Publicado em: 19/05/2014 às 11:50hs
Se argentinos protagonizaram o avanço da soja na região de Mercedes, no oeste do Uruguai, são os brasileiros que fazem lavouras do grão germinarem no lado oposto do país vizinho. Gaúchos que atravessaram a fronteira para explorar os campos uruguaios predominam entre os produtores de soja nos departamentos (equivalentes a Estados) de Cerro Largo e Rivera. Na última década, a área cultivada com a oleaginosa foi multiplicada por quatro nas vastas terras planas do Uruguai – tradicionalmente ocupadas por bovinos, ovinos e arroz.
Com safra estimada em 3,2 milhões de toneladas, o país com pouco mais de 3 milhões de habitantes já ocupa a sexta posição entre os maiores fornecedores do grão no mundo – os líderes em exportação de soja são Brasil, Estados Unidos, Argentina, Paraguai e Canadá. O volume colhido, seis vezes maior do que há 10 anos, é resultado de produtividade 50% superior nas lavouras, chegando a 2,5 mil quilos por hectare, conforme dados do governo uruguaio.
A tecnologia para aumentar os resultados está sendo disseminada com ajuda de produtores que compraram ou arrendaram terras do lado de lá da fronteira brasileira. A proximidade com o Rio Grande do Sul facilitou a entrada dos agricultores pelos municípios de Rivera e Aceguá – onde a área cultivada com soja também aumentou significativamente nos últimos anos.
Para chegar à propriedade do gaúcho Ivanor Carlos Pozzebon Jann, 52 anos, na cidade de Melo, capital do departamento de Cerro Largo, é preciso percorrer 10 quilômetros pela Rota 8 no sentido Aceguá a Melo. Da rodovia, são mais 25 quilômetros de chão batido. Ao chegar à Agroganadera Jann, onde o produtor vive com a família, é possível perceber a imponente presença da soja espalhada por campos de pastagens e até mesmo em áreas baixas de arroz.
Natural de Faxinal do Soturno, na região central do Rio Grande do Sul, Jann migrou para o Uruguai em meados da década de 1980 para trabalhar como tratorista de um arrozeiro gaúcho. Em 1999, começou a arrendar áreas para plantar arroz e criar gado. Há três anos, deixou de lado a lavoura de arroz e atualmente cultiva 350 hectares com soja e cria 300 cabeças de gado.
– Estamos dando um tempo para aproveitar o bom momento da soja. Mas isso não quer dizer que um dia não volte a plantar arroz – conta o produtor, hoje cidadão uruguaio.
A opção de Jann é justificada pelo custo menor de produção e maior valor de venda. Nesta safra, concluída há pouco mais de 15 dias, Jann colheu uma média de 3 mil quilos por hectare. Grande parte dos grãos foi encaminhada ao porto de Montevidéu.
Experiência com arroz abriu caminho
A expansão da soja para o Uruguai ainda não é comparada, em intensidade, com a do arroz nos anos 1990, quando agricultores gaúchos atravessavam a fronteira para cultivar campos uruguaios com a esperança de melhorar de vida. Mesmo distintos, os dois movimentos estão relacionados. Boa parte dos produtores que estão expandindo as lavouras da oleaginosa teve como primeira experiência internacional o cultivo do arroz.
Filho de arrozeiro que começou a plantar no Uruguai em 1992, Junior Bizzi, 35 anos, natural de Santa Maria, cultiva 360 hectares de soja e 600 de arroz em propriedades localizadas em Melo.
– Há três anos, a soja ocupava apenas 20 hectares de nossa lavoura. No próximo ano, queremos ampliar para 600 hectares com abertura de novas áreas de campo – conta Bizzi, formado em Administração.
Há 10 anos, a família chegou a plantar soja nos campos uruguaios, mas sem sucesso.
– Usamos máquinas de arroz, e o tempo também não colaborou muito na época – lembra.
Na colheita deste ano, a produtividade ficou acima de 3,2 mil quilos por hectare – ou 53 sacas por hectare. O resultado é atribuído pelo produtor aos investimentos feitos e à experiência de cultivo em áreas de várzea.
– Argentino não planta em área baixa, são basicamente os brasileiros que se aventuram nessas terras – completa Bizzi.
Valor da terra estimulou a migração
Há menos de uma década, um hectare de terra localizado no departamento de Cerro Largo custava em média US$ 600. Atualmente, o mesmo espaço é vendido por cerca de US$ 4,5 mil. Com a invasão de produtores argentinos em campos uruguaios, investimentos de papeleiras e valorização da soja, o preço de terras no país vizinho se multiplicou nos últimos anos.
– Durante muito tempo, o preço do hectare no Uruguai ficou entre US$ 400 a US$ 800. A partir de 2005, por causa desses fatores, os valores começaram a subir ano a ano – diz o corretor Nilo Ourique.
A região agrícola mais valorizada no país é a de Mercedes, no oeste do Uruguai, onde o hectare chega a mais de US$ 6 mil em razão do solo fértil e do clima favorável. Os preços se equivalem aos cobrados pelas terras na Metade Sul do Rio Grande do Sul – em torno de R$ 15 mil por hectare.
O limite individual de 100 mil hectares para compra de terras, tanto para uruguaios quanto para estrangeiros, facilita a aquisição por parte de brasileiros no país vizinho. Intendente do departamento de Cerro Largo, cargo semelhante ao de governador no Brasil, Sérgio Botana destaca que é possível perceber facilmente o impacto do avanço da soja na região.
– De dois anos para cá, esse movimento começou a ficar mais visível, mexendo com a economia de Melo. Os argentinos chegaram antes, mas agora são brasileiros que fazem a soja avançar no Uruguai com mais força – ressaltou Botana.
Fonte: Zero Hora
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