Publicado em: 31/01/2023 às 11:40hs
Se o Brasil se transformou em referência mundial na produção de etanol de cana-de-açúcar, com a maior frota global de veículos movidos com esse biocombustível, o país agora avança numa nova frente: o etanol de milho. Atraindo investimentos bilionários e atendendo a agenda mundial de descarbonização, o Brasil já se tornou o segundo maior produtor global de etanol de milho, atrás dos Estados Unidos.
Nos últimos cinco anos, a produção saltou de 520 milhões de litros para 4,5 bilhões de litros, um crescimento de 800%. A estimativa da União Nacional do Etanol de Milho (Unem) é que ela chegue a dez bilhões de litros até 2030, aumentando a participação no mercado nacional de etanol de 15% para 20%.
Especialistas destacam que, enquanto a cana só está disponível durante cerca de oito meses do ano e o processamento tem de ser feito logo após a colheita, o milho pode ser armazenado por períodos de até três anos.
O crescimento da produção de milho, especialmente a segunda safra, tornou-se uma oportunidade para fabricar o etanol desse grão no país, observa o presidente da Unem, Guilherme Linares Nolasco.
A safra 2020/21 foi de 87,1 milhões de toneladas, enquanto 2022/23 chegou a 126,4 milhões de toneladas. As primeiras usinas se instalaram na região Centro-Oeste, maior produtora do país, em estados como Mato Grosso e Goiás. Mas já existem unidades em São Paulo e no Paraná. São 28 usinas no total, que atraíram R$ 15 bilhões em investimentos da iniciativa privada.
“Mais 23 projetos estão em elaboração e pelo menos nove já foram aprovados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Se todos vingarem, serão mais R$ 19 bilhões em investimentos nos próximos sete anos”, conta Nolasco.
A FS foi a indústria pioneira do segmento a utilizar exclusivamente o milho como matéria-prima. Inaugurou sua primeira planta em 2017 em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso. Em menos de três anos, colocou em funcionamento mais uma usina, com um investimento total de R$ 2,7 bilhões. A capacidade de produção cresceu mais de seis vezes, dos iniciais 230 milhões de litros de etanol anidro para cerca de 1,5 bilhão de litros por ano.
A empresa tem outra unidade em Sorriso, também no Mato Grosso, e há ainda uma terceira planta em fase de construção em Primavera do Leste, no mesmo estado, prevista para entrar em operação no primeiro semestre deste ano, com investimento de R$ 2 bilhões e que elevará a capacidade total de produção para dois bilhões de litros de etanol por ano. Já são 860 funcionários e até março serão abertas cerca de cem novas vagas em diversas áreas, principalmente na nova planta.
“Além de etanol, a empresa também produz óleo de milho, Dried Distillers Grains (DDGs), um resíduo de alto teor nutricional, produzido após a fermentação e destinado a alimentação de bovinos, suínos, aves, peixes e pets. E também gera eletricidade a partir de biomassa”, conta o CEO da FS, Rafael Abud.
Outros grupos estão investindo no setor. A Inpasa inaugurou mais uma unidade em maio passado em Dourados, Mato Grosso do Sul.
O grupo São Martinho também já tem operações no setor e a americana ICM e a Agribrasil se uniram para a construção de uma unidade em Canarana, no Mato Grosso.
No caso da cana, a usina fica ociosa por cerca de quatro meses no ano porque não tem matéria-prima disponível para fazer etanol. Com o milho é possível produzir o ano todo por sua capacidade de armazenagem mais prolongada.
Nolasco, da Unem, afirma que as indústrias de etanol de cana-de-açúcar podem adaptar suas instalações para utilizar o milho como matéria-prima, seja no período de entressafra com o modelo de indústria flex, ou de forma concomitante, conhecido como modelo full-flex.
Outra vantagem são os subprodutos do milho usados na nutrição animal, como o DDG, reduzindo custos, além da produção de energia a partir da biomassa. Para o consumidor que coloca etanol de milho no tanque do carro não há diferença, diz o presidente da Unem.
De acordo com o gerente-executivo de meio ambiente e sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Davi Bomtempo, o etanol de milho é mais uma alternativa sustentável no segmento de combustíveis dentro da agenda ESG das empresas. Ele observa que o milho está adaptado para todas as situações de clima e solo no Brasil. Isso ajuda a descentralizar a produção, estimulando o desenvolvimento regional.
“Tem milho em Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso e Goiás, então é possível fazer essa usina em qualquer lugar do Brasil. Já cana-de-açúcar tem restrições ao plantio em clima frio. Então um complementa o outro”, observa Bomtempo, lembrando que dentro da diversificação da matriz energética do país, o etanol de milho é mais uma alternativa limpa.
Bomtempo adverte, entretanto, que é preciso de uma política pública de longo prazo que trate da economia de baixo carbono no país. Ele diz que esta é uma responsabilidade que precisa ser compartilhada entre governo, iniciativa privada, academia e a sociedade. Hoje, diz ele, o consumidor está mais atento sobre o que consome, como é feita a produção, e se ela é agressiva ao meio ambiente.
Para o coordenador de cursos automotivos na FGV, Antônio Jorge Martins, o uso de etanol tanto de milho quanto de cana como alternativa de combustível limpo, antes da transição para a eletrificação total da frota de automóveis, seria uma alternativa. Mas o cenário ideal seria que essa fonte de energia ganhasse mais escala, incluindo outros países.
“Atualmente, as montadoras estão trabalhando na transição para uso de combustível limpo. Mas para que o etanol fosse viabilizado como uma alternativa anterior a transição para os elétricos seria necessário que gerasse escala, chegando a outros países, o que não acontece atualmente”, afirma Martins.
Fonte: O Globo
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