados pelo seu descarte. No entanto, na maioria das vezes essas fontes alternativas não possuem os mesmos valores nutricionais que os exigidos pelos camarões, por isso devem ser criteriosamente combinadas, levando-se em consideração sua qualidade e digestibilidade, e por vezes suplementadas.
Por fim, ao mesmo tempo que camarões criados no modelo extensivo possuem disponíveis uma fonte adicional de alimento natural rica em nutrientes, animais melhorados são mais exigentes do ponto de vista nutricional. Considerar esse equilíbrio nas formulações é um aspecto relevante para que a ração possua um ótimo custo benefício a campo e atenda os objetivos econômicos e produtivos para o qual foi desenvolvida.
Poli-Camarão 350 AQ. Assim, atenta a dinamicidade da carcinicultura e das necessidades econômicas e de desempenho de nossos clientes, a POLINUTRI busca colocar novamente em sinergia a genética, a nutrição e os modelos de produção praticados no momento, a partir da modernização de sua ração Poli Camarões 350AQ, que passa a conter em seu nome um sinal de mais (+), representando as melhorias implementadas em todas as suas etapas de produção, iniciando-se por uma formulação moderna e equilibrada com atendimento completo das exigências nutricionais de camarões criados em modelos extensivos e semi-intensivos, passando pela utilização de ingredientes que atendem rigorosos padrões de qualidade e digestibilidade e pela modernização dos processos fabris que resultarão em melhores resultados de crescimento, conversão alimentar, peso à despesca e sobrevivência obtidos à campo.
Pedro Luiz de Castro é Coordenador Técnico de Nutrição Aqua da Polinutri, Zootecnista e Doutor em Produção Animal
Fonte: Polinutri
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