Publicado em: 07/06/2022 às 15:10hs
Todos conhecem a soja comum, cujos grãos têm cor bege. Mas, na verdade, existem tipos de soja de cores e formas variadas e, também, com características bem específicas. Em 2019 a Embrapa, em parceria com a EPAMIG e a Fundação Triângulo, lançou uma cultivar de soja preta conhecida pelo nome BRSMG 715A. O objetivo primordial do desenvolvimento dessa cultivar foi o de oferecer uma alternativa para ampliar a adoção da soja na alimentação humana, mantendo o seu potencial produtivo na lavoura.
São diversas características que diferenciam a soja preta das cultivares comerciais, além da cor. A primeira delas é o teor mais elevado de proteína, o que a torna mais nutritiva. A segunda é a maior facilidade de cozimento. A terceira é o sabor agradável, de acordo com os testes efetuados. A quarta é a maior proporção de ácidos graxos monoinsaturados, o que lhes confere maior estabilidade oxidativa. E a quinta é ser rica em antocianinas (que conferem a cor preta), as quais são antioxidantes naturais. O fato de essa cultivar haver sido desenvolvida com coloração preta não foi por acaso, vez que a estratégia subjacente é utiliza-la como sucedâneo parcial ou total do feijão preto na brasileiríssima feijoada.
No primeiro ano de cultivo o objetivo foi produzir sementes para as novas safras, enquanto se perscrutava o mercado. O mais promissor até agora é o do Oriente, em especial da Coreia do Sul, que tem demonstrado interesse, por conta de hábitos milenares dos povos asiáticos no uso de soja na produção de alimentos, aliado às características de alimento funcional dessa cultivar de soja.
O consumo de soja preta é comum na Ásia, onde é consumida como alimento saudável e usada na medicina popular há séculos, sendo rica em proteínas, lipídios, minerais e isoflavonas. No entanto, o que a diferencia são os pigmentos pretos no tegumento da semente, constituídos por polifenóis como antocianidinas e flavonoides, que contribuem para a capacidade antioxidante da soja preta.
Um estudo demonstrou que o consumo de soja preta (35% da dieta), por 10 semanas, em ratas ovariectomizadas, aumentou a atividade antioxidante, inibindo o estresse oxidativo e melhorando os perfis lipídicos, resultando na redução dos fatores de risco associados às doenças cardiovasculares (DCV). Esse artigo pode ser acessado em http://bitly.ws/qz8z. Outro estudo com cobaiais demonstrou que a administração oral de extrato de soja preta em ratos, a 50 e 100 mg/kg de peso corporal, durante 14 dias, reduziu o risco de DCV ao melhorar a circulação sanguínea através da inibição da agregação plaquetária e de formação de trombos (http://bitly.ws/qz8I).
Os alimentos funcionais são aqueles que, além de nutrir, produzem efeitos benéficos à saúde, em especial na redução do risco de doenças crônicas degenerativas, em especial o diabetes e diversos tipos de câncer. A soja preta é um deles.
Parcela dos benefícios advém de ingredientes com capacidade antioxidante, que têm a capacidade de proteger as células contra os efeitos dos radicais livres produzidos pelo organismo. O antioxidante serve para doar elétrons, seja para os radicais livres ou para células afetadas por eles, reduzindo ou eliminando o estresse oxidativo produzido pelos radicais livres
A função vascular está intimamente relacionada com o risco de DCVs. Um dos fatores de risco, quiçá o mais importante, é o envelhecimento do organismo, que causa alterações funcionais e estruturais da parede vascular. O aumento da rigidez vascular é a principal consequência, e compromete a adaptação vascular às alterações do fluxo sanguíneo e da pressão arterial.
Além do envelhecimento, o estresse oxidativo é outro importante desencadeador de disfunção vascular, até porque ele é potencializado pelo processo de envelhecimento. As pesquisas científicas já demonstraram que a alteração no teor dos óxidos de nitrogênio, como o óxido nítrico (NO), é um evento molecular preponderante para a função vascular, pois a liberação de NO das células endoteliais diminui a concentração de cálcio no interior das células, causando relaxamento do músculo liso vascular, sendo considerado um potencial vasodilatador. Ocorre que tanto o envelhecimento quanto o estresse oxidativo reduzem, significativamente, a produção de NO e podem levar à disfunção vascular.
A disfunção vascular e estímulos lesivos - como o estresse oxidativo - estão intimamente relacionados ao risco de DCV. Aí é que entra a importância dos polifenóis contidos nos alimentos, que atuam redução do risco de sua ocorrência. A soja preta é rica em polifenóis, incluindo isoflavonas, antocianinas, antocianidinas e flavonoides, e seus efeitos preventivos no risco de DCVs foram relatados em diversos experimentos com animais, como relatado anteriormente.
Também existem estudos científicos conduzidos com populações humanas. Em um dos estudos, realizado na Coreia do Sul, foi relatado que a suplementação de extrato de soja preta (2,5 g / dia), por 8 semanas, diminuiu o acúmulo de gordura visceral e os perfis lipídicos plasmáticos em adultos com excesso de peso (http://bitly.ws/qz8Z). Outra pesquisa foi conduzida pelo grupo da Dra. Yoko Yamashita, da Universidade de Kobe (http://bitly.ws/qz7n). Nesse estudo, os cientistas investigaram o efeito do consumo de soja preta na função vascular e estresse oxidativo, associado às concentrações de polifenóis em mulheres saudáveis. A diminuição da idade vascular foi observada em 33 dos 44 voluntários que completaram o estudo de 8 semanas. Observou-se melhora da rigidez vascular, aumentando o nível de NO2 e NO3 na secreção urinária, e diminuindo os marcadores de estresse oxidativo. Para quem gosta de química, os marcadores utilizados foram 8-hidroxi-2'-desoxiguanosina, hexanoil-lisina e mieloperoxidase.
O estudo também mostrou que a concentração de 12 polifenóis, presentes na soja preta, aumentou no plasma e na urina da população em teste, como função direta do consumo da soja preta. A conclusão do estudo foi que o consumo de soja preta melhorou a função vascular, através do aumento do óxido nítrico e diminuição do estresse oxidativo, acompanhado pelo aumento das concentrações de polifenóis em mulheres saudáveis.
Não por acaso os estudos acima foram realizados na Coreia do Sul e no Japão pois, como mencionamos anteriormente, há um hábito milenar de uso da soja na alimentação humana no Oriente. Razão que também leva a Coreia do Sul a se propor a importar soja preta do Brasil.
Mas, e nós, brasileiros, que desenvolvemos e temos condições de produzir soja preta, não vamos auferir dos benefícios que ela proporciona? É hora de serem elaboradas políticas públicas e campanhas de organizações privadas para que a população do nosso país efetivamente se beneficie de uma nova opção alimentar, nutritiva e com benefícios à saúde.
Por, Décio Luiz Gazzoni e Miguel Alves Pereira Jr.
Fonte: CCAS
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