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No Paraná, mais produtivos que os americanos

O investimento em pesquisa tornou as terras dos imigrantes de Entre Rios, no Paraná, uma referência na produção de grãos. Lá, a produtividade é superior à americana em soja, milho, trigo e cevada


Publicado em: 17/12/2012 às 14:10hs

No Paraná, mais produtivos que os americanos

Quem caminha pelos verdes campos ao redor do distrito de Entre Rios, no município paranaense de Guarapuava, 250 quilômetros a oeste de Curitiba, mal consegue imaginar que um dia se pensou que ali não daria nem planta brava. Entre Rios foi formado em 1951 por 500 famílias de alemães, originárias da região da Suábia, que se refugiavam de comunistas do Leste Europeu.

Dez anos depois, com a frustração das colheitas, metade desses imigrantes já havia se espalhado pelo mundo em busca de terras mais férteis. Quem ficou se deu bem. Hoje, a produtividade das principais culturas das fazendas de Entre Rios — soja e milho, no verão, e trigo e cevada, no inverno — é maior não só do que a média brasileira como também superior à americana.

No ano passado, foram produzidas 848 000 toneladas de grãos. A colônia alemã atualmente tem 12 000 habitantes e se organiza ao redor da Agrária, cooperativa fundada desde a chegada dos imigrantes. A Agrária obteve faturamento de 1,3 bilhão de reais e lucrou 39 milhões em 2011.

Com sotaque carregado e recorrendo algumas vezes ao dicionário, a alemã Marietta Jaster, de 77 anos, conta a obsessão de seu marido, o agrônomo Franz Jaster, durante o período que viveu na colônia: “Produzir mais em menos tempo”. Jaster foi contratado em 1977 pela Agrária e lá trabalhou até o ano passado, quando morreu. “Ele plantava diferentes sementes de centeio e de milho”, diz Marietta. “Depois da colheita, contava grão por grão e pesava para saber qual tipo de semente tinha produzido mais.”

A obsessão de Jaster era um reflexo do trabalho duro de toda a comunidade de agricultores alemães. “As terras eram pouco férteis e ácidas. As primeiras pesquisas começaram no final da década de 60”, diz o pesquisador Celso Wobeto, da Fundação Agrária de Pesquisa Agrope­cuária, entidade mantida pela coope­rativa. Ao longo das décadas, houve um esforço dos imigrantes para preservar a cultura e a língua alemãs, que ainda predominam na colônia.

“Por outro lado, as portas ficaram abertas a empresas, institutos de pesquisa e universidades”, diz Jorge Karl, presidente da Agrária. No início de 1970, a Embrapa realizou os primeiros estudos para o cultivo da cevada nas terras dos colonos, em parceria com as antigas cervejarias Antarctica e Brahma, que hoje constituem a Ambev. Poucos anos depois, a Agrária fez os primeiros testes com a soja.

A estreita relação mantida com a Alemanha permitiu ainda que, na década de 80, a cooperativa criasse uma estação de pesquisa com doações de máquinas europeias de última geração. A Embrapa também fez experimentações de trigo e, posteriormente, introduziu a técnica de rotação de culturas, em conjunto com instituições como o Instituto Agronômico do Paraná e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

As primeiras avaliações com o milho foram feitas pelo setor privado e, hoje, empresas de sementes, como Pionner, Syngenta e Monsanto, possuem áreas de pesquisa em Guarapuava. O cultivo do milho pelos imigrantes em Entre Rios é um fenômeno: eles obtêm 11 toneladas por hectare por ano, duas vezes e meia a produtividade média nacional e superior à dos Estados Unidos nesse grão.

O resultado foi possível graças ao aprimoramento das técnicas e ao uso de insumos mais adequados à região. O agricultor e filho de alemães Wolfgang Müllerleily, de 50 anos, não esconde o sentimento de satisfação. “Lembro que, aos 15 anos, cheguei à lavoura após uma chuva e vi toda a plantação destruída pela erosão”, diz Müllerleily. “Agora estamos mais prontos para os imprevistos do tempo. Neste ano, apesar da seca, tivemos uma colheita satisfatória. O pouco de chuva que houve, a terra preparada absorveu.”

Verticalização

A introdução de atividades que valorizaram a produção agrícola é outro dos motivos do sucesso de Entre Rios. A organização dos imigrantes ao redor da cooperativa possibilitou a construção de uma fábrica de malte, uma unidade de ração, um moinho de trigo, uma processadora de óleo e farelo de soja e, neste ano, está em construção uma beneficiadora de milho.

As fábricas são fornecedoras de empresas como Nestlé, Nissin e Pepsico. A maltaria é a maior do país e produz um quarto do malte usado pelas cervejarias brasileiras. “A verticalização do negócio trouxe mais rentabilidade, e isso nos permitiu investir 3,5 milhões de reais em pesquisa no ano passado”, diz André Spitzner, gerente agrícola da Agrária. “As exigências dos clientes são cada vez maiores. Com a pesquisa, permanecemos atualizados para atender à demanda do mercado”, afirma Karl.

Os resultados de núcleos de excelência, como Entre Rios, são responsáveis por impulsionar o desempenho da agricultura brasileira — neste ano, a colheita de grãos bateu novo recorde, com 166 milhões de toneladas, 2% mais que na safra passada. Mas esses núcleos­ ainda não são a regra do país. “A presença de bolsões de alta produtividade e tecnologia de ponta convive com áreas que produzem para a subsistência”, diz José Vicente Ferraz, diretor da consultoria Informa Economics-FNP. Para o próximo salto de produtividade brasileira no campo, será preciso que os bolsões de eficiência se multipliquem. Os imigrantes alemães de Entre Rios já fizeram sua parte.